O que
realmente quero da minha vida? Quais são as minhas prioridades? Não é triste
ignorar essa questão? Minha sede de aprendizado revela o quanto ainda há por eu
descobrir.
Tom Simões (*), jornalista, tomsimoes@hotmail.com, setembro
2019
Daniel Kahneman, professor
emérito de psicologia da Universidade de Princeton, laureado com o Prêmio
Nobel, diz que as pessoas têm respostas prontas para muitas questões sobre si
mesmas, sabem o seu nome, o seu endereço e a sua filiação partidária. Mas, geralmente,
não sabem se são felizes. Portanto, devem construir uma resposta para essa
indagação, sempre que ela for feita. Para Kahneman, o bem-estar subjetivo sofre
menos influência de memórias distorcidas e outros artificialismos.
Na visão de Martin Seligman,
psicólogo estadunidense, professor da Universidade da Pensilvânia, o
individualismo exacerbado ajuda a explicar o enorme crescimento dos índices de
depressão nas sociedades ocidentais, em parte como resultado do ‘nada faz
sentido’, que acontece quando ‘não há uma ligação com algo maior do que nós
mesmos’. O budismo acrescentaria que, com certeza, isso também decorre de
dedicarmos a maior parte do nosso tempo a atividades e metas exteriores que
nunca têm fim, em vez de aprendermos a desfrutar o momento presente, a
companhia daqueles que amamos, a serenidade dos ambientes naturais e, acima de
tudo, o florescimento da paz interior que dá a cada segundo da vida uma
qualidade nova e diferente.
Somos resistentes a toda forma de
mudança interior que acarrete esforço. Treinar a mente demanda tempo e esforço.
O psicanalista Carl Gustav Jung descreve o papel do ‘intermediário gnóstico’
como alguém que mergulha nas profundezas espirituais e emerge para trazer a
visão daquela possibilidade interior para o resto de nós.
O que constitui a felicidade é
uma questão a ser debatida, escreveu Aristóteles, filósofo grego, e o que o povo pensa sobre
ela não é o mesmo que os filósofos.
Saberemos se estamos verdadeiramente felizes
quando estivermos sós, sem nada a nos agarrar, sem nenhum objeto de suporte que
ative sensações agradáveis, diz um monge budista, simplesmente estando consigo,
inspirando e expirando, desfrutando da presença natural de nosso ser além de
qualquer artifício do ego. Essa é uma experiência da meditação.
Nós
vivemos num mundo ilusório; e tudo o que é ilusório é passageiro. Quem não
busca a verdadeira natureza das coisas, a essência do viver? A vida está
acontecendo. O que a gente está perdendo? A gente está aqui para conseguir
algo; isso é uma barreira. O sentido da vida está no futuro. Iluminação não é
busca; é uma realização. Trata-se da própria natureza da vida. Trata-se de algo
que antes deve ser sentido do que compreendido intelectualmente. A descrição é
para os poucos que podem compreender; os outros não se sentirão atraídos por
ela. É ter a sensação de paz na alma; um estado de radiância, uma alegria
serena que nasce de um estado profundo de bem-estar e benevolência, um estado
de ser permanente de lucidez e liberdade interior.
‘A
liberdade interior é um espaço vasto, claro e sereno, que dissolve todo
tormento e nutre toda paz’, lembra o monge budista francês Matthieu Ricard, em
sua obra ‘Felicidade – A Prática do
Bem-estar’; presente do meu filho no ‘Dia dos Pais’ (Matthieu é considerado o
homem mais feliz do Mundo; mas ele se sente desconfortável com o título; nascido
em 1946, vive na região dos Himalaias há 40 anos). A liberdade interior é quando
a gente vai se reconciliando com a própria história. Eu acredito nas minhas
intuições. É quando eu resgato o mais sábio Mestre que vive em mim e se realiza
em mim, o Santo Cristo Pessoal, e eu me saro ao assumir a minha divindade e me
preencho de amor incondicional. É quando eu me realizo, ao perceber o que é plenitude
e solitude: um estado de graça, um momento mágico, em várias circunstâncias. Se
a felicidade é um modo de ser, como lembra Matthieu, um estado de consciência e
de liberdade interior, não há nada que possa me impedir de atingir um estado de
bem-aventurança contínua.
