“EU só aprendi isso agora. Eu só percebi agora que
uma cortina amarela em casa é uma dimensão fundamental da felicidade. Uma coisa
tão ridícula, mas tão simples que a gente só senta ali. Recebe um amigo, faz um
jantar e só sente aquele momento e a gente pensa: ‘Não é necessário ganhar
prêmios, não é necessário ter televisão, seja o que for. [...] Não sou um homem rico. A maior
parte do dinheiro que tenho doo para pagar dívidas de pessoas amigas. Não tenho
coisas caras. Se o acaso me matar, já não importa muito porque minha vida já
valeu muito a pena.”
O
QUE constitui a felicidade é uma questão a ser debatida, escreveu Aristóteles,
filósofo grego, ‘e o que o povo pensa sobre ela não é o mesmo que os filósofos’.
Eu penso que as pessoas costumam confundir ‘prazer’ com ‘felicidade’. ‘Prazer’
é a sensação ou emoção agradável resultante da satisfação de uma vontade ou necessidade; uma alegria, contentamento ou diversão
temporários. Já o significado de ‘felicidade’ é mais amplo, tem a ver com o que
está além dos nossos sentidos, com a permanência de algo sublime. ‘Sublime’ diz
respeito ao que transcende o aspecto humano, ao que não é ordinário, comum;
‘sublime’ expressa a conexão com algo elevado.
“O prazer é uma experiência individual, centrada no eu, que
pode com facilidade deteriorar-se em egoísmo e entrar em conflito com o
bem-estar dos outros. Na intimidade sexual, é claro que pode haver prazer mútuo
no dar e receber sensações prazerosas, mas esse prazer só pode transcender o eu
e contribuir para a felicidade genuína se a natureza da mutualidade e do
altruísmo generoso estiver no seu âmago”, cita o artigo ‘Prazer e felicidade:
por que confundimos tanto os dois?’, http://www.budavirtual.com.br/felicidade-e-prazer-confusao/
É possível sentir o prazer à custa de outra pessoa, mas isso não traz felicidade.
O prazer também pode estar associado à crueldade, à violência, ao orgulho, à
ganância e a outras condições mentais que são incompatíveis com a verdadeira
felicidade.
Como explica Ermance
Dufaux, em sua obra ‘Reforma íntima sem martírio’, “...desorientada pelo
cansaço de não encontrar respostas lúcidas e satisfatórias para sua meta de
júbilo e harmonia, a maioria das criaturas rende-se às propostas humanas de
prazer como sendo a alternativa que mais fácil e rapidamente lhe permite obter
alguma gratificação, ainda que passageira”.
“A felicidade tem sua
origem nas palavras ‘fértil’ e ‘frutífero’. O que frutifica nos faz bem.
Plantas, árvores, ideias, filosofias, trabalho, propostas e assim por diante –
todos esses elementos podem deixar alguém feliz”, observa a monja budista Coen.
Em sânscrito (língua
ancestral do Nepal e da Índia), a palavra ‘sukha’ significa estar feliz
permanentemente. Para experimentar o estado ‘sukha’ é fundamental saber diferenciar
o ‘ser’ do ‘ter’, e iniciar o processo de transformação diária, como uma
bateria, que a gente recarrega diariamente. Como o corpo físico, os corpos
mental e emocional também precisam ser alimentados diariamente. Uma doença,
antes de ser física, é emocional e mental. Portanto, ‘sukha’, a felicidade
pura, é um estado de ser, o bem-estar duradouro, harmonia em nossa natureza
interior.
A felicidade pura
(também se diz genuína ou verdadeira) tem a ver com ‘solitude’, ou quietude, ou seja, o ato de estar quieto consigo
mesmo. Ao contrário de solidão, que tem o sentido de ‘vazio’ - a falta de algo
na vida. Quando a solidão está presente, começa-se a buscar externamente o que
deveria ser preenchido internamente. Já solitude é uma sensação de paz na alma.
Ela é fruto da autoconsciência e do amor incondicional. Quem descobre a
solitude não sente receio de estar sozinho, no prazer da própria companhia. E se
basta, na plenitude do seu ser. ‘Plenitude’ significa completo, o estado de
quem atingiu a medida máxima.
(1808-1889, romancista francês)
Portanto, o prazer, a
tal felicidade ilusória, depende de circunstâncias que, com muita frequência, estão
além do nosso controle. Ele é artificial, como a felicidade oferecida pela
mídia. Já a felicidade genuína é tida como ‘a paz imutável do sábio’.
