sexta-feira, 27 de julho de 2018

ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, 1952


Filósofo materialista, racionalista e humanista francês, nascido em Paris. Com base em sua obra ‘A Felicidade, Desesperadamente’






Eu descobri essa ‘extraordinária autoridade’ apenas agora. E me apaixonei pelo seu discurso lógico e prático abrangendo a Filosofia e a Sabedoria. Daí o meu desejo de sintetizar essa obra e compartilhá-la... Um Primor, considero-a!  
Tom Simões


   
André Comte-Sponville é um filósofo que ama a sabedoria. Como escritor, fala com gravidade das coisas graves e com simplicidade do simples. Para ele, troçar da filosofia é filosofar verdadeiramente. Como filósofo, ama a verdadeira vida e, como escritor, procura uma beleza que não minta.

Ex-aluno da École Normale Supérieure, foi professor de Filosofia e por muito tempo mestre de conferências na Universidade de Paris I (Pantheón-Sorbonne), de onde saiu para se dedicar exclusivamente a escrever e a dar conferências fora da universidade.

Com base em https://www.travessa.com.br/Andre_Comte-Sponville/autor/BDA83892-A969-46D1-A96F-1EF35327119C, nem otimista, nem pessimista, ele procura ver as coisas como elas são, sem se iludir. De um ponto de vista epistemológico, aproxima-se do racionalismo crítico de Karl Popper. Separa radicalmente a ordem prática (os valores) e a ordem teórica (o conhecimento).


Para André Comte-Sponville, filosofar é pensar a sua vida e viver seu pensamento. Ele propõe uma metafísica materialista e uma espiritualidade sem Deus; o conjunto pode constituir uma ‘sabedoria para o nosso tempo’.
“Considera a possibilidade de existência de uma quinta ordem, a ordem do divino, mas, sendo ateu, pensa que seja dispensável. Mas ele acredita na possibilidade e na necessidade de uma espiritualidade ainda no ateísmo.
De fato, Comte-Sponville encontra no ateísmo uma fonte mais legítima da Ética, da adoção de valores humanos já não apesar de não acreditar na existência do divino, senão justamente por ser o humano possuidor de consciência e de valores que não dependem da fé em divindade nenhuma.”



Na verdade, todo homem anda qual uma sombra; na verdade, em vão se inquieta, amontoa riquezas, e não sabe quem as levará." (Salmo 39:6)








O que é a filosofia? Para dizê-lo com palavras que sejam minhas (mas vocês verão que minha definição está calcada na de Epicuro), responderei: a filosofia é uma prática discursiva (ela procede ‘por discursos e raciocínios’) que tem a vida por objeto, a razão por meio e a felicidade por fim.



Trata-se de pensar melhor para viver melhor.


Gosto enfim de que ela nos proporcione ‘uma vida feliz’, e não apenas o saber e, menos ainda, o poder...



O PASSADO da filosofia está sempre diante de nós, que nunca terminaremos de explorá-lo, de compreendê-lo, de tentar prolongá-lo...”



A FILOSOFIA é o amor à sabedoria, a busca da sabedoria, sabedoria que se reconhece de fato para quem a atinge. Se a filosofia não nos ajuda a ser felizes, ou a ser menos infelizes, para que serve a filosofia?”




Filosofia e Sabedoria


O SÁBIO é um ‘conhecedor’, como dizemos em matéria de vinhos ou de culinária. O ‘conhecedor’ não é apenas aquele que conhece, mas também aquele que aprecia. O sábio é um conhecedor da vida: ele sabe conhecê-la e apreciá-la!
O sábio não tem mais nada a esperar/aguardar, nem a esperar/ter esperança. Por ser plenamente feliz, não lhe falta nada. E, porque não lhe falta nada, é plenamente feliz.
Epicuro assim a define: ‘A filosofia é uma atividade que, por discursos e raciocínios, nos proporciona uma vida feliz’.”




