Ainda
que o jovem (ou adulto) não tenha se decidido por uma vida religiosa
independente, a lembrança das vivências de religiosidade na infância lhe dará
suporte, força e segurança na vida
Tom Simões, jornalista, Santos (São
Paulo, Brasil), fevereiro 2018
“EM NENHUMA
outra idade as experiências são tão profundas e se gravam tão indissoluvelmente
em toda a constituição corpórea, anímica e espiritual, como na idade
pré-escolar. Se nessa idade a criança não vivenciar devoção, alegria,
expectativa, participação, interesse mútuo, veneração a algo superior, faltar-lhe-á
uma experiência de si mesma, uma autoafirmação essencial. Pois ela vem ao mundo
querendo entregar-se com confiança plena e espera essa confirmação. Desse modo
é possível que haja a consolidação da confiança
primordial”, escreve a pediatra alemã Michaela Glöckler, em sua obra ‘Força Sanadora da Religião’ (Editora Antroposófica), que acabo de
ler. Ela atua como médica na Escola Rudolf Steiner de Witten, sendo diretora da
Seção Médica do Goetheanum, Escola
Superior Livre de Ciência Espiritualista, localizada em Dornach, Suíça.
Eu vivi
intensamente a Igreja Católica até a pré-adolescência. Vestia-me de anjo em
procissões, varria a igreja, organizava a contribuição financeira dos fieis...
Padre Antônio, reconhecendo minha dedicação, chegou até a me presentear com
chocolate que trouxe da Espanha ao visitar sua família. Também estudei em
escola de frades carmelitas. Então, eu posso falar sobre o que a experiência religiosa
representou em minha vida. Hoje me considero um ‘livre pensador’, sem vínculos
com religião formal. Mas, refletindo sobre isso, acredito que as vivências
espirituais pelas quais já passei é que me deram sustentação para tanto!
“Muitos fiéis de
igrejas cristãs honram as regras institucionais, participam dos ritos, mas há
muito deixaram de ser cristãos. Só que não se encorajam a dizer isso a si e aos
outros, comenta o padre Fábio de Melo, em sua conversa com o historiador
Leandro Karnal, na obra ‘Crer ou não Crer’.
Ele acredita que talvez seja esse o processo de muitas pessoas que, por um
excesso de instituição e uma escassez de mística, acabam experimentando uma
descrença não confessa, um ateísmo prático nunca assumido, uma vez que a religião
não transforma sua vida.
Talvez seja
essa a razão de as famílias modernas não valorizarem a experiência religiosa
e... “Tendo passado o período da imitação dedicada, que ocorre na infância, não
é mais possível ocorrer uma impregnação tão profunda na constituição corpórea (alguns diriam impregnação no comportamento,
a criação de hábitos – parênteses da autora). Muitas vezes torna-se difícil
compensar essa deficiência mais tarde, e ‘aprender’ a ter confiança na
existência e alegria de viver”, diz Glöckler. Para ela, desde que educação
religiosa não signifique ensinar à criança quaisquer ‘preceitos morais’, mas se
ela for baseada na vivência conjunta de qualidades religiosas, como calma, paz,
devoção, veneração, confiança, as crianças levam para a vida uma segurança
interior e a possibilidade de terem calma interior, o que pode servir de esteio
em situações difíceis.
Para a autora,
mesmo se o jovem ou adulto ainda não se decidiu por uma vida religiosa iniciada
de forma independente, a lembrança das experiências da infância lhe darão
suporte, força e segurança na vida.
A partir das
poucas indicações apresentadas à criança, deve ficar claro que não importa
‘qual’ confissão fundamenta a educação religiosa. Pois, como conduz a pediatra,
os valores e as ‘atmosferas’ religiosas encontram-se em todas as confissões
religiosas, e estes é que são importantes na infância.
“Para qual das
confissões alguém se inclina mais tarde deveria ser resultado de sérias
considerações e análises íntimas em relação à questão de Deus.
Independentemente da escolha feita, haverá uma grata lembrança das experiências
infantis de devoção religiosa que os adultos propiciaram com meios singelos e,
assim, permitiram à criança experimentar”, orienta Michaela Glöckler.