Sâmia Aguiar Brandão Simurro é psicóloga e mestre em
Neurociências e Comportamento pelo Departamento de Psicologia da Universidade
de São Paulo (USP). Para ela, uma especialista no assunto, como a felicidade
tem sido percebida como uma ciência, existem caminhos reais para se chegar lá. Para
Sâmia, a felicidade tem a ver com as expectativas individuais e a
autorrealização. O problema é quando confundimos o prazer com a felicidade. “O
prazer traz a sensação imediata de bem-estar, mas não se sustenta; esta é a
primeira regra da busca pela verdadeira felicidade”, diz a psicóloga.
“Não é o que entra no homem através dos sentidos físicos que
o faz feliz. Não é a música, o perfume, o toque suave, o sabor agradável, a
paisagem deslumbrante. Nada disso o faz feliz. Ele pode sentir-se bem se
estiver receptivo a isso. Mas o que o faz verdadeiramente feliz independe do
exterior. O que o faz feliz é o que ele exterioriza, o que ele oferece ao
mundo, o que ele dá de si mesmo, o que acrescenta aos que convivem com ele, o
que ele faz do seu universo particular”, escreve Morel Felipe Wilkon, www.espiritoimortal.com.br
Eu costumo usar este exemplo: uma pessoa cujo sonho é
conhecer Paris, digamos. Ela sofre por não ter condições financeiras para
viajar. E se queixa com a vida. Então um dia consegue realizar o grande sonho.
Mas, passado o tempo, substitui aquele sofrimento por outro: conhecer a Itália.
E assim sucessivamente. Portanto, conhecer Paris foi um prazer temporário.
Assim que realizado, passou a ser substituído por outros.
Só cabe na definição de ‘felicidade genuína’ a satisfação sustentável,
ao contrário do ‘prazer’, que tem prazo de permanência, de validade. A pura
felicidade excede todo o conhecimento. Ela é verdadeiramente indefinível, como
a plenitude. Felicidade tem a ver com realização humana. E com comunhão consigo
mesmo e com os outros. Porque precisamos de comunhão para ser completos.
De acordo com a enciclopédia Wikipédia, a felicidade é um
estado durável de plenitude, satisfação e equilíbrio físico e psíquico, em que
o sofrimento e a inquietude estão ausentes. Abrange uma gama de emoções ou
sentimentos que vai desde o contentamento até a alegria intensa ou júbilo. A
felicidade tem ainda o significado de bem-estar espiritual ou paz interior.
Existem diferentes abordagens ao estudo do significado da palavra felicidade,
definidas pela filosofia, pela religião e pela psicologia. O homem sempre
buscou a felicidade. Filósofos e religiosos sempre se dedicaram a definir sua
natureza e que tipo de comportamento ou estilo de vida levaria o indivíduo à
felicidade plena.
John Lennon, 1940-1980: cantor,
compositor e ativista da paz britânico, integrante de ‘Os Beatles’.
Por experiência própria, eu acredito que a felicidade pura
está alicerçada na essência do ‘amor incondicional’. Como define o ‘Dicionário informal’, o amor
incondicional é tão divino que o humano tem dificuldade até de compreender a
expressão. “É o caminhar na vida levando compaixão, compreensão, perdão,
tolerância, desapego. É dar valor ao que realmente tem valor, é não ficar preso
a palavras, gestos, fatos, eventos, situações emocionais; é relevar as mágoas,
as injustiças, as decepções vividas no cotidiano. É compreender que tudo isso é
muito pequeno comparado à grandeza da alma, à grandeza da vida...” Em sua obra ‘O
Ponto Alfa’, escreve o escritor Anthony Strano: “Através da história, pode-se
ver que as pessoas genuinamente espirituais, que tiveram tal amor por Deus,
normalmente expressaram-no através do desejo de servir. Se alguém ama, ele
doa”.
O amor incondicional é uma relação altruísta, de reciprocidade
desinteressada, ao contrário de uma relação de posse. Ele contribui para nossa
satisfação profunda e permanente. Não é por ter deixado de apreciar viagens, que
eu, Tom Simões, imobilizo as pessoas de quem gosto, com quem convivo. Isto
seria egocêntrico. Então, incentivo minha esposa a viajar com amigas. E fico
muito feliz em vê-la feliz, é como se eu estivesse em plena viagem, encantado
com todas as novidades. Poucas pessoas podem compreender.
Amor apaixonado: desejo
obsessivo
“O desejo obsessivo que
costuma acompanhar o amor apaixonado deturpa a afeição, a ternura e a alegria
de apreciar e compartilhar a vida com alguém. Ele é o oposto do amor altruísta.
Surge de um egocentrismo doentio que acarinha a si mesmo no outro ou, ainda
pior, busca construir a própria felicidade às expensas do outro. Esse tipo de
desejo só quer se apropriar das pessoas, dos objetos e das situações que o
atraem para ter controle. Considera a atração como uma característica inerente
àquela pessoa, cujas qualidades ele amplia, enquanto subestima os defeitos”,
relata o monge Matthieu Ricard, no livro ‘Felicidade’.
