terça-feira, 17 de julho de 2018

CONCEIÇÃO EVARISTO, 1946 (71 anos)


Escritora, nasceu em Belo Horizonte, em 1946, numa favela. De origem humilde, migrou para o Rio de Janeiro na década de 1970. Filha de uma lavadeira, mantinha um diário onde anotava as dificuldades de um cotidiano sofrido. Conceição cresceu rodeada por palavras. Teve que conciliar os estudos com o trabalho como empregada doméstica, até concluir o curso Normal, em 1971, já aos 25 anos.



Graduada em Letras pela UFRJ, trabalhou como professora da rede pública de ensino da capital fluminense. É Mestre em Literatura Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro e Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense.


Uma das principais expoentes da literatura Brasileira e Afro-brasileira atualmente, Conceição Evaristo tornou-se também uma escritora negra de projeção internacional, com livros traduzidos em outros idiomas. Consta em http://www.palmares.gov.br/conceicao-evaristo que a escritora traz em sua literatura profundas reflexões acerca das questões de raça e de gênero, com o objetivo claro de revelar a desigualdade velada em nossa sociedade, de recuperar uma memória sofrida da população afro-brasileira em toda sua riqueza e sua potencialidade de ação. “É uma mulher que tem cuidado de abrir espaços para outras mulheres negras se apresentarem no mundo da literatura.”

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"A CIÊNCIA, os avanços institucionais e o progresso moral que experimentamos do século 18 para cá só ocorreram porque ideias que pareciam absolutamente respeitáveis, quando não sagradas, foram contestadas e substituídas."

·         Hélio Schwartsman, ´Tolerar até os boçais', Folha de S.Paulo, Editoriais, 6/7/2018




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Vamos então conhecer um pouco o pensamento de Conceição Evaristo, com base em trechos recolhidos de entrevistas, devidamente referenciados, por mim selecionados:





“A NOSSA voz, quando se torna texto literário, incomoda”.





“MINHA preocupação tem sido também não ser tratada como excepcionalidade, porque quando você trata as pessoas como excepcionalidade, você retira essas pessoas da coletividade que ela representa e eu não vou permitir que façam isso comigo.”





EU SEMPRE escrevi, falava sobre minha festa de aniversário, a fazenda onde passei as minhas férias. E eu fico pensando que ficcionalizar aquela época me permitiu sonhar.”






COMECEI a escrever muito cedo, menina. A escrita pra mim sempre foi um suporte para lidar com o mundo e, ao mesmo tempo, também colocar um questionamento para o mundo. Muitas das minhas perguntas de infância, de adolescência, foram respondidas ou aprofundadas através da escrita e da leitura. Todas as minhas questões da adolescência, aquelas dúvidas, eu só aguentei com a ajuda da escrita. Além das perguntas da adolescência, pelas quais todo mundo passa nessa fase da vida, também foi marcante o momento em que percebi as questões raciais. Eu, como menina negra. O que havia de estranho nisso tudo, notar a questão racial, a pobreza em que a gente vivia. Naquele momento eu já sabia que queria alguma coisa, só não sabia o quê. Mas uma coisa eu tinha certeza: que aquela vida que eu tinha não podia ser eterna. Eu tinha a certeza que aquela vida não era justa. Eu não sabia se a escrita poderia ser um caminho para mim, mas a escrita já era uma necessidade. Já era um alento e ao mesmo tempo também um local de tormento, um lugar onde eu colocava todas as minhas dúvidas.”




             ·         Na introdução de Ponciá Vicêncio, a senhora fala que seus personagens são como parentes de primeiro grau. Como isso funciona?, pergunta Nahima Maciel:

NA VERDADE, faço uma brincadeira. Um texto literário é como se fosse um filho e alguns personagens, conheço mais de perto. Minha ficção tem muito a vida real como pano de fundo, mas isso não significa que tudo que eu escreva seja algo que tenha vivido. Não é. Pode ser uma observação, uma história que ouvi contar, um fato que assisti. E ‘Ponciá Vicêncio’, ao trazer a memória da escravidão, é algo que tem a ver com as histórias que cresci ouvindo sobre a escravidão. Como tem também em ‘Becos da Memória’. São histórias herdadas da oralidade. Muito da memória da escravidão foi contada na minha infância, eu escutava essas histórias dentro de casa”, diz a autora.





                  ·         Conceição lembra um episódio vivenciado no Rio de Janeiro, no prédio no qual aluga um escritório:

CERTA vez, ao sair do local, esbarrou em uma senhora com formação de arquivista que reconheceu o rosto da autora, de algum programa de entrevistas. Perguntou o que ela fazia. Conceição respondeu que era escritora e a mulher imediatamente perguntou se a romancista era autora de livros de receitas. ‘E não estamos falando de uma pessoa sem leitura! Essa até deu um salto adiante: mulher negra até pode escrever, mas tem que ser um livro de receita. Então, escrever e publicar são atos de rebeldia que nos colocam em outro lugar, contrariando o imaginário que a sociedade brasileira tem sobre nós”, diz a autora.


 

EU DIGO que tudo que escrevo, seja de um ponto de vista crítico, como pesquisadora, ou de um ponto de vista da criação literária, é profundamente marcado pela minha condição de mulher negra na sociedade brasileira. O que tenho percebido é o seguinte: essa ‘escrevivência’ tem ajudado outras mulheres a se perceberem. Percebo cada vez mais que, na medida em que essas mulheres se encontram nos meus textos e encontram os meus textos, elas se apossam da vida com muito mais certeza. Acho que a minha escrita tem possibilitado que essas mulheres acreditem mais em si mesmas, que se reconheçam, que sabemos ser muito difícil. A literatura que nós conhecemos, essa literatura canônica, ela não nos representa e quando nos representa é sempre de uma maneira limitada, de uma maneira estereotipada. Então o meu texto é um lugar onde as mulheres se sentem em casa, se sentem reconhecidas de verdade.”