A propósito, ‘felicidade verdadeira’ tem a ver com ‘solitude’
e não com ‘prazer’ em acumular satisfações circunstanciais. Solitude não é
‘solidão’. Significa sentir-se preenchido do que é essencial à natureza humana.
É um estado mental saudável que nos possibilita recursos para lidar com os
altos e baixos da vida. Ao experimentar a genuína felicidade, há o desejo
de compartilhá-la com os outros.
Aristóteles traz a ideia que a felicidade é o fim a que visa a natureza
humana. Para ele, a felicidade é uma atividade, pois não está acessível àqueles
que passam sua vida adormecidos. Ela não é uma disposição. À felicidade nada
falta, ela é completamente autossuficiente. É uma atividade que não visa a mais
nada a não ser a si mesma. O homem
feliz, basta a si mesmo.
“Ando
obcecado por silêncio. Um silêncio que me permita ouvir o ruído do vento. E o
bater do coração. E, se possível, isso que chamamos de Deus, existindo
devagarinho em cada coisa. Existe sim”, observa o escritor Caio Fernando Abreu.
Eu também aprecio a quietude para ouvir a voz da minha divindade interior. Ao
buscar o silêncio, não rejeitamos nada, mas simplificamos tudo. Nesse estado de
calma e introspecção, é possível sentir a revelação de algo transcendente. A ‘epifania’
tem a ver com isso: um pensamento iluminado, uma inspiração ou uma percepção
intuitiva, algo que me surpreende. Durante a epifania, ocorre uma mudança na
nossa percepção sobre a realidade, como nos relacionamos com o Mundo e o nosso
nível de satisfação.
Nosso
sentimento de comunhão com os outros reflete a interdependência essencial de
todos os seres. Todos os fenômenos, bem como o ‘eu’ e o outro, estão
profundamente interconectados no nível da sua natureza mais fundamental e
profunda. Portanto, devemos nos colocar no lugar do outro, sempre. Daí a
importância de desenvolver nossas qualidades interiores.
Temos
responsabilidade com o Universo. Quando ajudamos o outro, temos o sentimento de
que estamos em harmonia com a nossa verdadeira natureza. Nesse contexto, a
epifania também é uma aparição, pois a gente consegue enxergar algo que
possivelmente sempre esteve tão perto e não víamos por imaturidade. O Universo
é um lugar mágico e misterioso. É impossível a mente desvendar os seus
segredos. A sincronicidade, ou ‘coincidência’, é um deles. Alguns pensamentos
surgem do nada, o que leva a pensar que nada nessa vida é por acaso. O que a
vida está me dizendo com isso? Talvez atrás de tudo isso haja um ensinamento
que precisa ser captado. Com o tempo, a gente se acostuma com alguns aspectos divinos,
misteriosos, da realidade. Habituando-se à consciência elevada, a gente vai se
aproximando de algumas verdades luminosas. Como prega a Bíblia cristã: “O manso possui
a paz, porque, firme em Deus, nunca se perturba”. Também alguém escreveu: “Bela é a pessoa que enxerga a vida com os olhos
do coração; bela é a pessoa que tem a essência do Divino em sua alma; bela é a
pessoa que traz consigo a Luz verdadeira”.
O sentido
da vida é, portanto, a minha realização e, consequentemente, a minha capacidade
de promover o Bem. O meu fracasso é, portanto, uma injustiça com os outros e
comigo mesmo, bem como ao bem-comum da sociedade, que se torna menos bela. É
por isso tudo que hoje eu me sinto responsável pelo Mundo, também, como uma
espécie de ‘guia das minhas circunstâncias’. Isso me lembra José Ortega y Gasset,
filósofo espanhol: “A união do ‘eu’ e da circunstância é indissociável; é
impossível compreender um sem o outro”. Daí sua célebre frase: “Eu sou eu e a
minha circunstância; se eu não a salvar, não hei de me salvar”, fazendo
referência à força dessa união, a que existe entre quem somos e o que nos
rodeia.