O cérebro de Matthieu, Ph.D.
em Genética Molecular, foi estudado por cientistas da Universidade de
Wisconsin, EUA. O grupo de cientistas constatou que esse monge
apresentava um alto nível de ondas gama (de emoções positivas) - no córtex
pré-frontal esquerdo, local associado à felicidade e à alegria -, sem
precedentes na literatura científica. Matthieu é considerado o homem mais feliz
do mundo.
A paixão romântica é um tipo
de cegueira. Eis como o dicionário
define paixão: “Um amor poderoso, exclusivo e obsessivo. Afetividade violenta
que atrapalha o julgamento. Ela é alimentada pelo exagero e pela ilusão e
insiste em que as coisas sejam outras, diferentes de como realmente são. Como
uma miragem, o objeto idealizado é insaciável e fundamentalmente frustrante”.
Para Matthieu, na
ausência da liberdade interior, qualquer experiência sensorial intensa engendra
apegos e nos subjuga cada vez mais. Ser desapegado não significa que amamos
menos a pessoa, mas que não estamos centrados no amor por nós mesmos, nos escondendo
no amor que dizemos sentir pelo outro.
Amamos o outro por
aquilo que ele é e não através da lente distorcida do egocentrismo. Em vez de
ficarmos apegados ao outro, temos que ter em mente a felicidade dele; em vez de
esperar que ele nos traga alguma gratificação, podemos apenas receber o seu
amor com alegria, doando reciprocidade.
E depois podemos ir
ampliando e estendendo esse amor. É preciso ser capaz de amar todas as pessoas
incondicionalmente. “Amar um inimigo – isso é pedir demais?”, provoca o monge.
Ele mostra que esse empreendimento pode parecer impossível, mas baseia-se em
uma observação muito simples: a de que todos os seres, sem exceção, querem
evitar o sofrimento e conhecer a felicidade. O amor altruísta genuíno é o
desejo de que isso possa se realizar. Se o amor que oferecemos depende do modo
como somos tratados, nunca seremos capazes de amar nosso inimigo. No entanto, é
certamente possível ter a esperança de que ele pare de sofrer e seja feliz!
Como conciliar esse amor
incondicional e imparcial com o fato de que temos na nossa existência relações
preferenciais com certas pessoas? Matthieu toma o sol como exemplo. “Ele brilha
para todos, com o mesmo calor e a mesma claridade, em todas as direções. Mas há
seres que, por diversas razões, se encontram mais perto dele e que, por isso,
recebem mais calor. Mas em nenhum momento essa situação privilegiada é uma
exclusão. Apesar das limitações inerentes a qualquer metáfora, compreendemos
que é possível gerar em si mesmo uma bondade a partir da qual chegamos a olhar
para todos os seres como se fossem pais, mães, irmãos, irmãs ou filhos”.
O apego é nocivo na
medida em que, sem propósito algum, restringe o campo de ação do amor
altruísta. O amor altruísta é a mais elevada expressão da natureza humana,
quando essa natureza não é viciada, obscurecida e distorcida pelas manipulações
do ego. O amor altruísta abre uma porta interior que torna inoperante o
sentimento de importância de si mesmo e, portanto, também o medo desaparece.
Ele nos permite doar alegremente e receber com gratidão.
Com
o passar do tempo, os casais vão se tolerando cada vez menos. Surgem os
eventuais desentendimentos. Pode acontecer de uma das partes ser mais passível
de tolerância, mas isso não é regra geral, e os conflitos vão se acumulando,
culminado com as discussões. Porque um sempre se acha dono da razão (ou ambos).
Por isso, haver uma parte mais moderada, sensata, capaz de não revidar
eventuais ofensas, é essencial para evitar o conflito. Feliz daquele(a) que consegue
se manter em silêncio em circunstâncias estressantes. A discussão, a busca por
culpados, acentua o desentendimento, enquanto o silêncio de uma das partes pode
levar o outro à autorreflexão.
Quando
o indivíduo experimenta o amadurecimento pessoal e espiritual, consciente do que
é o amor incondicional, ele consegue lidar melhor com as possíveis discordâncias,
respeitando sempre o lado oposto. Evita inclusive discutir com o(a) outro(a), ainda
que a razão lhe favoreça, por reconhecer o quanto é desagradável o
desentendimento conjugal, com ambos se sentindo contrariados. Isso inclusive
para evitar o que vem depois: o período da revolta, da expressão emburrada, logo
seguido pelo arrependimento e constrangimento.