EU NÃO tenho uma rotina de escritora. Hoje, menos ainda, pelo fato de estar sempre em debates, palestras, encontros… E além de ser escritora, sou uma dona de casa. Eu cuido da minha casa, só tenho ajuda quando vou viajar e preciso deixar uma companhia para a minha filha. Fora isso, a rotina de casa é minha. Hoje estou aposentada, mas sempre trabalhei, estudei, dava aula, ia pros tratamentos da minha filha, lutando pela sobrevivência… Então não tenho uma rotina de escritora. Aliás, esse é um sonho que tenho.”




EU NÃO nasci rodeada de livros e, sim, rodeada de palavras. Desde pequena, em minha casa, se mantinha o hábito da contação de histórias, inclusive, as de tradição africana. Além disso, sou mineira e temos como característica contar ‘causos’. Portanto, cresci escutando histórias. Qualquer situação cotidiana se transformava em história, era criado um enredo. Por pura intuição, minha mãe promovia oficinas de palavras, principalmente em função do pouco material impresso que chegava em nossas mãos. Pegávamos as revistas ou jornais que apareciam e analisávamos as figuras, despertávamos a imaginação. Essa didática da oralidade criou um encantamento pelas palavras, ao mesmo tempo que existia o desejo pela literatura. Estudei em uma boa escola pública em Belo Horizonte, o que também ajudou a desenvolver meu gosto pelo texto escrito.”
  

       ·         Que dicas você daria para as mulheres mais jovens que sonham em ser escritoras?, pergunta Djamila Ribeiro:
A PRIMEIRA dica que dou é dizer que a literatura é a arte da palavra. O bom musicista treina por horas, escuta música. Eu acredito inclusive naquele sujeito que é autodidata, que estuda muito também. Eu acredito que a gente precisa ter esse cuidado de que estamos produzindo arte. Você está lidando com a palavra e se a gente quer se colocar como alguém que está produzindo literatura, precisamos ter consciência daquilo que estamos produzindo. Não pode divagar: o primeiro exercício é escrever, depois a gente vê como publica. Mas vamos escrever primeiro e não cair na ilusão de que a literatura vai nos acolher logo. É um exercício de escrita e de militância”, revela Conceição Evaristo.





·         Conceição Evaristo: “GOSTO muito de uma frase do Nelson Mandela: ‘Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta’. Não gosto do termo intolerância, vejo isso como uma dificuldade de conviver com o outro, mas prefiro acreditar que a crueldade não é inata e, sim, adquirida.”


            ·         Para você, as redes sociais assumem um papel importante como fórum de debate sobre as questões referentes aos negros?, pergunta Lucas Vasques:

CREIO que as redes sociais tenham um papel importantíssimo nesse debate. Na pior das hipóteses fez com que o racista saísse do armário. Não acompanho muito, porque vejo lá muitas discussões que não me interessam mais. Contudo, observo que há uma grande parcela de mulheres negras, especialmente as jovens, que debate essas questões com intensidade. As redes sociais têm um papel positivo nisso”, diz a escritora.
          




Vozes-mulheres
A VOZ de minha bisavó

ecoou criança

nos porões do navio.

Ecoou lamentos

de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes.
Recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.







             ·         Como está sendo pra você ter a Ocupação Conceição Evaristo?, pergunta Djamila Ribeiro:


“OLHA, a ficha ainda está caindo, mas é muito bom perceber que o seu texto cai na emoção do outro, mexe com o outro. E é muito meus textos fazerem sentido na vida das pessoas. Mas mais do que isso, eu espero que essa Ocupação ajude a mudar o imaginário das pessoas de colocar as mulheres negras somente em lugares subalternos e submissos. É pensar que as mulheres negras estão produzindo na área da literatura, filosofia, psicologia, medicina. É pensar que todas competências que uma pessoa branca pode ter, as mulheres negras têm. Que essa ocupação sirva para despertar sobre o que outras mulheres negras estão fazendo”, revela a escritora.








Da calma e do silêncio

QUANDO eu morder

a palavra,

por favor,

não me apressem,

quero mascar,
rasgar entre os dentes,
a pele, os ossos, o tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas.
Quando meu olhar

se perder no nada,

por favor,

não me despertem,

quero reter,
no adentro da íris,
a menor sombra,
do ínfimo movimento.
Quando meus pés

abrandarem na marcha,

por favor,

não me forcem.

Caminhar para quê?
Deixem-me quedar,
deixem-me quieta,
na aparente inércia.
Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra.










PRECISAMOS mostrar as nossas narrativas, temos que disputar. E eu preciso falar que os meus primeiros leitores foram pessoas do movimento social negro. Cada leitor e cada leitora levava pra sala de aula, pra academia. Então hoje, se eu chego nesse espaço da Ocupação [Itaú], é um espaço que foi construído a partir da leitura dos meus pares. Eu cheguei onde cheguei hoje por conta desse nosso trabalho de formiguinha, que a gente sabe fazer muito bem.”
           

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Outras fontes de consulta: PENSADOR, Frases e Pensamentos; e http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/188-conceicao-evaristo

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