Jesus e as Crianças
“Alguns traziam crianças a Jesus para que ele tocasse nelas, mas os
discípulos os repreendiam. Quando Jesus viu isso, ficou indignado e lhes disse:
‘Deixem vir a mim as crianças, não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence
aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a verdade: Quem não receber o Reino
de Deus como uma criança, nunca entrará nele’. Em seguida, tomou as crianças
nos braços, impôs-lhes as mãos e as abençoou.” Marcos 10:13-16
Em “Caminho para Deus 221: Como podemos rezar em
família”, http://vidacrista.org.br/caminho-para-deus-221-como-podemos-rezar-em-familia/, lê-se: “Os esposos cristãos estão chamados a transmitir a fé aos
membros de sua família. A oração em família, na qual estão presentes as
crianças, se enriquece imensamente em virtude da grande sensibilidade religiosa
que têm os pequenos, especialmente nos primeiros anos da infância. Ao ir
descobrindo os secretos tesouros de espiritualidade escondidos nos corações das
crianças, os pais também são convidados a ingressar nessa nova dinâmica de
encontro com Jesus, a ‘fazer-se criança’ para entrar no Reino dos Céus.
Assumem o papel de guias espirituais de seus próprios filhos e são para eles
seus primeiros catequistas. Ensinam-lhes a rezar não só com as palavras,
mas, sobretudo, com seu testemunho, pois as crianças ‘absorvem’ tudo o que veem
em seu pequeno mundo familiar. Se os filhos veem seus pais rezarem, então
o hábito de oração surgirá neles com maior naturalidade”. Essa seria uma
espécie de ‘igreja doméstica’, como alguns a denominam.
http://www.saraetobias.com.br/a-importancia-da-oracao-na-familia/
É importante
que os pais sejam muito reverentes com essa primeira etapa da infância, pois o
que se aprende nos primeiros anos fica marcado para toda a vida. Porém, a
vivência da religiosidade e da oração no lar têm de respeitar os ritmos
próprios da infância.
Para Michaela
Glöckler, “quem objetar que não deveríamos educar as crianças para uma determinada
confissão religiosa, ou mesmo aspectos religiosos, pois a decisão para uma vida
religiosa deve estar na liberdade de cada um, pode ser rapidamente curado
dessas ponderações quando se conscientizar de quantas pessoas saíram da igreja
nas últimas décadas e, também, quantas pessoas abandonam as convicções
religiosas da casa paterna e trilham seu próprio caminho espiritual. Contudo,
se as crianças não tiverem uma educação religiosa, posteriormente, na vida,
elas terão muito mais dificuldades de partir em busca de valores espirituais,
porque não conseguirão recorrer a experiências anteriores e, por isso, em
realidade não saberão exatamente o que procurar”.
Realidade
das drogas
Padre Fábio
cita Hans Küng, um teólogo que foi silenciado pela Igreja. “Um homem bastante
controverso. Mas ele alerta para um aspecto muito pertinente sobre o qual vale
refletir. Ele também dizia isto: o fim das religiões está muito próximo porque
as urgências deixam de ser religiosas, passam a ser humanas. O que é que vai nos
unir? É justamente a ética, a necessidade que nós teremos de estabelecer a
ética como um princípio que nos reunirá em torno das mesmas urgências.”
Mas, como
sustenta Glöckler, sem uma base de religiosidade, os jovens não saberão o que
procurar. “Que isso é assim mesmo, podemos observar hoje em dia no aumento cada
vez mais intenso dos vícios e dependências das drogas, pois a doença
relacionada aos vícios é a doença da falta de religiosidade. Quando se pergunta
aos dependentes de drogas por que optaram por essa vida, isso fica nítido. Eles
procuram exatamente as qualidades e valores que correspondem às experiências
religiosas: calma e proteção, vivência de relações humanas nas quais haja
confiança, vivências de luz e calor, vivências sensórias intensas e vigorosa
experiência de si mesmos. Muitas vezes, eles dizem que foram as dúvidas
insuportáveis quanto ao sentido da vida que os lançaram no vício, ou porque
eles nutrem um imenso ódio da maldade e injustiça no mundo ou ainda por não
terem experimentado amor e proteção junto às pessoas”.
https://www.youtube.com/watch?v=LXqtCsv3L1o
O conceito de
família já não é mais o mesmo. Famílias estão sendo destruídas com a maior
naturalidade...