Porque a felicidade que queremos, a felicidade que os gregos chamavam de ‘sabedoria’, aquela que é a meta da filosofia, é uma felicidade que não se obtém por meio de drogas, mentiras, ilusões, diversão... É uma felicidade que se obteria em certa relação com a verdade: uma verdadeira felicidade ou uma felicidade verdadeira.



O que é a sabedoria? É a felicidade na verdade, ou ‘a alegria que nasce da verdade’. Esta é a expressão que Santo Agostinho utiliza para definir a beatitude, a vida verdadeiramente feliz, em oposição a nossas pequenas felicidades, sempre mais ou menos factícias ou ilusórias. Sou sensível ao fato de que é a mesma palavra ‘beatitude’ que Spinoza retomará, bem mais tarde, para designar a felicidade do sábio, a felicidade que não é a recompensa da virtude mas a própria virtude...


A beatitude é a felicidade do sábio, em oposição às felicidades que nós, que não somos sábios, conhecemos comumente, ou, digamos, às nossas aparências de felicidade, que às vezes são alimentadas por drogas ou álcoois, muitas vezes por ilusões, diversão ou má fé. Pequenos derivativos, remedinhos, estimulantezinhos... Não sejamos severos demais. Nem sempre podemos dispensá-los. Mas a sabedoria é outra coisa. A sabedoria seria a felicidade na verdade.




A sabedoria? É uma felicidade verdadeira ou uma verdade feliz.



Não façamos disso um absoluto, porém. Podemos ser mais ou menos sábios, do mesmo modo que podemos ser mais ou menos loucos. Digamos que a sabedoria aponta para uma direção: a do máximo de felicidade no máximo de lucidez.


Trata-se de pensar não o que me torna feliz, mas o que me parece verdadeiro - e fica a meu encargo tentar encontrar, diante dessa verdade, seja ela triste ou angustiante, o máximo de felicidade possível. A felicidade é a meta; a verdade é o caminho ou a norma. Isso significa que, se o filósofo puder optar entre uma verdade e uma felicidade - felizmente, o problema nem sempre se coloca nesses termos, só às vezes -, se o filósofo puder optar entre uma verdade e uma felicidade, ele só será filósofo, ou só será digno de sê-lo, se optar pela verdade.  



Do meu ponto de vista, só é verdadeiramente filósofo quem ama a felicidade, como todo o mundo, mas ama mais ainda a verdade - só é filósofo quem prefere uma verdadeira tristeza a uma falsa alegria.



Nesse sentido, muitos são filósofos sem serem profissionais da Filosofia, e é melhor assim; e alguns são profissionais ou professores de filosofia sem que por isso sejam filósofos, e azar deles. O essencial é não mentir e, antes de mais nada, não se mentir. Não se mentir sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre a felicidade.









Por que a sabedoria é necessária? No fundo, vocês poderiam me fazer ou se fazer essa pergunta. Precisamos da sabedoria? A tradição responde que sim, mas o que nos prova que ela tem razão? Nossa infelicidade. Nossa insatisfação. Nossa angústia.


Por que a sabedoria é necessária? Porque não somos felizes. Isso coincide com uma fórmula de Albert Camus, que tinha o dom de dizer simplesmente coisas graves e fortes: "Os homens morrem, e não são felizes." Acrescentarei: por isso a sabedoria é necessária. Porque morremos e porque não somos felizes.


Não somos felizes, às vezes, porque tudo vai mal. Não digo que não cabe filosofar no Timor Leste ou num serviço de cancerologia, mas diria que não é a principal urgência: antes é preciso sobreviver e lutar, ajudar e tratar. Que estes não sejam felizes, compreendo facilmente, e a maior urgência, para eles, sem dúvida não é filosofar.


Mas, se não somos felizes, nem sempre é porque tudo vai mal. Também acontece, e com maior frequência, não sermos felizes quando tudo vai mais ou menos bem, pelo menos para nós. Penso em todos os momentos em que nos dizemos "tenho tudo para ser feliz". Só que, como vocês notaram tão bem quanto eu, não basta ter tudo para ser feliz... para sê-lo de fato.