Quem
tem o hábito de elogiar o(a) outro(a)? ‘Sua comida hoje está especial’. ‘Você
fica muito bem com essa roupa’! ‘Ei, está triste hoje; posso ajudar’? E por aí
vai... E o hábito de fazer surpresas? Preparar o prato predileto. Fazer algo
inusitado para ele, para ela, algo simples, como lavar a louça, por exemplo; precisa
ser algo que a pessoa não esteja habituada. Trata-se de uma iniciativa capaz de
sacudir a rotina, de surpreender. E elogiar, sempre. Nada forçado, é claro! Há que
se tornar uma prática regular e natural.
Independente
dos cuidados que se tenha, e mesmo que o outro não corresponda, não importa.
Importa o prazer de se doar, natural e desinteressadamente. Porque, sabe,
quando o indivíduo desperta a consciência nesse sentido, tudo muda
naturalmente. A todo instante tomamos decisões e vivemos sem ter essa
consciência mais ampla. Ela desperta apenas quando questionamos o sentido da
vida.
Consta em https://guiadaalma.com.br/despertar-da-consciencia/ que o despertar da
consciência é um processo que permite entender o que está além do plano da
existência material. “É ter a percepção que esse além não se encontra
em algum lugar no céu, mas dentro de cada pessoa e só pode ser acessado por um
processo interno. Cada cura feita no corpo físico e emocional nos aproxima de
acessar os conhecimentos e percepções mais elevados, com a possibilidade de mudar
verdadeiramente a vida e a percepção que se tem dela. Experimentando práticas holísticas, é possível
sentir energia e mudanças rápidas e naturais na vida”.
Vem-me à lembrança a frase de uma amiga no Facebook, Fátima Nunes: “O maior valor
da vida não está no que você tem, mas no que tem dentro de você”. E um
pensamento hindu: “Faz de teus atos a tua oração”. O altruísmo pode ter mesmo efeitos benéficos na
felicidade do homem.
Um estudo da Universidade de
Harvard, nos EUA, reforça a ideia de que doar algo aos outros nos faz mais
felizes do que receber.
No primeiro semestre de 2017, estive internado num
hospital, pela primeira vez na vida, durante 50 dias, por conta de uma
pneumonia. Eu tenho certa facilidade de ouvir as pessoas, uma inclinação natural.
Interesso-me por suas histórias, quando sinto que posso compreendê-las e ajudá-las,
de alguma maneira. Cada vez mais,
pessoas se ‘confessam’ comigo, vejam só! No hospital, uma das enfermeiras quis
desabafar o relacionamento com o marido, revelando não entender sua
infelicidade; ela gostaria de mudá-lo. Eu provoquei-a... “Por que não muda você
seu próprio comportamento?” “Como assim, retrucou?”
“Não se queixe. Não se torture”, eu lhe dizia. “Permaneça
em silêncio o tempo que puder. Não cobre nada dele. O seu silêncio poderá
levá-lo a refletir, a se repensar. Discreta e gradualmente vá proporcionando-lhe
algumas surpresas. Que bolo ele gosta mais? E o prato preferido? Passe a
elogiar algo nele, mas bem naturalmente. Vá com calma”, eu sugeria à tão gentil
enfermeira. Nessa situação, é fundamental que a pessoa interessada também esteja
disposta a uma mudança. E, fundamentalmente, queira zelar pelo bem do outro e
não esteja focada simplesmente no próprio interesse (claro que a recíproca é
verdadeira).
É difícil acreditar, imaginem! Mas após um curto espaço
de tempo a enfermeira chegou certa manhã em meu quarto toda feliz, dizendo
estar observando reações positivas do marido, a partir das nossas reflexões.
Ao despertar a
consciência, não há possibilidade de retrocesso. Mas uma evolução produtiva. Consequentemente,
a gente adquire certa responsabilidade por essa conquista divina: zelar pelos
outros. Quando a pessoa desperta ao chamado ‘consciência transcendental’, ela
desperta tanto na existência física quanto na dimensão espiritual. A
espiritualidade se manifesta por meio de atitudes. Só assim cria-se um ciclo
virtuoso de influência entre o físico e o espiritual. Querer bem, não fazer
intrigas, evitar comentários não construtivos, sorrir ao cruzar com alguém, ser
gentil e prestativo com quem não faz parte do nosso cotidiano, praticar
regularmente a solidariedade, compreender e não revidar eventuais ofensas, são
formas de cultivar o lado espiritual da existência capaz de proporcionar a paz
interior. Daí é só se surpreender com as janelas que se abrem a novas
oportunidades na vida.
Albert Schweitzer, 1875-1965:
teólogo, organista, filósofo e médico alemão
Para Schweitzer, até que ele estenda seu círculo de compaixão a todas as
coisas vivas, o homem não encontrará a paz, ou seja, a felicidade pura, plena.
