segunda-feira, 17 de agosto de 2020

AMOR SEGUNDO GIBRAN

Tom Simões, tomsimoes@hotmail.com, 17 de agosto de 2020  



(Clique no vídeo após a leitura do texto, ou vice-versa, para fortalecer os conceitos ora transmitidos)

 

OS ENSINAMENTOS da filósofa Lúcia Helena Galvão na Nova Acrópole são muito instrutivos e práticos. Não imagino alguém saindo de suas aulas sem agregar valor à vida. Há uma sabedoria hindu que diz que a força dos bons deve ser usada para benefício de todos.

O autoconhecimento nos traz o saber, e este, o poder de nos transformar em pessoas melhores e mais plenas internamente. Trata-se de um longo caminho a ser percorrido, e que exige a reinvenção de cada um de nós.

Mahatma Gandhi tinha uma enorme necessidade de preencher cada momento com algo importante. “O desperdício pior e mais violento é desperdiçar qualquer parte do seu dia”, dizia. Ele tinha a sabedoria de reconhecer que não podemos prever quanto tempo nos resta.

 

O MAIOR de todos os conhecimentos? Aquele que de fato nos prepara para a vida.

 

No vídeo sobre o qual vou comentar, Lúcia Helena aborda a essência do amor segundo Khalil Gibran, 1883-1931: ensaísta, prosador, poeta, conferencista e pintor de origem libanesa, também considerado um filósofo, embora ele mesmo rejeitasse esse título. Sua obra reflete a espiritualidade e os princípios que levam aos patamares mais altos da alma humana. Ele é conhecido por ter criado frases inspiradoras. Seu livro mais conhecido é “O Profeta”.  


Como é citado em https://www.revistaprosaversoearte.com/o-conhecimento-o-ensino-e-a-conversacao-em-o-profeta-de-khalil-gibran/, além de atrair pelo pensamento e pelo estilo, “O Profeta” seduz pela filosofia da vida contida nessa obra. Gibran não era um filósofo no sentido transcendental da palavra. Não trouxe uma nova doutrina, uma nova interpretação do universo.

Era um filósofo no sentido humano da palavra, um pensador, um guia. E trouxe o que talvez mais falte a este século … tão rico e tão pobre ao mesmo tempo: uma nova fé no homem, uma nova fé na vida.

O homem tem que elevar a capacidade de amar a si próprio para só depois criar vínculos profundos com os demais. Conta a filósofa Lúcia Helena que o amor é uma das palavras mais esvaziadas, mais vulgarizadas que existem. A ponto de ninguém mais acreditar na expressão “Eu te amo”. As pessoas vivem na superficialidade.

Então, a ideia aqui é refletir um pouco sobre alguns conceitos para tornar nossa vida mais válida e profunda. Algum professor da Nova Acrópole citou certa vez: “A mente tagarela tanto que entra debaixo do chuveiro e nem sente a água”.

“Tudo o que se vê é miragem... Procura a essência que não se vê”, lembra Khalil Gibran. Tudo o que é superficial a si mesmo, é superficial ao todo. O amor é aquilo que nos falta para nos sentirmos mais completos como humanos. Mas para essa conquista, algumas coisas têm de ser deixadas para trás. 

O amor é a conquista de territórios novos, a nossa capacidade de compreensão, generosidade, fraternidade e entrega para nos elevarmos a um novo patamar. O amor é ir percebendo já não sermos mais os mesmos, a partir de então. É como transformar o chumbo em ouro. O amor verdadeiro, ele lapida. Ajuda-nos a ficar mais fortes e tranquilos. Para escalar a montanha, muita coisa que está na mochila vai sendo deixada para trás. A gente precisa ficar mais leve para, ao chegar ao pico, poder voar. Às vezes é muito duro provar o que a gente é verdadeiramente. O amor  verdadeiro leva ao ponto mais alto que a consciência já atingiu.

O amor quer o que a gente é realmente. Sem máscaras, sem fantasmas, sem projeções, e sem exigir que a gente faça o que o outro quer. A partir de então, o amor ajuda a construir aquilo que a gente deseja ser. É quase um renascimento. Onde eu estou e onde pretendo chegar? O puro amor peneira, liberta as impurezas. E mói, até ficar branco...

“Ele vos amassa até vos tornardes moldáveis; e depois, entrega-vos ao seu fogo sagrado, para que vos torneis pão sagrado para a sagrada festa de Deus”, escreve Gibran. A única coisa que o amor exige é a unidade, distinta da separatividade.

Em “A ilusão da separatividade”, http://jardimdosmestres.com.br/a-ilusao-da-separatividade/, lembra o filósofo Jiddu Krishnamurti que, enquanto houver tal consciência da separação, do eu, da personalidade, não pode existir a realização da verdade; antes, porém, que possais transcender essa consciência, tendes que vos tornar plena e vitalmente autoconscientes. Tal significa que necessitais vos tornar conscientes de vós próprios como indivíduos, não como uma máquina, não como um mero dente da engrenagem desta rude civilização onde impera a competição.