                                        Imagem: http://thesunjar.com/sobre-conhecimento-e-sabedoria/




O QUE nos falta para ser feliz, quando temos tudo para ser e não somos? Falta-nos a Sabedoria.” 


Sei perfeitamente que os estoicos (e os epicurianos não eram menos ambiciosos) pretendiam que o sábio é feliz em toda e qualquer circunstância, independentemente do que lhe possa acontecer.

             (1)   estoicos: Estoicismo é um movimento filosófico que surgiu na Grécia Antiga e que preza a fidelidade ao conhecimento, desprezando todos os tipos de sentimentos externos, como a paixão, a luxúria e demais emoções.

 (2)  epicurianos: Epicurismo é um sistema filosófico que prega a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal pelo conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos. No entanto, quando os desejos são exacerbados podem ser fonte de perturbações constantes, dificultando o encontro da felicidade que é manter a saúde do corpo e a serenidade do espírito. Os seguidores do epicurismo são chamados de epicuristas e, de acordo com o sistema filosófico, devem procurar evitar a dor e as perturbações, levar uma vida longe das multidões (mas não solitário), dos luxos excessivos, se colocando em harmonia com a natureza e desfrutando da paz.   


Sua casa acaba de pegar fogo? Não tem importância: se você tem sabedoria, você é feliz! "Mas na minha casa estavam minha mulher, meus filhos... Morreram todos!" Não tem importância: se você tem sabedoria, você é feliz. Pode ser... Confesso que me sinto incapaz dessa sabedoria. Não me sinto nem mesmo capaz de desejá-la verdadeiramente. Aliás, os próprios estoicos reconheciam ser possível que nenhum sábio, no sentido em que empregavam a palavra, jamais tivesse existido...


Essa sabedoria, absoluta, desumana ou sobre-humana, não passa de um ideal que nos ofusca pelo menos tanto quanto nos ilumina. Sou como Michel de Montaigne: "Esses humores transcendentes me assustam, como os lugares altos e inacessíveis." Eu me contentaria perfeitamente com uma sabedoria menos ambiciosa ou menos assustadora, com uma sabedoria de segunda linha, que me permitisse ser feliz não quando tudo vai mal (não sou capaz disso e não o peço tanto assim), mas quando tudo vai mais ou menos bem, como acontece - nos países um pouco mais favorecidos pela história e para muitos de nós - com maior frequência. Uma sabedoria da vida cotidiana; se quiserem, uma sabedoria à Montaigne: uma sabedoria para todos os dias e para todos nós... “Tão sábio quanto queira", escreve ainda Montaigne, "mas afinal é um homem: o que há de mais frágil, mais miserável e mais nulo? A sabedoria não fortalece nossas condições naturais..." Não é uma razão para viver de uma maneira qualquer, nem para renunciar à felicidade.







O que nos falta para ser feliz, quando temos tudo para sê-lo e não somos? O que nos falta é a sabedoria, em outras palavras, saber viver, não no sentido em que se fala do savoir-vivre como boa educação, mas no sentido profundo do termo, no sentido em que Montaigne dizia que "não há ciência tão árdua quanto a de saber viver bem e naturalmente esta vida". Essa ciência não é uma ciência no sentido moderno do termo. É antes uma arte ou um aprendizado: trata-se de aprender a viver; apenas isso é filosofar de verdade.


Filosofar serve para aprender a viver, se possível antes que seja tarde demais, antes que seja absolutamente tarde demais. Por fim acrescento, com Epicuro, que nunca é "nem cedo demais nem tarde demais" para filosofar, já que nunca é nem cedo nem tarde demais para "assegurar a saúde da alma", em outras palavras,  para aprender a viver ou para ser feliz. Temos uma ideia.


