Com base na obra “Espiritualidade para Corajosos” – A Busca de Sentido no Mundo de Hoje, de Luiz Felipe Pondé
Luiz Felipe Pondé, nascido em 1959, é filósofo, escritor
e ensaísta; doutor pela USP e pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv (Israel).
“HÁ um vínculo profundo entre as principais formas de
espiritualidade e a busca de sentido na vida. A busca do repouso é uma
constante. Silêncio e solidão são sinônimos na vida espiritual. O silêncio fala
da superação de toda forma de ruído a serviço da mentira social que sustenta o
que há de falso no mundo. Muito além da fé em qualquer religião, a
espiritualidade é a busca por uma conexão com algo maior, divino...”
... transcendental: que está acima da razão ou uma experiência
sublime; que está além dos limites conhecidos do Universo.
Tom Simões
·
Espiritualidade, Silêncio e Solidão
Este é
um dos 31 curtos e inquietantes capítulos do livro de Luiz Felipe Pondé.
Confira o que o autor escreve sobre o silêncio:
“[...] O SILÊNCIO das palavras, muitas vezes, fala mais que seus
ruídos. E o silêncio tem um lugar essencial na espiritualidade. Já o ruído está
mais para seu inferno.”
“[...] MUITA gente resumiria a busca espiritual como a busca da
solidão (não abandono) e do silêncio na vida. O silêncio é uma forma de
repouso. O espírito fala muitas línguas, e uma delas, talvez, a mais essencial,
seja o silêncio.
“[...] CLARO que me
refiro aqui ao silêncio em sua forma exterior e concreta: ausência de barulho,
som, ruído. Mas, ao mesmo tempo, ouvir o vento nas árvores e o som dos
pássaros. Um pequeno pedaço da natureza numa de suas faces mais belas. E mais
importante: esse silêncio que está ali encarnado no mundo, pois ele nunca é
simplesmente um vazio de sensações auditivas. Existem muitas formas de silêncio
que caracterizam a vida espiritual, mas todas elas passam pelo repouso
psicológico no silêncio, na possibilidade de não desejar o ruído do mundo como
reforço de nossa existência. Por isso que o
silêncio é, antes de tudo, uma forma de libertação: libertação da necessidade
de ser parte do ruído do mundo. Hoje é muito comum que, para existir, muita
gente pense que deve gritar para ser ouvida, no mundo a sua volta e nas redes
sociais.”
“[...] POR
QUE a solidão é tão importante na vida
espiritual, mesmo em meio à vida urbana? Porque a solidão também é repouso. Em
toda tradição religiosa, a vida espiritual implica alguma forma de busca da
solidão. Os primeiros monges cristãos iam para o deserto em busca do
enfrentamento dos demônios interiores, num esforço para testemunhar o encontro
com Deus. Nesse sentido, a solidão, assim como o silêncio, são conquistas,
‘lugares’ a serem encontrados, por isso sua contínua relação com a ideia de
buscar espaços distantes das cidades para se realizarem.”
“[...] O SILÊNCIO espiritual só se instala quando você esquece de você
mesmo, quando você está ‘morto’ para si mesmo, algo impossível no mundo de
consumo de bens de significados como o nosso. Por isso Jesus diz que para se
salvar você tem que primeiro perder a vida.”
“[...] SILÊNCIO e solidão são
sinônimos na vida espiritual. O silêncio fala da superação de toda forma de
ruído a serviço da mentira social que sustenta o que há de falso no mundo. É a
possibilidade de olhar dentro de si mesmo sem nenhuma voz que impeça o
autoconhecimento para além de qualquer projeto de felicidade. A solidão é a
face ‘geográfica’ desse silêncio. A condição de possibilidade física para esse
silêncio se manifestar.”
“PODE-SE estar só em meio a um enorme ruído interno, assim
como estar em meio à cidade e atingir um razoável grau de solidão e silêncio.
Evidentemente que locais em meio ao silêncio da natureza são mais propícios do
que um mercado cheio de gente comprando coisas. Solidão e silêncio são
qualidades internas, antes do que externas, ainda que se alimentem destas.”
“TALVEZ um dos grandes desafios para quem busca alguma
forma de vida espiritual consistente em nosso mundo seja a possibilidade de
viver em silêncio e em solidão em meio à cidade. Não acho impossível isso
acontecer, ainda que a geografia da vida espiritual repouse mais facilmente no
campo e não numa avenida cheia de carros. Eu arriscaria dizer que a chave é o
cansaço, como o cansaço de Sísifo (*)
de Albert Camus. Cansar de servir ao
sucesso e à felicidade é, seguramente, a chave para atingir alguma forma de
silêncio e solidão no mundo urbano contemporâneo. [...] No mundo contemporâneo
só o cansaço como ‘emancipação’ pode nos levar ao repouso espiritual.”
(*) ‘O mito de Sísifo’ é um ensaio filosófico escrito por Albert Camus,
em 1941. No
ensaio, Camus introduz a sua
filosofia do absurdo: o homem em busca de sentido, unidade e clareza no rosto
de um mundo ininteligível, desprovido de Deus e eternidade.
***
E para complementar, outra ideia escolhida, de um
outro autor:
Em seu texto ‘Reencontrar
o templo do silêncio interior’, http://www.franciscanos.org.br/?p=40365,
frei Almir Ribeiro Guimarães faz uma inspiradora reflexão sobre a urgência de
buscar a aquietação interior e o silêncio, ou seja, tentar encontrar o caminho
do interior, até o centro do coração, ali onde o homem desperta para si,
desperta para Deus.
Frei Almir descreve assim: “Não dá mais para viver na
superficialidade das coisas. Chegou a hora de reencontrar o caminho do
interior, do silêncio eloquente. Andar lentamente, caminhar, fechar os olhos,
deixar a beleza nos penetrar: beleza de um salmo recitado lentamente, beleza de
uma música que vai até o fundo, beleza de horas de silêncio. Não suportamos
mais gritos e berros, baterias e atabaques, zoada e barulheira perturbadora.
Barulho de nosso ego, desse mundo inquieto que fabricamos para nós mesmos. Temos
saudade de ouvir o correr suave do regato sobre as pedras do ribeiro, de
escutar a brisa que baloiça as roseiras e as azaleias e nos dar conta de um
murmúrio dentro de nós. Seria o farfalhar do Espírito?”.
O máximo de ruído que se escuta - brinda-nos frei
Almir - é o crepitar da vela que fora acesa para a recitação da liturgia.
“Antes da entoação dos cânticos, há o silêncio. Olhos fechados, corpo sereno,
mente acalmada. As portas do coração dos religiosos estão abertas para ouvir
Aquele que fala no silêncio. E se cantam os hinos, cantam os salmos, misturam
aleluias, mesclam tudo com longos momentos de silêncio. Fala a letra do salmo.
Fala o silêncio no asterisco do salmo. E como fala! Há silêncio dos sons
externos... Mas há antes de tudo esse silêncio do esvaziamento. E a pessoa que
sai da capela, depois da Missa, é pessoa vestida de silêncio, grávida do Deus
que fala no silêncio.”
***
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