Qual a importância da autorreflexão para o homem
contemporâneo?
MUITAS PESSOAS acham que a filosofia é uma área do saber dispensável.
Ora, a filosofia é muito importante. Através dela, conseguimos entender melhor
a nós mesmos e também aos outros; conseguimos ser capazes de discutir e aceitar
opiniões, e ficar com a consciência de que nada é errado e, porém, nada é
definitivamente certo. Uma das capacidades que a filosofia nos proporciona é a de
nos questionarmos, de sermos capazes de por em discussão a nossa própria
existência e a existência do mundo que nos rodeia assim como ele é. Basta não
ligar ao que os outros dizem e encarar a filosofia como um ensinamento para o
nosso cotidiano, para a nossa vida.
Sócrates, filósofo grego nascido em Atenas por volta do ano 470 a.C., é
um símbolo da filosofia do autoconhecimento. De origem modesta, era filho de Sofronisco, escultor,
e de Fenarete, parteira, com quem dizia ‘ter aprendido a arte de obstetra de
pensamentos’. Abandonando a arte de seu pai, dedicou-se inteiramente à missão
de despertar e educar as consciências, tendo como influência a filosofia de
Anaxágoras.
Numa época em que ainda se deprecia o termo
‘autoajuda’, desconhece-se que toda a sabedoria de Sócrates se fundamentava nas
suas investigações sobre a ‘filosofia do autoconhecimento’. É compreensível
haver uma categoria de livros de autoajuda que só ’chovem no molhado’, com
frases ‘bacanas’, difíceis de aplicar na vida, o que não impede que possam ser
úteis a uma categoria de leitores. Mas realmente não dá pra confundir a ideia
da ‘autoajuda convencional’ com a profundidade da literatura abordando
autoconhecimento, fundamentada em estudos e pesquisas de, principalmente,
renomados psicólogos e filósofos, alguns deles, cientistas de algumas das
maiores universidades do mundo. O autoconhecimento leva ao rompimento com as
ideias e formas velhas no mundo do pensamento, através de um contínuo processo
de busca e transformação pessoal. Diferentemente da ‘autoajuda’, o
autoconhecimento requer muita dedicação, pesquisa, estudo e reflexão.
Sócrates foi o primeiro dos três grandes filósofos gregos que estabeleceram as bases do pensamento ocidental
(os outros dois foram Platão e Aristóteles). Sócrates era tão filosoficamente
interessante, que o romano Cícero disse:
‘ele fez com que
a filosofia descesse dos céus para a terra’. Em outras palavras, o
filósofo conduziu a transição do pensamento dos antigos cosmologistas gregos,
que viviam refletindo sobre a origem do universo, para preocupações maiores com
a ética e a existência humana, adotando o famoso lema: “Conhece-te a ti mesmo”, isto é, torna-te consciente da tua
ignorância - como sendo o ápice da sabedoria. A introspecção é a característica
da filosofia de Sócrates.
Sempre entre jovens, sempre em
discussões, o filósofo não deixou nada escrito para a posteridade e quase tudo
que se sabe sobre suas ideias e sua personalidade origina-se das obras de
Platão, seu principal discípulo, e do livro ‘Memorabilia’, do historiador clássico grego Xenofonte. Esses dois
autores, cerca de 40 anos mais novos que Sócrates, só testemunharam mesmo a
última década da vida do filósofo, cuja atividade consistia em debater temas de
filosofia com base nos conceitos da moral e da
ética.
Sócrates adotava sempre um duplo diálogo, conforme se
tratava de um adversário a rejeitar suas ideias ou de um discípulo a instruir. No
primeiro caso, assumia humildemente a atitude de quem aprende e ia
multiplicando as perguntas até colher o adversário presunçoso em evidente
contradição e constrangê-lo à confissão de sua ignorância. É a ironia
socrática. No segundo caso, tratando-se de um discípulo (e era muitas vezes o
próprio adversário vencido), multiplicava ainda as perguntas, dirigindo-as agora
a fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito,
uma definição geral do objeto em questão.
A morte do sábio
A sua atividade e a sua vida foram finalizadas pela
condenação à morte. Três cidadãos
atenienses instauraram um processo contra o filósofo. Acusavam-no de não
venerar os deuses da cidade, de introduzir inovações religiosas e de corromper
os jovens de Atenas. A gravidade das acusações era de tal ordem, que exigia
pena capital. Sócrates reagiu com serenidade absoluta. Apesar de, durante o
julgamento, lhe ser dada a oportunidade de renunciar às suas ideias, ele
preferiu manter-se fiel à busca da verdade a assumir uma conduta capaz de torná-lo
benquisto entre seus inquisidores. Segundo o relato de Platão, ele desafiou o
júri com as palavras: "Enquanto eu puder respirar e exercer minhas
faculdades físicas e mentais, jamais deixarei de praticar a filosofia, de elucidar
a verdade e de exortar todos que cruzarem meu caminho a buscá-la [...].
Portanto, senhores, seja eu absolvido ou não, saibam que não alterarei minha
conduta, mesmo que tenha de morrer cem vezes."
Ao se dirigir aos atenienses que o julgavam, Sócrates
disse que lhes era grato e que os amava, mas que obedeceria antes ao Deus do
que a eles, pois enquanto tivesse um sopro de vida, poderiam estar seguros de
que não deixaria de filosofar, tendo como sua única preocupação andar pelas
ruas, a fim de persuadir seus concidadãos, moços e velhos, a não se preocupar
nem com o corpo nem com a fortuna, tão apaixonadamente quanto com a alma, a fim
de torná-la tão boa quanto possível.
Denunciado, então, como subversivo, foi condenado à
morte ultrajante; rodeado por um grupo de amigos desolados, teve de beber uma
taça de cicuta na prisão de Atenas, em fevereiro de 399 a.C.