Temos uma ideia de felicidade. É sempre a ideia de Blaise Pascal: todo homem quer ser feliz, inclusive o que vai se enforcar. Se ele se enforca, é para escapar da infelicidade; e escapar da infelicidade ainda é se aproximar, pelo menos tanto quanto possível, de uma certa felicidade, nem que ela seja negativa ou o próprio nada... Não se escapa do princípio de prazer: querer escapar-lhe (pela morte, pelo ascetismo...) é ficar submetido a ele. Portanto, temos um desejo de felicidade, e esse desejo é frustrado, decepcionado, ferido.

(1)  O ascetismo é uma filosofia de vida na qual se realizam certas práticas visando ao desenvolvimento espiritual. Muitas vezes, essas práticas consistem no refreamento dos prazeres mundanos e na austeridade.



Louis Aragon escreve: "A felicidade nos falta; a felicidade está perdida. Por quê? Temos de partir do desejo”. Não apenas porque "o desejo é a própria essência do homem", como escrevia Baruch Spinoza, mas também porque a felicidade é o desejável absoluto, como mostra Aristóteles e, enfim, porque ser feliz é - pelo menos numa primeira aproximação - ter o que desejamos.


O que é o desejo? A resposta que gostaria de evocar em primeiro lugar, e que vai atravessar toda a história da filosofia, é formulada por Platão num dos seus livros mais famosos, ‘O Banquete’. Como seu título indica, trata-se de uma refeição entre amigos, no caso para festejar o sucesso de um deles num concurso de tragédia. Como eles sabem que, quando se janta entre amigos, o principal prazer não é a qualidade dos pratos mas a qualidade da conversa - quanto à comida, os criados cuidam dela -, resolvem escolher um bom tema de discussão: ‘o amor’. Cada um vai dar sua definição e fazer seu elogio do amor.


Na medida em que Platão tem razão, ou na medida em que somos platônicos (mas no sentido de um platonismo espontâneo), na medida em que desejamos o que nos falta, é impossível sermos felizes. Por quê? Porque o desejo é falta, e porque a falta é um sofrimento. Como você pode querer ser feliz se lhe falta, precisamente, aquilo que você deseja? No fundo, o que é ser feliz?


Evoco a resposta que encontramos em Platão, Epicuro, Immanuel Kant, em qualquer um: ser feliz é ter o que se deseja. Não necessariamente tudo o que se deseja, porque nesse caso é fácil compreender que nunca seremos felizes e que a felicidade, como diz Kant, seria um ideal não da razão mas da imaginação. Ser feliz não é ter tudo o que se deseja, mas pelo menos uma boa parte, talvez a maior parte, do que se deseja. Seja. Mas, se o desejo é falta, só desejamos, por definição, o que não temos. Ora, se só desejamos o que não temos, nunca temos o que desejamos, logo nunca somos felizes. Não que o desejo nunca seja satisfeito, a vida não é tão difícil assim. Mas é que, assim que um desejo é satisfeito, já não há falta, logo já não há desejo. Assim que um desejo é satisfeito, ele se abole como desejo: O prazer, escreverá Sartre, é a morte e o fracasso do desejo. E, longe de ter o que desejamos, temos então o que desejávamos e já não desejamos. Como ser feliz não é ter o que desejávamos mas ter o que desejamos, isso nunca pode acontecer (já que, mais uma vez, só desejamos o que não temos). De modo que ora desejamos o que não temos, e sofremos com essa falta, ora temos o que, portanto, já não desejamos - e nos entediamos, como escreverá Schopenhauer, ou nos apressamos a desejar outra coisa. Lucrécio, bem antes de Schopenhauer, dissera o essencial: "Giramos sempre no mesmo círculo sem poder sair... Enquanto o objeto de nossos desejos permanece distante, ele nos parece superior a todo o resto; se ele é nosso, passamos a desejar outra coisa, e a mesma sede da vida nos mantém em permanente tensão..." Não há amor feliz: na medida em que o desejo é falta, a felicidade é perdida.

 

 

 


Platão explica: o desejo é falta.



