domingo, 22 de maio de 2022

QUANDO TENTAMOS OUVIR A NÓS MESMOS, FREQUENTEMENTE SOMOS INUNDADOS POR UMA CACOFONIA (qualidade do que soa desagradavelmente) DE RUÍDOS CONFLITANTES. Muita gente toma muito cuidado para não se investigar profundamente...

 Tom Simões, www.tomsimoes.com, maio 2022


 

“[...] O humanismo sempre enfatizou que não é fácil identificar nossa vontade autêntica. Quando tentamos ouvir a nós mesmos, frequentemente somos inundados por uma cacofonia de ruídos conflitantes. Com efeito, às vezes não queremos ouvir nossa voz autêntica porque ela pode desvendar segredos inconvenientes e fazer solicitações desconfortáveis.

Muita gente toma muito cuidado para não se investigar muito profundamente. Uma advogada bem-sucedida, em ascensão na carreira, pode reprimir uma voz interior que lhe diz para fazer uma pausa e ter um filho. Uma mulher presa num matrimônio insatisfatório teme perder a segurança que ele lhe provê. Um soldado com sentimento de culpa é atormentado por pesadelos sobre as atrocidades que cometeu. Um jovem inseguro quanto a sua sexualidade segue uma política pessoal de ‘não pergunte, não conte’.

Para o humanismo, nenhuma dessas situações tem uma solução óbvia padrão, capaz de resolver tudo. Todavia, o humanismo demanda que demonstremos garra, que ouçamos as mensagens interiores mesmo que nos assustem, que identifiquemos nossa voz autêntica e que sigamos suas instruções independentemente das dificuldades.

O progresso tecnológico tem uma agenda muito diferente. Não quer ouvir nossa voz interior. Ele quer controlá-la.

Os humanistas, não raro, ficam alarmados com essa abordagem, mas é melhor não emitir um juízo muito rápido sobre ela. A recomendação humanista de ouvir a voz interior arruinou muitas vidas, ao passo que a dosagem certa da substância química certa melhorou significativamente o bem-estar e os relacionamentos de muitos.  

Para realmente ouvir a si mesmo, há quem tenha primeiro de abaixar o volume de gritos e diatribes interiores. Segundo a psiquiatria moderna, muitas ‘vozes interiores’ e ‘desejos autênticos’ não são mais do que o produto de desequilíbrios químicos e doenças neurológicas. Pessoas que sofrem de depressão clínica repetidamente largam carreiras promissoras e relacionamentos saudáveis porque alguma falha bioquímica as faz ver tudo através de lentes escuras. Em vez de dar ouvidos a essas vozes interiores destrutivas, poderia ser uma boa ideia fazê-las se calar. 

Silenciar os ruídos perturbadores dentro da sua cabeça parece ser uma ideia maravilhosa, contanto que isso lhe permita ouvir seu eu profundo e autêntico. Porém, se não existe um eu autêntico, como decidir quais vozes silenciar e quais amplificar? [...]"


      ·    Fonte: trecho da obra ‘Homo Deus – Uma breve história do amanhã, de Yuval Noah Harari, que li recentemente e recomendo! 

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