É
difícil definir, rigorosamente, a felicidade e sua medida. Investigadores em
psicologia desenvolveram diferentes métodos e instrumentos que levam em conta
fatores físicos, psicológicos e espirituais, tais como envolvimento religioso
ou político, estado civil, paternidade, idade, renda, estado de saúde etc. Não
importa qual seja nossa condição, ricos ou pobres, de que raça e gênero,
religião ou outra característica, todos desejamos ser felizes.
Segundo o pensamento ético aristotélico, para chegar à
felicidade pura, o homem é favorecido por possuir a razão, que o diferencia dos
demais seres da Natureza. A felicidade é uma forma de contemplação, estando
associada à reflexão. Por esse caminho, a felicidade também se associa à ideia
da sabedoria. E se caracteriza por uma busca e um esforço de melhoria
permanente que dê sustentabilidade a esse estado. Ter sido feliz ontem não
significa ser feliz hoje.
A felicidade verdadeira é um sentimento raro que origina mais prazer do que qualquer outro. A pessoa feliz se sente permanentemente confortável consigo e com o mundo ao redor. Na Grécia antiga, considerava-se a felicidade, sob o ponto de vista da lógica, como o objetivo final da existência humana.
Na
língua falada pelos antigos gregos, muitas palavras eram utilizadas para
definir as experiências humanas associadas à felicidade. A maioria estava
associada à ideia de sorte e prosperidade. Contudo, na mitologia clássica, a palavra
principal para a vivência da felicidade no grego antigo é ‘eudaimonia’.
A palavra ‘eudaimonia’
é formada a partir dos vocábulos ‘eu’ (o bem ou aquilo que é bom) e ‘daemon’
(um deus, ou gênio, intermediário entre os homens e as divindades superiores).
Um daemon existe dentro de uma pessoa desde o seu nascimento. Para Aristóteles, a eudaimonia significa atingir o
potencial pleno de realização de cada ser humano, ou seja, as melhores
condições possíveis em todos os sentidos e não apenas a felicidade, mas também
a virtude (qualidade do que é correto e desejável), a moralidade e uma vida
significativa.
Na
etimologia, ‘eudaimonia’ está associada a um poder divino. Segundo o pensamento
grego, pode-se entender também que a felicidade é um dom. Um homem feliz seria
aquele favorecido por um bom ‘daemon’, o mesmo que ter sorte. Logo, a
eudaimonia requeria a boa sorte. Sorte que, entendo eu, é apenas a resultante
de forças favoráveis que colocamos em movimento no dia a dia.
Tal visão se reporta a uma autossuficiência do humano. Ou
seja, que cada homem para ser feliz depende de si próprio, independentemente do
lugar e da situação (excetuam-se aqui situações extremas de privação da
liberdade e das várias formas de escravidão). A possibilidade de atingir a felicidade está no poder
de cada indivíduo - em sua consciência desperta para a inter-relação entre as várias
dimensões do humano e a realização de ações construtivas em cada uma delas.
Hoje, quando tentamos articular o propósito de nossas vidas, costumamos
recorrer à palavra felicidade. Dizemos a nós mesmos e aos outros que a
principal razão de ser de nossos trabalhos e relacionamentos e da conduta de
nossas vidas diárias é a busca da felicidade. Nesse particular, eu associo a
felicidade genuína à permanente paz interior.
Como dita a sabedoria indiana, a primeira prova da
presença de Deus é a paz indescritível, que se desenvolve até se converter em
alegria humanamente inconcebível. Uma vez que toque a ‘fonte’ da verdade e da
vida, toda a Natureza lhe responderá. Encontrando Deus no seu íntimo, você O
encontrará no exterior, em todas as pessoas e em todas as circunstâncias.
Em www.pathwork.com.br lê-se:
“Vamos supor que um determinado desejo seja concedido a você. Se o
bem recebido tiver seu objetivo máximo em você mesmo, ele não poderá continuar
vivo em você, e então sua felicidade irá durar pouco. Só aquele que mantiver um
ciclo fluindo ativamente, permanecendo consciente e inspirado pelo desejo de
colocar em uso espiritual tudo o que recebeu em ajuda e graça, em felicidade e
realização, em intervenção divina e orientação e que, além disso, agir e sentir
assim, será capaz de sustentar e manter viva sua própria felicidade”.
Pois todos os pensamentos
e sentimentos têm uma forma e uma substância em espírito, causando assim
efeitos externos e reações em cadeia, embora a pessoa não consiga percebê-los
imediatamente dessa forma. Uma visão desse tipo requer a consciência espiritual,
que brota através do desenvolvimento superior. Cada um vê, se purifica e se
desenvolve segundo as possibilidades de seu nível, de suas forças.
Citando
Alódio Tovar, em sua obra ‘Introdução ao Pensamento Mágico’, a criação de
uma riqueza interior própria é o único fator capaz de dar significação à vida.