O exemplo do amor, do casal. Lembrem-se de Marcel Proust em ‘Em Busca do Tempo Perdido’: "Albertine presente, Albertine desaparecida..." Quando ela não está presente, ele sofre atrozmente: está disposto a tudo para que ela volte. Quando ela está presente, ele se entedia: está disposto a tudo para que ela vá embora. Não há nada mais fácil do que amar quem não temos, quem nos falta: isso se chama estar apaixonado, e está ao alcance de qualquer um. Mas amar quem temos, aquele ou aquela com quem vivemos, é outra coisa! Quem não viveu essas oscilações, essas intermitências do coração? Ora amamos quem não temos, e sofremos com essa falta: é o que se chama de um tormento amoroso; ora temos quem já não nos falta e nos entediamos: é o que chamamos um casal.


É o que Arthur Schopenhauer, como discípulo genial de Platão, resumirá bem mais tarde, no século XIX, numa frase que costumo dizer que é a mais triste da história da filosofia. Quando desejo o que não tenho, é a falta, a frustração, o que Schopenhauer chama de sofrimento. E quando o desejo é satisfeito? Já não é sofrimento, uma vez que já não há falta. Não é felicidade, uma vez que já não há desejo. É o que Schopenhauer chama de tédio, que é a ausência da felicidade no lugar mesmo da sua presença esperada. Você pensava: "Como eu seria feliz se..." E ora o se não se realiza, e você é infeliz; ora ele se realiza, e você nem por isso é feliz: você se entedia ou deseja outra coisa. Donde a frase que eu anunciava e que resume tão tristemente o essencial: "A vida oscila pois, como um pêndulo, da direita para a esquerda, do sofrimento ao tédio." Sofrimento porque eu desejo o que não tenho e porque sofro com essa falta; tédio porque tenho o que, por conseguinte, já não desejo.


Porque o desejo é falta e, na medida em que é falta, a felicidade necessariamente é perdida. É o que eu chamo de as armadilhas da esperança - sendo a esperança a própria falta, no tempo e na ignorância. Só esperamos o que não temos. Tentem um pouco, só para ver, ter esperança de estarem sentados! Não vão conseguir, simplesmente porque estão sentados. Só esperamos o que não temos, e por isso mesmo somos tanto menos felizes quando mais esperamos ser felizes. Estamos constantemente separados da felicidade pela própria esperança que a busca. A partir do momento em que esperamos a felicidade, "Como eu seria feliz se...", não podemos escapar da decepção: seja porque a esperança não é satisfeita (sofrimento, frustração), seja porque ela o é (tédio ou, mais uma vez, frustração: como só podemos desejar o que falta, desejamos imediatamente outra coisa e por isso não somos felizes...).



É o que Woody Allen resume numa fórmula: "Como eu seria feliz se fosse feliz".


É impossível, portanto, que ele o seja algum dia, já que está constantemente esperando vir a sê-lo. É também o que Pascal, num nível de genialidade no mínimo comparável, resume a seu modo na obra Pensamentos. Trata-se de um fragmento de umas vinte linhas, consagrado ao tempo. Pascal explica que jamais vivemos para o presente: vivemos um pouco para o passado, explica ele, e principalmente muito, muito, para o futuro. O fragmento termina da seguinte maneira: "Assim, nunca vivemos, esperamos viver; e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos." O que fazer? Como escapar desse ciclo da frustração e do tédio, da esperança e da decepção? Há várias estratégias possíveis.


Em primeiro lugar, o esquecimento, a diversão, como diz Pascal. Pensemos rápido em outra coisa! Façamos como todo o mundo: finjamos ser felizes, finjamos não nos entediar, finjamos não morrer... Não vou me deter nisso. É uma estratégia não-filosófica, pois, em filosofia, trata-se justamente de não fingir.


Segunda estratégia possível: o que chamarei de fuga para a frente, de esperanças em esperanças. Mais ou menos como esses jogadores da loto, que todas as semanas se consolam de terem perdido com a esperança de que ganharão na semana seguinte... Se isso os ajuda a viver, não sou eu quem vai criticá-los. Mas, aqui também, vocês hão de convir que isso não é filosofia, e muito menos sabedoria.  


