Mário Quintana (*)
“SE EU FOSSE um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
Não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre, eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalam
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
... e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!”
(Texto extraído do livro "Nova Antologia
Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 105)
Tom Simões, Pegando Carona com Mário Quintana...
SE EU FOSSE um padre... Eu também seria diferente dos
padres que a gente conhece. Só falaria sobre o amor. O ‘amor incondicional’.
Falaria sobre a generosidade, a empatia, a serenidade, a tolerância, a
compreensão, o perdão, a misericórdia... Nada de pecado, de purgatório, de
penitência, de ‘minha culpa, minha máxima
culpa’... Nada de assustar ninguém. Nada de tirar a liberdade dos fieis.
Porque só o amor pode salvar. Porque só através do ‘amor incondicional’ é
possível vivenciar a serenidade, a paz interior, a verdadeira felicidade. E
também porque - como escreve Neale Donald Walsch, em sua obra Conversando com Deus – “quem não
consegue aceitar a Verdade maior, tem de se contentar com uma espiritualidade
que ensina medo, dependência e intolerância, em vez de amor, poder e
aceitação”. Na Igreja, os padres costumam abordar muitos assuntos, com palavras
que amedrontam os fieis, mas não os transformam. Mas se eu fosse um padre, eu
falaria sobre o amor universal, de forma que os fieis pudessem sair da Igreja
‘perdoados’, renovados e não assustados... Eles sairiam da Igreja não mais
passando indiferentes àquele homem dormindo na calçada, com fome, com frio, tão
carente de uma mínima atenção...
Como
padre, certamente eu me inspiraria nestas sábias palavras de Osho, filósofo
indiano, reproduzidas de sua obra ‘Poder,
Política e Mudança’:
[...] “O HOMEM
iluminado simplesmente dá. Não porque ele queira receber algo de você – você
não tem nada para lhe dar. O que você tem para lhe dar? Ele dá porque tem muito
a dar, está sobrecarregado. Ele dá porque é como uma nuvem de chuva, tão cheia
de chuva que tem de chover. Não importa onde, sobre o quê – sobre rochas, sobre
o solo bom, sobre jardins, sobre o oceano... Isso não tem a menor importância.
A nuvem simplesmente quer se descarregar.
O homem
iluminado é simplesmente uma nuvem de chuva.
Ele lhe dá
amor, não para receber de volta. Ele o compartilha e lhe fica agradecido porque
você lhe deu essa oportunidade; porque você estava suficientemente aberto,
disponível, vulnerável; porque você não o rejeitou quando ele estava pronto
para despejar todas as suas bênçãos sobre você; porque você abriu seu coração e
recebeu tanto quanto estava dentro da sua capacidade.
[...]
Vocês não precisam sequer ser gratos pelo meu amor, porque o meu amor é a
própria recompensa. Em vez de vocês se sentirem gratos, eu é que sou grato por
vocês aceitarem o meu amor e não rejeitá-lo. Vocês poderiam tê-lo rejeitado,
teriam esse direito. Quando conheci a mim
mesmo, conheci um significado totalmente diferente da responsabilidade. Ela não
é uma questão de dever; é uma questão de compartilhamento. Você tem tanto
amor e tanto êxtase que gostaria de compartilhá-los. E quem quer que esteja
pronto para recebê-lo terá a sua gratidão. Ele é um presente, e não tem causa
na pessoa a quem você o está dando. Você o está dando porque se sente pleno;
você está transbordando. No momento em que você conhecer a si mesmo em toda a
sua totalidade, pela primeira vez será capaz de ser altruísta, compassivo,
amoroso, bondoso, generoso.”
Há algo que diz assim: “Buda não era budista. Jesus não era cristão. Maomé não era um
muçulmano. Eram mestres que ensinavam amor. O amor era a sua religião”. Eu,
igualmente, compreendo dessa forma a religião, como uma filosofia, um contínuo
processo de busca e de transformação. Porque entendo que da autorrealização
surge um grande entendimento. Não há necessidade de perdoar. Só o amor
constrói. Como padre, eu agiria de forma a fazer com que os fieis encontrassem
na Igreja alguma coisa que pudessem utilizar para melhorar suas vidas, para
melhorar seus relacionamentos. Mas, será mesmo que os fieis apreciariam esse
meu modo de agir como religioso?... E Mário Quintana, o que acharia desta
complementação ao seu sábio poema?
(*) Mário
Quintana, 1906 – 1994: poeta, tradutor e jornalista do Rio Grande do Sul.
Foi considerado o ‘poeta das coisas simples’ e um dos maiores poetas
brasileiros do Século XX.
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Revisão
do texto: Márcia Navarro Cipólli
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