Ninguém pode alcançar a felicidade sem antes obter o domínio sobre os instintos
vagos e a consciência egoísta. Só a verdadeira iniciação espiritualista pode
encaminhar os seres ao império da razão, único sítio cognitivo onde a
insatisfação interior cessa e se tornam claros os caminhos elevados a trilhar.
Perdão por eventuais incorreções de escrita; por se
tratar de uma figura copiada não é possível corrigir
Esforce-se para ficar só e completamente preenchido(a). A gente
só encontra a felicidade genuína dentro de si mesmo, ninguém pode tirá-la dali.
Obtém-se tudo do que se precisa. Não é preciso sonhar. Esse reconhecimento
confere uma força serena que não é ameaçada nem pelas circunstâncias exteriores
nem pelos medos internos, como trata a filosofia budista. Trata-se de uma
liberdade que transcende a fascinação e a ansiedade.
Eu manifesto uma bondade serena. Quando a mente crítica
tenta provocar-me recorro à meditação e à compaixão. Isso me salva! O que sinto
profundamente é mais forte do que qualquer argumento. Como escreve o poeta Carlos
Drummond de Andrade, “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de
felicidade”.
Alguém que muito admiro, o filósofo Mário Sergio Cortella,
recita sabiamente: “Eu preciso transbordar, ir além da minha borda, preciso me
comunicar, preciso me juntar, preciso me repartir. Nesta hora, minha vida que,
sem dúvida, ela é curta, eu desejo que ela não seja pequena”.
Como
consta em https://www.redepsi.com.br/2010/08/23/eudaimonia/, os
atuais estudos sobre a psicologia da felicidade têm demonstrado que parte da
nossa condição de felizes é inata, uma predisposição genética que nos confere
maior ou menor propensão para experienciar emoções positivas, ou seja, um dom. A
outra parte dessa condição diz respeito aos eventos de vida que influenciam
nossa inserção no mundo, sobretudo a busca permanente do conhecimento útil, o que
nos torna melhores, lembrando o filósofo Sócrates. Há algo que menciona:
“Poderá Deus edificar o santuário da felicidade em nós, se não puder contar com
os alicerces da boa vontade em nosso coração”?
Portanto,
tanto a parcela inata quanto a construída da felicidade podem ser, igualmente,
transformadas através das escolhas conscientes que fazemos. Hoje sabemos que o
cérebro aprende continuamente, se reestrutura e redefine nossa percepção do
mundo e de nós mesmos. Esse processo ininterrupto de adaptação é o que nos
permite (re)elaborar nossas metas e (re)significar nossas escolhas buscando com
isso a realização das nossas potencialidades. O que está de acordo com o
pensamento aristotélico. Para o filósofo, as atitudes
amigáveis e a boa vontade que oferecemos a uma pessoa não tem por objetivo
agradar o outro, mas sim promover nossa própria eudaimonia.
A
moderna psicologia da felicidade – com seus estudos alicerçados na neurociência
e na investigação social do desenvolvimento humano individual e coletivo – tem
chegado às mesmas conclusões propostas pelo filósofo grego. Para viver uma vida
plenamente realizada, com eudaimonia, é preciso priorizar o equilíbrio
emocional e cultivar hábitos e pensamentos que nos permitam fazer escolhas com
discernimento.
“Para uma sociedade ser realmente harmoniosa, ela precisa estar
enraizada num princípio mais primordial, alguma coisa que não possa ser
comprada nem vendida”, escreve Sakyong
Mipham em sua obra ‘Governe seu mundo’.
O antigo ditado ‘Dinheiro não traz felicidade’
parece comprovar-se. “Vemos que jogar muita atenção na aparência ou nas coisas
materiais, como um carro novo, traz bem menos satisfação do que um trabalho
voluntário, quando nos sentimos relevantes e parte de algo maior”, ensina Nancy
Etcoff, responsável pelo curso de ciência da felicidade de Harvard. O trabalho
voluntário, segundo Etcoff, aciona um sistema de recompensa no cérebro. Ela
percebe, em suas pesquisas, que mulheres muito ligadas à aparência física
tendem a ser menos felizes. “Muitas vezes, as pessoas procuram a satisfação no
lugar errado. Percebemos isso pelo sistema de recompensa cerebral”, diz a
professora, citada por Gilberto Dimenstein no artigo ‘Laboratório de
Felicidade’, publicado na Folha de
S.Paulo.
Na obra Curso Adiantado de Filosofia Yogue, Ramacháraca menciona: “Não
devemos permitir que nossos corações sejam ligados aos prazeres e ao bem-estar
da vida em tão alto grau que isso nos induza a cessar de adiantar-nos e
desenvolver nossa natureza superior. O Ocultismo prega ‘vida simples’. Ele
ensina que, quando alguém tem em demasia muitas coisas, acontece facilmente de
essas coisas virarem uma possessão; o homem torna-se assim seu escravo, em vez
de ‘seu senhor’. O bem-estar e o luxo são apenas incidentes do plano físico e
não atingem o Eu Real. É bom lembrar que a verdadeira felicidade vem de dentro.