A terceira estratégia prolonga a precedente, mas mudando de nível. Já não é uma fuga para a frente, de esperanças em esperanças, mas antes um salto, como diria Camus, numa esperança absoluta, religiosa, que não é suscetível, acredita-se, de ser decepcionada (já que, se não há vida depois da morte, não haverá mais ninguém para percebê-lo). No fundo, é a estratégia de Pascal. O mesmo Pascal que explica tão bem que, "dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos", é o que escreve em outro fragmento na obra Pensamentos: "Só há bem nesta vida na esperança de outra vida." E o salto religioso: esperar a felicidade para depois da morte. Ou, em termos teológicos: passar da esperança (como paixão) à esperança (como virtude teologal: porque ela tem Deus mesmo por objeto). Essa estratégia tem suas cartas de nobreza filosófica... Mas é preciso, além do mais, ter fé, e vocês sabem que não a tenho. Ou estar disposto a apostar a vida, como diria Pascal, e a isso eu me recuso: o pensamento deve se submeter ao mais verdadeiro, ou ao mais verossímil, e não ao mais vantajoso.


Há desejo e ignorância, desejo e impotência, desejo e falta, há inevitavelmente esperança. Sempre que desejamos o que não sabemos, o que não depende de nós, o que não temos, a esperança está presente, sempre. Não se trata de se impedir de esperar: trata-se de aprender a pensar, a querer e a amar! "O sábio é sábio", escrevia Alain, "não por menos loucura mas por mais sabedoria." Não tentem amputar a sua parte de loucura, de esperança, portanto de angústia e de temor. Aprendam, ao contrário, a desenvolver sua parte de sabedoria, de potência, como diria Spinoza, em outras palavras, de conhecimento, ação e amor. Não se impeçam de esperar: aprendam a pensar, aprendam a querer um pouco mais e a amar um pouco melhor.



EU DIRIA de bom grado: a sabedoria não existe. Só há sábios, e eles são todos diferentes, e nenhum deles crê na sabedoria. A sabedoria é apenas um ideal, e nenhum ideal existe. É apenas uma palavra, e nenhuma palavra contém o real. Se vocês saírem daqui dizendo-se ‘Como eu seria feliz se fosse sábio!’, é que terei fracassado.







Não façam da sabedoria um novo objeto de esperança, mais um, o que equivaleria a esperar absurdamente o desespero. Se você quer ir em frente, diziam os estoicos, deve saber aonde vai. Sim. Mas o importante é ir em frente. A sabedoria é apenas um horizonte, que nunca alcançaremos absolutamente, e que no entanto nos contém: temos nossos momentos de sabedoria, como temos nossos momentos de loucura. A felicidade não é um absoluto, é um processo, um movimento, um equilíbrio, só que instável (somos mais ou menos felizes), uma vitória, só que frágil, sempre a ser defendida, sempre a ser continuada ou recomeçada. Não sonhemos a sabedoria; paremos, ao contrário, de sonhar nossa vida! Não se trata de se impedir de esperar, nem de esperar o desespero.

Trata-se, na ordem teórica, de crer um pouco menos e de conhecer um pouco mais; na ordem prática, política ou ética, trata-se de esperar um pouco menos e de agir um pouco mais; enfim, na ordem afetiva ou espiritual, trata-se de esperar um pouco menos e amar um pouco mais.


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O TEXTO completo é a transcrição, revista e corrigida pelo autor, da conferência-debate pronunciada por André Comte-Sponville no dia 18 de outubro de 1999, no âmbito dos LundisPhilo [Segundas-feiras de Filosofia], no Le Piano'cktail - Ville de Bouguenais.





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CURIOSIDADE


A coruja – símbolo da filosofia






POR influência da mitologia grega, Atena, Deusa da Sabedoria (os romanos a chamavam de Minerva), tinha uma ‘coruja’ como mascote. Os gregos consideravam a noite como o momento do pensamento filosófico e da revelação intelectual. E a ‘coruja, por ser uma ave noturna, acabou representando essa busca pelo saber.  




