quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Se eu fosse um padre

Mário Quintana (*)




“SE EU FOSSE um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

Não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre, eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalam
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
... e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!”

(Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 105)


Tom Simões, Pegando Carona com Mário Quintana...

SE EU FOSSE um padre... Eu também seria diferente dos padres que a gente conhece. Só falaria sobre o amor. O ‘amor incondicional’. Falaria sobre a generosidade, a empatia, a serenidade, a tolerância, a compreensão, o perdão, a misericórdia... Nada de pecado, de purgatório, de penitência, de ‘minha culpa, minha máxima culpa’... Nada de assustar ninguém. Nada de tirar a liberdade dos fieis. Porque só o amor pode salvar. Porque só através do ‘amor incondicional’ é possível vivenciar a serenidade, a paz interior, a verdadeira felicidade. E também porque - como escreve Neale Donald Walsch, em sua obra Conversando com Deus – “quem não consegue aceitar a Verdade maior, tem de se contentar com uma espiritualidade que ensina medo, dependência e intolerância, em vez de amor, poder e aceitação”. Na Igreja, os padres costumam abordar muitos assuntos, com palavras que amedrontam os fieis, mas não os transformam. Mas se eu fosse um padre, eu falaria sobre o amor universal, de forma que os fieis pudessem sair da Igreja ‘perdoados’, renovados e não assustados... Eles sairiam da Igreja não mais passando indiferentes àquele homem dormindo na calçada, com fome, com frio, tão carente de uma mínima atenção...

Como padre, certamente eu me inspiraria nestas sábias palavras de Osho, filósofo indiano, reproduzidas de sua obra ‘Poder, Política e Mudança’:
[...] “O HOMEM iluminado simplesmente dá. Não porque ele queira receber algo de você – você não tem nada para lhe dar. O que você tem para lhe dar? Ele dá porque tem muito a dar, está sobrecarregado. Ele dá porque é como uma nuvem de chuva, tão cheia de chuva que tem de chover. Não importa onde, sobre o quê – sobre rochas, sobre o solo bom, sobre jardins, sobre o oceano... Isso não tem a menor importância. A nuvem simplesmente quer se descarregar.
O homem iluminado é simplesmente uma nuvem de chuva.
Ele lhe dá amor, não para receber de volta. Ele o compartilha e lhe fica agradecido porque você lhe deu essa oportunidade; porque você estava suficientemente aberto, disponível, vulnerável; porque você não o rejeitou quando ele estava pronto para despejar todas as suas bênçãos sobre você; porque você abriu seu coração e recebeu tanto quanto estava dentro da sua capacidade.
[...] Vocês não precisam sequer ser gratos pelo meu amor, porque o meu amor é a própria recompensa. Em vez de vocês se sentirem gratos, eu é que sou grato por vocês aceitarem o meu amor e não rejeitá-lo. Vocês poderiam tê-lo rejeitado, teriam esse direito. Quando conheci a mim mesmo, conheci um significado totalmente diferente da responsabilidade. Ela não é uma questão de dever; é uma questão de compartilhamento. Você tem tanto amor e tanto êxtase que gostaria de compartilhá-los. E quem quer que esteja pronto para recebê-lo terá a sua gratidão. Ele é um presente, e não tem causa na pessoa a quem você o está dando. Você o está dando porque se sente pleno; você está transbordando. No momento em que você conhecer a si mesmo em toda a sua totalidade, pela primeira vez será capaz de ser altruísta, compassivo, amoroso, bondoso, generoso.”

Há algo que diz assim: “Buda não era budista. Jesus não era cristão. Maomé não era um muçulmano. Eram mestres que ensinavam amor. O amor era a sua religião”. Eu, igualmente, compreendo dessa forma a religião, como uma filosofia, um contínuo processo de busca e de transformação. Porque entendo que da autorrealização surge um grande entendimento. Não há necessidade de perdoar. Só o amor constrói. Como padre, eu agiria de forma a fazer com que os fieis encontrassem na Igreja alguma coisa que pudessem utilizar para melhorar suas vidas, para melhorar seus relacionamentos. Mas, será mesmo que os fieis apreciariam esse meu modo de agir como religioso?... E Mário Quintana, o que acharia desta complementação ao seu sábio poema?

    (*) Mário Quintana, 1906 – 1994: poeta, tradutor e jornalista do Rio Grande do Sul. Foi considerado o ‘poeta das coisas simples’ e um dos maiores poetas brasileiros do Século XX.


              ·         Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli

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