Temos uma
plenitude dentro de nós que alimenta a paz interior e a serenidade, a cada
instante; os eremitas sabem disso, eles sentem-se em harmonia como o seu universo
interno. O eremita é um indivíduo que, usualmente,
por penitência, religiosidade ou simples amor à natureza, vive em lugar
deserto, isolado. Para ele, o silêncio é uma espécie de alimento, também.
Há algo
que diz: quando você está pronto, os mestres aparecem. Como lembra o monge
Matthiew, é sempre possível encontrar pessoas ao mesmo tempo sábias e
compassivas, o que é decisivo, porque o poder do exemplo diz mais do que
qualquer discurso. “Essas pessoas mostram o que podemos realizar e provam que é
possível tornar-se livre e feliz, de maneira duradoura, desde que se dê atenção
a isso”, diz ele. Quem desperta para o sentido transcendental da existência
humana experiencia essa verdade universal. Quando chega o tempo em que podemos
dar o primeiro passo, o caminho se abre diante de nós.
Sinto-me
calmo, preenchido. Quando estou só, experimento um real contentamento a cada
instante que passa. Um sentimento de realização que não pode ser substituído
por nada, uma satisfação profunda que os estados de dependência ou de saciedade
não podem alcançar. Isso não é brincar de autossugestão, mas estar em
ressonância com a bondade básica que subjaz em nossa própria essência.
Quando os
fatores que contribuem para a felicidade verdadeira estiverem claros para a
gente, imagine que eles desabrocham, florescendo na mente. Decida-se a alimentá-los,
orienta Matthieu, dia após dia: “Finalize fazendo com que pensamentos de
bondade pura envolvam todos os seres vivos”.
Consciência Pura
Como explica
Matthieu Ricard, os pensamentos emergem da consciência pura e podem então ser
reabsorvidos por ela, como as ondas que emergem do oceano e nele novamente se
dissolvem. Compreendendo isso, teremos dado um grande passo na direção da paz
interior.
Ainda
que não seja fácil experienciar a consciência pura, é possível, garante o monge
budista. “Os pensamentos e as emoções escravizam-nos. Observe o que está por
trás da cortina dos pensamentos discursivos. Tente encontrar ali uma presença
desperta, livre de construções mentais, transparente, luminosa, não perturbada
pelos pensamentos vãos.”
“O
objetivo do Homem é tornar sagrada toda a sua vida, ou seja, tornar sua
existência plena de significado. O sagrado é a função de dar sentido, resgatar
alguma coisa da banalidade, algo além da matéria”, enuncia um dos ensinamentos da
‘Nova Acrópole’, escola dedicada a
estudos filosóficos e suas práticas.
Sim, o
mistério divino fala conosco o tempo todo. Nós é que não percebemos, envolvidos
com as ilusões, ao invés da busca de valores e sabedoria. Há um conteúdo
sagrado que eu devo deixar ao Mundo. Qual será Ele? Qual é a minha missão nesse
sentido? O que eu estou buscando? Essas são questões inevitáveis sobre o
sentido da vida, e assim que nos indagamos a esse respeito começamos a
filosofar...
O
sentido da vida? Transformá-la numa espécie de oração, penso eu, então.
Alcançar a plenitude da condição humana. Aonde vamos chegar com tudo isto? Ao
que nos leva adiante. A vida é inteiramente pedagógica. Os problemas que
vivemos contêm um potencial precioso para a transformação. A vida quer nos
ensinar algo a todo instante. Por trás da vida existem significados. Vivemos
experiências repetitivas sem entender o que temos a aprender. Quem é esse
interlocutor oculto que deseja falar comigo? O que ele propõe? Propõe a
expansão da minha consciência para eu interpretar a vida; fora isso, tudo é superficialidade.
O interlocutor oculto propõe o autoconhecimento, um caminho que ninguém pode
fazer por mim.