Sócrates queria que as pessoas se desenvolvessem na
virtude. A virtude é um agir ótimo, é procurar fazer o bem, que é o correto, o
ideal. Ser virtuoso é o máximo que se pode ser. O ato virtuoso depende do fim
que se colocar para ele. As coisas são virtuosas à medida que elas fazem bem às
coisas para as quais elas foram feitas. O caminho para a virtude não é só o
intelecto, razão, é o conhecimento místico também. Para Platão, as principais
virtudes são: força, coragem, justiça e piedade. A virtude abrange, também,
criar riquezas.
“A virtude da alma é a
sabedoria, que é o que a aproxima de Deus”, dizia. Para o
filósofo, “a sabedoria tem a ver com humildade intelectual e não com a
quantidade de saber. O ignorante é arrogante porque pensa que sabe. Não
descobrindo em si mesmo espécie alguma de sabedoria, onde quer que estivesse,
interrogava seus interlocutores a respeito de coisas que, por hipótese,
deveriam saber. Ao interrogá-los, verificava que não sabem o que julgam saber,
e o que é mais grave, não sabem que não sabem. Assim, Sócrates se achava mais
sábio porque pelo menos sabia que nada sabia, ao passo que as outras pessoas
pensavam que sabiam. O importante para a sabedoria é o que você faz, não é o
que você sabe. A sabedoria modifica o ser e purifica a alma de forma que seus
objetivos fiquem mais fácil de serem atingidos”.
Na visão de Sócrates, todos os homens procuram a
felicidade, quer dizer, o bem, e o vício não passa de ignorância, pois ninguém
pode fazer o mal voluntariamente. “A filosofia vem de dentro para fora e sua
função é despertar o conhecimento, ou seja, o autoconhecimento, pois a verdade
está dentro de cada um. Para conhecer a si mesmo é preciso conhecer o outro. A
alma do outro é como se fosse o espelho da própria alma”.
O ‘conhecer-te
a ti mesmo’, que era, na inscrição de Delfos (onde Sócrates foi
proclamado o mais sábio), uma advertência ao homem para que reconhecesse os
limites da natureza humana, tem dois significados: ter a consciência da
condição humana, não tentar ser mais do que é para os homens serem, não tentar
ser Deus, não ser arrogante, devendo os limites humanos ser respeitados para
que se viva bem, ou seja, a consciência da seriedade e gravidade dos problemas,
que impede toda presunção de fácil saber e se afirma como consciência inicial
da própria ignorância. O filósofo falava sobre o conhecimento interior, ou
seja, conhecer o que permanece oculto, isto é, as coisas divinas eternas, o que
as pessoas nem sabem que podem ser. É necessário conhecer o universo para
conhecer a si mesmo. Sócrates fingia ser capaz unicamente de interrogar, mas
não de ensinar alguma coisa, mas levava o interlocutor, mediante uma série de
perguntas habilmente formuladas, a tomar consciência da própria ignorância e a
confessá-la.
É nessas buscas que percebo o quão ainda incompleto é
o conhecimento humano. Basicamente, Sócrates pregava a necessidade de o homem
manter uma sensação de propósito e progresso em sua vida. Todos os seus
pensamentos e ações dirigiam-se a essa meta. Indiretamente, ele chamava a
atenção para que o indivíduo ficasse atento a si mesmo, capacitando-se para
ajudar o mundo. Apenas através do autoconhecimento surge um grande
entendimento.
“[...] Portanto, ó homem, aumenta tuas necessidades
e poderás expandir tua percepção”, ditou Jalal ad-Din Rumi, 1207-1273, poeta, jurista
e teólogo sufi persa do Século XII.
O mundo dá muitas voltas. E o homem contemporâneo
passa a se inspirar cada vez mais na base filosófica de um Sócrates e de outros
filósofos indianos, por exemplo. Após ter atingido o apogeu da revolução tecno-científica
e se sentir mais solitário, angustiado, ansioso e infeliz do que nunca, só lhe
resta buscar o conhecimento capaz de assegurar algo tão complexo e tão simples
ao mesmo tempo: a conquista da ‘serenidade’.
O homem
precisa de muita sabedoria para enfrentar o futuro. Sócrates eternizou-se com a
sua verdade sobre o que é essencial à natureza humana.
Fonte de referências:
https://teonanacatl.org/threads/s%C3%B3crates-e-a-filosofia-do-auto-conhecimento-feliz.1982/, ‘Sócrates e a filosofia do autoconhecimento’, Fernanda Negreiros.
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Revisão do
texto:
Márcia Navarro Cipólli
“Sócrates foi um filósofo grego que andava pelas ruas de Atenas, onde havia lojas de comércio, e também vendedores chegavam à porta e perguntavam se ele desejava alguma coisa. Ele respondia: “Não, estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz”. Sócrates, para ser feliz, tem necessidade de muitíssimas coisas: são coisas que não se veem, não podem ser tocadas, mas são extraordinariamente raras e onerosas, porque custam sensibilidade, sabedoria e riqueza de vida interior.” Fonte: 'Diálogos Criativos', Domenico De Masi e Frei Betto
ResponderExcluir“Sócrates acreditava no conhecimento, sim, mas não na arrogância dos presumidos conhecedores.”
ResponderExcluir(João Pereira Coutinho, ‘Em defesa das causas perdidas’, Folha de S.Paulo, 12/9/2017)
“Sócrates acreditava no conhecimento, sim, mas não na arrogância dos presumidos conhecedores.”
ResponderExcluir(João Pereira Coutinho, ‘Em defesa das causas perdidas’, Folha de S.Paulo, 12/9/2017)
bem louco
ResponderExcluirQue texto maravilhoso!
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