O amor real vai tirar tudo o que é impuro da mente. Para reconstruir a si mesmo, o amor vai exigir flexibilidade, ou seja, uma nova forma de se relacionar com a vida.

A grande obra do homem é a construção do próprio homem. Quando o homem encontra a sua identidade dentro do todo, ele se encaixa como um quebra-cabeça na sagrada festa de Deus. O homem desabrocha como uma flor. Assim como as flores que desabrocham na primavera são sagradas.

 


Platão diz que o verdadeiro amor ou é eterno ou não é amor. Daí a gente diferenciar o amor genuíno, que é permanente, da ideia do prazer, que é temporário.

Como explica a filósofa Lúcia Helena, analisando a obra de Gibran, o amor crucifica. Porque a gente está acostumada a manter a relação no plano horizontal, à espera da contrapartida. Sempre. “Olha o que eu fiz para você. Você está me devendo”. Já o verdadeiro amor se expande no plano vertical, ele eleva e se basta, se completa a si mesmo. Ele poda toda a energia inferior para a subida aos Céus. O verdadeiro amor vai questionar nossa base, nossas raízes, a postura que temos diante da vida, para nos levar à condição do que é mais nobre.


 


O verdadeiro amor não precisa da certeza de estar sendo amado. Ele não precisa de contrapartida. Ele se realiza e se doa desinteressadamente. O amor não vai perguntar: para que isso me serve? Mas: como eu posso servir a isso? E então se coloca a serviço. Isso nos remete a Cícero: “Se amas e te tornas mais altruísta, mais nobre, mais bondoso, mais voltado para a dor da humanidade, realmente amas. Se te tornas mais egoísta, mais isolado, mais voltado a apenas seus interesses, não amas”.

“O sol nasce e se põe. Porque é um ser que encontrou seu lugar dentro da festa sagrada de Deus. Ele encontrou sua identidade”, enuncia a filósofa. A flor é exatamente o que se espera de uma flor?

E então escreve Gibran: “Todas estas coisas vos fará o amor até que conheçais os segredos do vosso coração e, com esse conhecimento, vos torneis um fragmento do coração da vida [...] Quando amardes, não deveis dizer: Deus está no meu coração, mas antes, eu estou no coração de Deus”.  

Quando nos identificamos com a nossa essência, acaba a ignorância, o egoísmo, a separação, a violência. Conhecendo a essência, a gente deseja passar isso para o mundo. Isso é algo muito profundo e filosófico.

O amor é entendido erroneamente como entretenimento e não como aperfeiçoamento, ou seja, aquilo que ele tem de mais nobre para dar.

É pelas nossas obras que se reconhece o puro amor. O amor não tem outro desejo se não o de preenchimento. Preencher aquela parte que falta para nos tornar sagrados, para desenvolver tudo aquilo que a natureza espera de nós.

  

"A NATUREZA não precisa de muita coisa. Ela faz tudo sozinha. Ela precisa da gente para construir seres humanos melhores, a começar de nós mesmos."

 

O amor ama esse mistério. Ele segue em direção ao bem maior que o ser humano deve buscar. A maior felicidade do homem é atingir o propósito para o qual foi criado: sacralizar-se. O ser humano tem duas opções: ou ele sacraliza ou ele banaliza sua vida.

Tudo o que é real, essencial, permanece. O que é ilusório vai embora. O maior de todos os conhecimentos? Aquele que de fato nos prepara para a vida. Lembra Sócrates, o filósofo.

 

As Cartas de Amor de Gibran Kahlil Gibran

para a sua grande benfeitora, Mary Haskell   

 

 

Em sua vida relativamente curta, porém prolífica existência (viveu apenas 48 anos), Gibran produziu uma obra literária acentuada e artisticamente marcada pelo misticismo oriental, que alcançou popularidade em todo o mundo. Sua obra, acentuadamente romântica e influenciada por fontes de aparente contraste como a Bíblia, Nietzsche e William Blake, trata de temas como o amor, a amizade, a morte e a natureza, entre outros.

Mary Haskell tinha mais idade que Gibran; nasceu em 1873, nos Estados Unidos. Aos 30 anos, mudou-se para Boston e passou a cuidar da escola que sua irmã havia fundado. Morreu em 9 de outubro de 1964, podendo testemunhar o sucesso mundial daquele que um dia chamara de “meu amado”.