É muito
triste a pessoa que não desperta para o que a vida lhe proporciona indireta e
permanentemente. Não desperta porque o foco de sua existência é ninguém
perceber o quanto é infeliz, alimentada pelo autocentramento excessivo e com uma
compreensão muito limitada do funcionamento da sua mente, tendo mais a se
queixar do que transmitir bondade amorosa. O autocentramento nos faz ignorar o
outro e suas infinitas possibilidades. Como ensina a filosofia budista, o
autocentramento que me ataca é uma fixação exagerada na minha própria paisagem,
aliada a diferentes graus de indisposição de incluir o outro. Assim, como é
possível viver uma experiência de paz?
O fato
de se sentir infeliz requer uma reflexão diária sobre a vida. A prática
espiritual pode ser muito benéfica. Há instituições adequadas para auxiliar, com
as quais nos identificamos; uma vasta literatura e mesmo amigos (alguns deles
surgem providencialmente quando estamos nessa busca). É possível conseguir um
treinamento espiritual sério se reservarmos, todos os dias, algum tempo para a
contemplação, um olhar para o nosso interior. Somos responsáveis pela escassez
que nos aflige. Não nascemos sábios, nós nos tornamos. Todo ser humano tem
potencial para a perfeição. O desabrochar desse potencial é a própria
realização espiritual. Esse é o sentido da vida: obter um estado profundo de
bem-estar, sabedoria e plenitude em todos os momentos, acompanhado do amor
incondicional por cada ser, um amor a que eu me disponha, sempre. Gerar e
expressar a bondade dissipa o sofrimento, deixando em seu lugar um sentimento
duradouro de plenitude. A bondade se desenvolve como reflexo da alegria
interior.
Há algo
citando que a busca de sentido é uma parte fundamental daquilo que nos torna
humanos. É essencial adquirir uma certa paz interior para que possamos nos
conectar com as profundezas do nosso ser, para que possamos identificar sinais
do mistério divino em nossa vida.
Qual é a
minha aspiração? Há um conteúdo sagrado que eu devo deixar ao Mundo. Qual será
Ele? Qual a minha missão nesse sentido? Ter uma vida humana realizada para
inspirar outros a mudar o seu modo de ser, isso é possível e necessário.
Porque
somente quando nossa percepção está focada no plano superior é possível
perceber o sagrado ‘Eu’ (a alma, ‘Self’ ou ‘Atman’) – a consciência onipotente
que existe em nosso interior e que podemos abraçar quando soubermos um pouco
mais sobre tudo isto. Apenas ali o verdadeiro amor existe. Quando percebermos o
‘Eu’, quando pudermos fazer isto, então as coisas vão fluir como nunca antes. Meditação,
contemplação e autorreflexão são caminhos que levam à realização do ‘Eu
interior’.
Com base na alquimia chinesa, somente quando nossa percepção estiver
focada nos reinos espirituais, quando percebermos o EU, quando nós pudermos
fazer isto, então as coisas vão fluir como nunca antes!
Lembrando novamente Matthieu Ricard, cada um de nós pode encontrar um
método adequado para trabalhar com os seus processos mentais, e pouco a pouco
ir se liberando de emoções prejudiciais até perceber a natureza última da
mente. Assim, não deve ser surpresa para nós o fato de que um eremita leve anos
para descobrir a natureza última da mente.
O sábio compreende que todos os seres têm o poder de se libertarem da
ignorância e da infelicidade, mas não sabem disso!
No mais, inspiro-me na sabedoria de Shantideva, antigo mestre indiano: “Enquanto
existir o espaço. E enquanto existirem seres sencientes. Possa eu também
permanecer. Para dissolver a miséria do mundo”.
Isto tudo traz muito sentido para a minha vida!
(*) autor do livro 'Deus Abençoe', http://www.tomsimoes.com/2019/06/deus-abencoe-religiosidade-do-ponto-de.html#more
Obrigado, irmão de buscas que dão sentido à vida. Você, como eu, temos essa missão extraordinária de compartilhar o conhecimento útil. Deus o Abençoe!
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