E quanto mais um homem se adianta espiritualmente, mais simples se torna o seu
gosto”.
Citando novamente o
monge Matthieu Ricard, o caminho para a felicidade não passa apenas pelo
bem-estar individual, mas também pela compaixão por todos os seres vivos. A
felicidade resulta de uma sabedoria fluida, atenta ao momento, que ajuda a
pessoa a tomar as melhores decisões para o seu bem e o bem de todos à sua
volta.
Quando estamos
verdadeiramente felizes, queremos eliminar os sentimentos de ódio (e inveja,
ciúme) que possam surgir em nós e proporcionar o bem-estar mesmo àqueles dos
quais não gostamos, por entender que, afinal, todos os seres sencientes buscam
sofrer menos e ser mais felizes. Essa atitude é a mais sólida contribuição que
podemos dar para a transformação do mundo.
Já em outra obra,
“Felicidade – A Prática do Bem-estar”, Matthieu Ricard avalia que a felicidade não
pode se limitar a algumas sensações agradáveis, a um intenso prazer, a uma
erupção de alegria ou a um efêmero sentimento de serenidade, a um dia animado
ou a um momento mágico que passa por nós no labirinto da nossa existência.
Essas diversas facetas não são suficientes para construir uma imagem precisa da
realização profunda e duradoura que caracteriza a verdadeira felicidade. A felicidade é a profunda sensação de
florescer que surge em uma mente excepcionalmente sadia. Isso não é
meramente um sentimento agradável, uma emoção passageira ou uma disposição de
ânimo: é um excelente estado de ser. A felicidade é também uma maneira de
interpretar o mundo, pois se às vezes pode ser difícil transformá-lo, sempre é
possível mudar a maneira de vê-lo.
Considero importante
reunir autores a respeito de um mesmo tema, tornando a abordagem bem mais
abrangente. Em cada citação, sempre haverá algo a agregar na ideia concebida.
Vejamos o que escreve Lurdes Pinheiro, em sua obra “Felicidade Original’: “A felicidade
original é certamente o
tesouro mais procurado pela humanidade em geral, porque ela é constituída pela
harmonia consequente entre as outras virtudes e valores no seu máximo
potencial. O motivo pelo qual não estamos sempre felizes, é que existem registros
negativos de personalidade no subconsciente, criados pela repetição de
pensamentos fracos que nos escravizam, e nos impelem à criação de ciclos
mentais negativos, mesmo contra o nosso desejo consciente”.
Comprovou-se que
experiências de prazer contemplativo podem impactar positivamente o nosso
cotidiano e gerar muitos benefícios. Quem acredita que a sua própria vida
possui um significado (qualquer que seja) é também mais feliz, mais otimista,
mais bem integrado à sociedade e mais capaz de enfrentar o inevitável estresse
diário, dizem pesquisadores que estudam a psicologia do sentido da vida.
Além disso, uma existência rica de significado protege a
saúde. Pessoas de todas as idades que buscam esse significado apresentam risco
de mortalidade menor e menos chances de enfartar, sofrer derrame e desenvolver
doenças crônicas ou degenerativas.
A chamada ‘psicologia positiva’ trata de individualizar o
que faz as pessoas ‘felizes’, e a maioria dos estudos dessa linha indica
que dinheiro não é mesmo o fator principal.
Tatjana
Schnell, psicóloga da Universidade de Innsbruck (Áustria), é uma das
estudiosas que está tentando enfrentar a questão do sentido da vida por um
prisma científico. Segundo ela, uma das principais fontes que dão sentido à
vida das pessoas (entrevistadas em suas pesquisas) é o que ela chama de ‘generatividade’
- quando alguém realiza alguma coisa de útil para a posteridade ou para o Todo.
A generatividade foi
descrita por Erik Erikson, psicanalista alemão, como a preocupação com o
desenvolvimento da comunidade humana e o bem-estar das próximas gerações. Significa
ainda conquista, busca por realização, por ser produtivo.
Para Jean Vanier, autor
de ‘Aristóteles – para quem busca a felicidade’, a essência da felicidade
perfeita, a felicidade contemplativa, é o propósito da natureza humana. Não há
nada mais divino, tampouco mais nobre e, ao mesmo tempo, não existe nada mais
caracteristicamente humano. Essa é a parte dominante do homem e a melhor dentre
as que o compõem: a contemplação.