É interessante
como os pais modernos se sentem tão preocupados com a formação integral dos
filhos, com o esporte, por exemplo, a vivência com o meio ambiente, o
aprendizado de línguas e o estímulo precoce (e extremamente danoso) aos meios
eletrônicos, tudo certamente importante, mas ignorando a formação espiritual de
suas crianças. Paula Cesarino Costa, em editorial no jornal Folha de São Paulo, escreveu ser esta “a
era da instantaneidade obrigatória e da simplificação burra”. O esforço para
ser mais envolve também espiritualidade e abertura mental.
Para o padre
Fábio, “A vida interior deveria ser o resultado natural de toda religião. E ela
é o resultado de uma busca pessoal, sobretudo. Jesus não se furtou a ficar com
alguns poucos para momentos especiais. Ele salientou a necessidade de ficar
sozinho, buscar um lugar que favorecesse o silêncio. E também teve os Seus
momentos com as multidões. Particularmente acredito que a experiência com as
multidões deveria ser apenas o incentivo para aquilo que se busca pessoalmente.
Se não há uma busca pessoal por essa mística, é muito difícil que o coletivo
consiga oferecê-la. A multidão pode até me emocionar. Eu estou ali no meio,
vivo a catarse que o rito proporciona, mas isso o futebol faz também. E se você
for pensar, os estádios de futebol realizam rituais públicos muito semelhantes
aos propostos pela religião. Mas as catarses dos estádios diferem das catarses
religiosas, pois delas nós não esperamos mudança de vida, comprometimento com
as questões humanas, amor, respeito, solidariedade. É por isso que eu insisto
na experiência particular. É na ‘solidão’ pessoal que as convicções se firmam.
Se os ritos religiosos não favorecem essa experiência, perdem sua força”.
Para a
pediatra Glöckler, somente no mundo das drogas, os jovens dependentes encontram
isso. “Mesmo que a ‘carreira’ de drogado não represente uma verdadeira
perspectiva de vida, prevalece a gratidão por nela sempre poder deixar de lado
as dúvidas atrozes, os temores, e ser acolhido por outro mundo, de cores, luz,
amizade e proteção. É verdade que se entra nesse mundo sem sua autoconsciência
desperta (ou seja, completamente iludido
- eu diria), mas ao menos se sai da estreiteza, da mediocridade e da
solidão de uma vida aparentemente sem sentido.” Ainda que por momentos.
Glöckler
menciona que, no início do século XX, Rudolf Steiner, 1861-1925 (filósofo,
educador, artista e esoterista, fundador da Antroposofia e da Pedagogia
Waldorf), apontou em várias de suas conferências
que novas enfermidades surgirão caso três gerações ainda vivam da mesma maneira
materialista, e sem religiosidade, como naquela época... “Então estariam
exauridas as reservas de força fundamentadas na hereditariedade, que ainda se
transmitem por algumas gerações. Para que o corpo não se esfacele, mas possa
transformar-se, o ser humano precisa assimilar adicionalmente forças
espirituais.” Steiner descobriu que na conformação, no crescimento, na
regeneração, como também na autocura do organismo humano, manifesta-se algo de
espiritual; posteriormente, na vida, esse algo aparece como a força espiritual
do pensar.
De acordo com
a autora, hoje, a pesquisa psicossomática chegou amplamente ao conhecimento de
que, por exemplo, uma pessoa com boa motivação para a vida, com ideais para o
futuro e capacidade de dar um sentido a sua vida, tem um sistema imunológico
melhor. No caso de uma doença, tem melhores condições de convalescença do que
alguém a quem falta isso. Portanto, não podemos prescindir do alimento
espiritual, da religiosidade em nossas vidas. Mas o ser humano precisa ser
despertado para isso na mais tenra idade, já nos anos pré-escolares. Muitos
podem até prescindir de religião, mas não podem prescindir de religiosidade,
pois ela integra a equação da vida saudável.
“São complexos
e bonitos os estudos e as observações práticas que embasam as colocações feitas
acima. Meditem e se convençam da importância de criar uma aura de
espiritualidade no dia a dia familiar, um berço inconsútil para nossos filhos e
netos”, arremata o amigo Roberto da Graça Lopes.
***
Revisão do
texto:
Márcia Navarro Cipólli e Roberto da Graça Lopes
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