O despertar espiritual se dá a partir do esforço de perscrutar
e transformar a si mesmo
RELIGIÃO: um debate racional ou uma exposição de
crenças? Eu sou uma pessoa profundamente religiosa (assim como se define o
psicanalista Contardo Calligaris: “Eu sou cristão demais”), sem necessidade
de altares, dogmas, veneração de imagens, orações repetidas com a mente
distraída, fanatismo, vestimenta apropriada, medo de pecar e ser castigado,
sacrifícios em nome de Deus... Tudo isso insensatamente misturado à ideia de fé,
que deve ser natural, despojada, expressa pela assunção de compromissos obrigatórios
e pessoais com foco exclusivo no ‘bem’, caminho sempre disponível para todos chegarem
a Deus.
O meu templo sagrado é o meu interior, onde habita a divindade - essa força misteriosa. Deus partilha a sua divindade com os seres que cria com “coração
e mente desarmados”. É com essa força que eu me identifico e experimento a religiosidade
e a evolução espiritual.
Apenas quando concentrado na minha divindade
interior, recito preces e mantras, medito, mantenho a atenção plena (focando no
humano e no sagrado) e, sobretudo, experiencio o silêncio. São práticas que
levam à realização do ‘self’ (a consciência que anima o corpo físico; apenas
ali o amor puro existe), num contínuo processo de busca e transformação. Sim,
porque a exposição da minha consciência humana (que a ciência ainda não tem a
menor ideia do que seja) à consciência divina que habita em mim é como a exposição às emanações de uma ínfima
quantidade de um elemento radioativo atuando sem parar no âmago do ser físico: a
princípio imperceptível, mas, com o tempo, revelando efeitos irreversíveis
(não se aborreçam com esta comparação à primeira vista inapropriada, trata-se
de uma simples exemplificação de energias que transformam).
O caminho a ser percorrido é delicado e exige
reinvenção pessoal. O ‘self’ representa o indivíduo tal como se revela e se reconhece,
espelhado em sua própria consciência.
É fato indiscutível que a iniciação em templos e
centros religiosos pode ser relevante, sobretudo na infância e juventude, ‘alinhando’
de certa forma a criança e o jovem (fases muito sensíveis a desvios
comportamentais) com princípios elevados. A religiosidade da família,
independente da frequência a centros religiosos, também tem importantíssimo
papel. Mas, na verdade, a gente pode elevar-se espiritualmente tanto numa
capela como num jardim público e mesmo contemplando o mar, a lua, as estrelas...
Parece que, quando nos colocamos com humildade frente à imensidão do Universo,
recebemos um misterioso afago que alegra e pacifica.
Eu mesmo experimentei variados espaços, conceitos
e crenças religiosas ao longo da vida. E todas essas oportunidades foram
fundamentais para mim, oferecendo-me uma rica matéria-prima conceitual. Mas não
me apegar, não dar exclusividade a nenhuma delas, deixou-me livre para pensar,
pensar sobre que bases construir o meu próprio caminho. Felizmente, como que
por uma mágica alquimia, identifiquei, fixei e combinei o que acredito ser essencial,
e para que hoje me considere um ‘livre-pensador’.
O que significa ‘livre-pensador’? Vejamos uma definição bem
abrangente de Ricardo Gondim, http://www.ricardogondim.com.br/meditacoes/elogio-ao-livre-pensador/: “O livre-pensador garante o ambiente leve. Ele ouve,
acolhe, indaga e argumenta com a singeleza da criança. Se discute,
retruca, provoca e exige o rigor dos mestres, não deixa o clima tenso. Se
denuncia, confronta e briga com a veemência dos profetas, não transparece
rancor. Se narra, brinca, ri e cria com a leveza dos poetas, não permite
superficialidade. Se se mostra exigente nos colóquios acadêmicos, não cria
inimigos. Se relaxa na mesa do bar, mantém-se atencioso”.
Para esse autor, o mundo deve ao livre-pensador os novos
paradigmas científicos, as novas escolas literárias, os novos conceitos
políticos, as novas militâncias. Infelizmente, muitos só foram reconhecidos
depois de séculos. Alguns morreram na fogueira. Mas hoje já podemos conhecer
muitos jovens que começam a pensar fora da caixa. Fora da caixa, mas com ideias
consequentes, que iluminam.
O verdadeiro despertar espiritual se dá a partir do esforço de,
paralelamente a conhecer os eternos princípios, perscrutar e transformar a si
mesmo. Com o processo em andamento, a gente se sente mais pacífico e
silencioso. Experimenta a ‘bem-aventurança’. Ela não depende de ninguém. É a
alegria de criar, se os outros vão apreciar ou não, é totalmente irrelevante. A
gente se alegra enquanto cria, e isso já é mais do que suficiente. A
bem-aventurança é diferente da felicidade aparente, que é produzida por algo
exterior. Há algo que diz: “Podeis ficar certo, querido estudante, que, quando
chegar o tempo em que puderdes dar o primeiro passo, o caminho se abrirá diante
de vós”. Estuda os ensinamentos e os põe em prática na vida cotidiana.
Como cita Henry David Thoreau
(1817 – 1862), escritor, poeta, naturalista e ativista americano, a verdadeira
transformação é pessoal, interior, totalmente individual, correspondendo à
descoberta da divindade em cada
pessoa como elemento indissociável da Natureza.
Com o tempo, a gente aprende a ser mais a
gente, a respeitar nossas características peculiares. Aprende a inverter algumas
prioridades e a se colocar a serviço do outro. Aprende a se preencher com o
silêncio, a esvaziar-se de si mesmo. Para chegar aonde eu quero, tenho que
largar mão de algumas coisas. Não permitir que minha coluna se curve sob o peso
daquilo de que não preciso (nem precisarei jamais). Mas encaro tudo isso com
plena consciência de que faço uma escolha. Porque felicidade é serenidade! É
bem-aventurança, é plenitude!
Do meu ponto de vista, a religião é, em sua
essência, a conjunção da empatia, altruísmo e generosidade para atingir a
serenidade e a consequente plenitude; em última instância, a condição de
sentir-se completo. A empatia, o altruísmo e a generosidade abrem os portais
celestiais! Aos quais me esforço para chegar como livre-pensador.
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