Kahlil Gibran e Mary Haskell mantiveram intensa correspondência por cerca de vinte anos. Parte das cartas foi publicada pela Editora Alfred A. Knopf, em 1972. No Brasil, o livro foi publicado pela Editora Record com o título “O grande amor do profeta: as cartas de amor de Kahlil Gibran e Mary Haskell e o seu diário particular”. As cartas, que registram parte da vida pessoal de Gibran, foram encontradas no seu estúdio por sua biógrafa, Barbara Young, quando ela e Mary organizavam os papéis e livros do poeta após a sua morte. Mary descobre, então, que, como ela, Gibran também as havia preservado. Um homem revela sua alma quando ama; na correspondência com Mary Haskell, Barbara encontrou o mundo interior de Kahlil Gibran.  

Gibran conheceu Mary numa exposição de seus quadros em Boston, no ano de 1904. A partir daquele momento ela desempenhou importante papel em sua vida. Conseguiu uma bolsa de estudos artísticos para ele em Paris (1908-1910) e seria sua benfeitora por toda a vida.

O relacionamento era sabido por poucas pessoas na escola em Cambridge, onde Mary ensinava, e alguns poucos amigos em comum. Gibran não a citava em seus escritos. Além de ser amiga, paixão e inspiração, Mary desempenhou um outro papel muito importante para a obra de Gibran, revisando muitos de seus textos.

Gibran faleceu em Nova Iorque em 10 de abril de 1931 com causa mortis de cirrose e tuberculose.

 

Cartas de Amor do Profeta, entre Kahlil Gibran e Mary Haskell, também foram traduzidas e adaptadas livremente pelo escritor Paulo Coelho. O livro reúne parte das cartas trocadas entre eles. O conteúdo das cartas envolve desabafos, anseios, pensamentos sobre a vida e a morte. “Você, entretanto, foi capaz de arrancar o que havia de profundo em mim, sentimentos que raramente compartilhei com alguém”. As cartas trazem, principalmente, declarações de amor e afeto.

 

A VIDA é generosa, e o homem é mesquinho. Parece que existe um abismo entre a vida e o ser humano e, para atravessar esse abismo, é preciso ter coragem de tocar a própria alma, e mudá-la de direção. Será que vale a pena? É belo poder falar com os outros sobre Deus. Não podemos entender inteiramente a natureza de Deus porque não somos Ele, mas podemos ao menos preparar nossa consciência para crescer, usando Suas manifestações visíveis”.

 

Percebe-se em suas cartas que Gibran se sentia à vontade para escrever sobre o que pensava e sentia. Ele teve sorte de encontrar alguém com quem pudesse abrir a mente e o coração. E Mary teve muita sorte em ser esse coração aberto. Quem não gostaria de receber cartas tão cheias de beleza e verdade? Pois, ao longo de tantos anos, fica claro que não se tratam apenas de palavras. São palavras que refletem o que ele realmente sentia.

É bom ter esse alguém que pode nos ouvir, não importa o que tenhamos a falar. Alguém que possamos falar de angústias, esperanças, sonhos, medos. Mary era essa pessoa para Gibran.

“Só Deus e eu mesmo podemos saber o que se passa em meu coração. Hoje, depois de ler tudo que você tem me escrito, eu poderia acrescentar: só Deus, eu e Mary podemos saber o que se passa no meu coração”.

Gibran acrescenta: “O amor é aquilo que mais desejamos ter, e mais desejamos dar. E ninguém nota que ele está a toda hora sendo oferecido e recusado”.

Quando morreu, o escritor estava vivendo com Barbara Young — que mais tarde escreveria a biografia dele. A correspondência quase foi destruída dias depois da morte de Gibran. Barbara Young não queria que Mary levasse para sua casa as centenas de cartas, escritas em mais de 20 anos de relacionamento e guardadas numa grande caixa de papelão, no estúdio do escritor. Ela admitiu ter ficado surpresa com a profundidade do relacionamento, que lhe era praticamente desconhecido. Mary insistiu. Barbara terminou concordando, mas antes a fez jurar que iria queimar tudo após reler a correspondência. Mary não cumpriu a promessa; as mais de seiscentas cartas estão hoje na Universidade da Carolina do Sul, e podem ser consultadas por especialistas e estudiosos.


Khalil Gibran dedicou a maior parte de sua vida adulta à pintura, mas, como o destino é irônico, acabou sendo conhecido mundialmente por causa de seus livros.

Ele não era nem um revolucionário nem um sábio. Mas sim um homem como todos nós, trazendo em sua alma as mesmas dores e alegrias que todos trazemos.  Entretanto, através de seus livros, foi capaz de manifestar a grandeza de Deus. É possível que sabia que um dia toda a sua correspondência confidencial seria publicada — e quis mostrar-se por inteiro, sem mistificar o seu papel de escritor. Com isso, nos deu um bom exemplo.    

 

           ·         É possível ler algumas cartas no site de Paulo Coelho,

https://paulocoelhoblog.com/wp-content/uploads/2013/05/As-cartas-de-amor-de-Gibran.pdf


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