A coruja tem a capacidade de enxergar na escuridão, conseguindo ver o que outros não veem. A constituição física do seu pescoço permite que ela enxergue tudo em sua volta. Essa seria a pretensão da Filosofia, por meio da razão poder ver racionalmente e entender o mundo, mesmo nos seus aspectos mais obscuros. E ainda, enxergá-lo sob os mais diversos ângulos. Há algo que diz: ‘O sábio enxerga coisas que os ignorantes não veem’.  

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3 comentários:

  1. A GENUÍNA FELICIDADE

    Parece haver uma coisa que muda o nosso senso de bem-estar de forma poderosa e duradoura: nossas relações e, especificamente, a nossa expressão de amor e generosidade para com os outros na nossa vida.

    Richard Davidson, neurocientista, uniu a pesquisa de neuroimagiologia (o conhecimento da mente) em uma teoria unificada do cérebro feliz.

    Para ele, existem quatro circuitos cerebrais independentes que influenciam o nosso bem-estar duradouro. O primeiro é a ‘nossa capacidade de manter os estados positivos’. O segundo, ‘nossa capacidade de nos recuperar de estados negativos’. O terceiro circuito, também independente mas essencial para os outros, e a ‘nossa capacidade de concentração e de evitar a divagação’. É claro que esse é o circuito que é desenvolvido pela meditação.

    O quarto e último circuito e a ‘NOSSA CAPACIDADE DE SER GENEROSO’. Temos um circuito cerebral completo, um entre quatro, devotado à GENEROSIDADE. Não é de estranhar que o nosso cérebro se sinta tão bem quando ajudamos os outros ou recebemos ajuda dos outros, ou até mesmo testemunhamos alguém recebendo ajuda, o que pode ser descrito como ELEVAÇÃO, que é uma dimensão do contentamento. Existem pesquisas convincentes de que somos equipados para cooperação, compaixão e generosidade.

    * Fonte: “Contentamento – O Segredo para a Felicidade Plena e Duradoura’: Dalai Lama, Tenzin Gyatso (líder espiritual do povo do Tibete), Desmond Mpilo Tutu (arcebispo emérito da África do Sul) e Douglas Abrams (escritor, editor e agente literário dedicado a ajudar visionários a criar um mundo mais sábio)

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  2. “VALORES materialistas não são capazes de trazer paz de espírito. Então nós realmente precisamos nos concentrar nos nossos valores internos, na nossa verdadeira humanidade. Só assim poderemos ter paz de espírito e mais paz no mundo. Muitos dos problemas que estamos enfrentando são a nossa própria criação, como a violência. Diferentemente de um desastre natural, esses problemas são criados por nós mesmos, os seres humanos. [...] Precisamos prestar mais atenção nos nossos valores internos. Precisamos olhar dentro de nós”.

    * Fonte: “Contentamento – O Segredo para a Felicidade Plena e Duradoura”: Dalai Lama, Tenzin Gyatso (líder espiritual do povo do Tibete), Desmond Mpilo Tutu (arcebispo emérito da África do Sul) e Douglas Abrams (escritor, editor e agente literário dedicado a ajudar visionários a criar um mundo mais sábio)

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  3. “PARA desenvolvermos nossa mente, precisamos olhar em um nível mais profundo. Todo mundo está em busca da felicidade, do contentamento, mas busca isso em coisas externas: no dinheiro, no poder, em um carro grande ou em uma mansão. A maioria das pessoas nunca percebe que a fonte fundamental para uma vida feliz está no interior, e não no exterior. Até mesmo a fonte para a saúde física está no interior, e não no exterior”.

    * Fonte: “Contentamento – O Segredo para a Felicidade Plena e Duradoura”: Dalai Lama, Tenzin Gyatso (líder espiritual do povo do Tibete), Desmond Mpilo Tutu (arcebispo emérito da África do Sul) e Douglas Abrams (escritor, editor e agente literário dedicado a ajudar visionários a criar um mundo mais sábio)

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