Mas apesar de séculos de
esforços voltados para a elevação do nosso bem-estar material, parece que não
estamos alcançando a felicidade, a segurança e a paz de espírito que trazem
satisfação duradoura à vida humana. Como cita Tarthang Tulku, em sua obra ‘Conhecimento
da liberdade – Tempo de mudança’, hoje a vida parece mais pressionada e, em
muitos aspectos, mais difícil do que no passado. Vendo mudanças ocorrerem com
tamanha velocidade, podemos nos perguntar como é que as gerações do futuro vão
se sair: ‘No que este nosso mundo vai dar’?
Quaisquer que sejam nossas
propensões ou crenças, não podemos escapar de uma consciência cada vez mais
aguda da nossa insatisfação. Quando olhamos em volta, vemos poucos sinais de
verdadeira felicidade. Nosso modo de vida não está realmente nos trazendo a
satisfação que promete.
O
autoconhecimento nos traz o saber, e este, o poder de nos transformar em
pessoas melhores e mais plenas internamente. Trata-se de um longo caminho a ser
percorrido e que exige reinvenção pessoal. A gente tem de estar sempre se
testando e se reinventando. Aperfeiçoando-se!
Rumi,
poeta e téologo persa, proclama sabiamente: “Novos órgãos da percepção passam a
existir em consequência da necessidade. Portanto, ó homem, aumenta tuas
necessidades e poderás expandir tua percepção”. Todo o restante virá
naturalmente quando a consciência se expandir.
O que pode fazer o homem verdadeiramente feliz?, indaga o amigo e mentor Roberto da Graça Lopes: “O bem que ele é capaz de oferecer ao mundo? Aquilo que tem aptidão para doar de si mesmo e que acrescenta aos que com ele convivem? Bem, tudo é relativo. Depende de conceitos de vida particulares, incluindo o de felicidade, conceitos que são a sustentação da vida de relação (com o outro e com o mundo), assim como os ossos sustentam nosso corpo físico. Apenas a partir do universo particular - porque felicidade genuína tem a ver com a robustez interior de cada um - pode sim o humano construir felicidade”.
Agora
vou ao encontro de algo que me identifico muito no pensamento de Valter Hugo
Mãe, escrito português: “O morrer deixou
de ser importante porque, de algum modo, as coisas ficaram muito completas.
Então, perdurar mais tempo, perdurar menos tempo já não vai retirar de mim esta
sensação de plenitude que é sobretudo um modo mental de existir. Não é o ter
muita coisa. Não sou um homem rico. A maior parte do dinheiro que tenho doo
para pagar dívidas de pessoas amigas. Não tenho coisas caras. Se o acaso me matar, já não importa muito
porque minha vida já valeu muito a pena.
“Eu só aprendi isso agora. Eu só percebi agora que
uma cortina amarela em casa é uma dimensão fundamental da felicidade. Uma coisa
tão ridícula, mas tão simples que a gente só senta ali. Recebe um amigo, faz um
jantar e só sente aquele momento e a gente pensa: ‘Não é necessário ganhar
prêmios, não é necessário ter televisão, seja o que for. Felicidade esteve o
tempo todo aqui, tem uma cor (risos) e tem uma gente, não é’? Mas acho
que fui estabelecendo essas metas porque achava que precisava concretizar
alguma coisa. Precisava criar algum tipo de relação de conquista”.
E
então arremato com a sabedoria do escritor Érico Veríssimo: “Felicidade é saber que não se viveu uma vida
em vão”.
Caro
leitor, aplique-se para transformar-se, faça com que sua vida valha a pena, dia
a dia, momento a momento. Colha felicidade!
***
·
Agradecimento a Roberto
da Graça Lopes, pelas valiosas sugestões
“UMA boa vida depende exclusivamente do modo como o indivíduo usa sua inteligência para alcançar o melhor. Sócrates pensa – e mostra com sua vida – que a felicidade é associada à virtude como uma espécie de caminho natural quando as atitudes são orientadas pela reflexão filosófica. Virtude é a disposição de um indivíduo de praticar o bem; e não é apenas uma característica, trata-se de uma verdadeira inclinação, virtudes são todos os hábitos constantes que levam o homem para o caminho do bem.
ResponderExcluirCom nosso raciocínio concorda também a ideia segundo a qual O HOMEM FELIZ VIVE BEM E AGE BEM. Portanto, a felicidade é um certo modo de agir bem.
Para diversos filósofos da Antiguidade, a noção de felicidade é indissociável da noção de virtude. É o exercício da virtude que torna alguém apto a discernir o que é melhor em cada ação, ainda que isso não esteja associado a um bem-estar ou à posse de bens e prazeres.
A felicidade não se mede pela realização de determinados projetos de realização pessoal e sim pela capacidade de agir de modo sábio e prudente. Sendo a felicidade o fim último da vida, a virtude é aquilo que a realiza, configurando-a como um todo”.
• Referência: “Pensadores”, Casa do Saber