A
espiritualidade e a política são duas realidades fundamentais da vida. Tal foi
recentemente expresso por Ken Wiber: ‘No âmbito do interpessoal, no reino de
como tu e eu nos relacionamos com o outro como seres sociais, não há áreas mais
importantes do que as da espiritualidade e da política’.
Imagem:
http://casavogue.globo.com/Interiores/casas/noticia/2016/08/conheca-o-palacio-da-alvorada.html
NÃO TENHO
vocação para política (tal como popularmente é definida esta palavra). Nem para
analisá-la, nem tampouco para exercê-la. A política que vejo se
descolou da confiança. A promessa e a mentira a conduzem. Reconhecendo que nenhuma profissão seria mais nobre do
que a política, quem a exerce deveria estar apto a assumir responsabilidades só
compatíveis com grandes qualidades morais e competência. Mas, como escreveu
Fernanda Torres, atriz e escritora, “É impossível, na política, separar
fingimento de honestidade. [...] Para prosperar nesse meio, é preciso se
descolar da realidade e erradicar de si qualquer vestígio de moralidade”. Minha
busca é pela tolerância, honestidade, humildade, generosidade, empatia,
serenidade..., que nada têm em comum com a vigente realidade política. A filosofia
e a psicologia me atraem, sim, com foco no progresso humano. Ao contrário dos políticos
atores, a maioria das coisas que faço é intuitiva, com foco na realidade do ser
humano, e nada premeditada. Daí eu me identificar com algumas ideias de José Ortega
y Gasset (1883-1955).
Em seu artigo ‘Ortega e as circunstâncias’,
Nivaldo Cordeiro revela que a frase mais famosa desse filósofo espanhol é “Eu
sou eu e a minha circunstância e se não a salvo, não salvo a mim mesmo”.
Segundo Cordeiro, depois da expressão “Penso,
logo existo”, de Descartes, a frase de Gasset é a mais sensacional síntese
filosófica que um pensador tenha conseguido.
Em ‘O homem e sua circunstância: introdução à
filosofia de Ortega y Gasset’, Vilson Ribeiro Santos também descreve: “Há
em Ortega uma rigorosa conceituação filosófica acerca da relação entre o Eu e
sua circunstância. Nessa fórmula, temos um
‘Eu’ que está nativamente aberto à sua circunstância, isto é, à realidade que o circunda. Esta realidade é, sem dúvida, distinta do Eu; mas, ao mesmo tempo, é inseparável dele; de modo que, para Ortega, não há como salvar o Eu sem sua circunstância”.
‘Eu’ que está nativamente aberto à sua circunstância, isto é, à realidade que o circunda. Esta realidade é, sem dúvida, distinta do Eu; mas, ao mesmo tempo, é inseparável dele; de modo que, para Ortega, não há como salvar o Eu sem sua circunstância”.
E o que significa salvar
a circunstância?, indaga Vilson Ribeiro. “Salvá-la significa compreendê-la.” E
compreender, para Ortega, é conduzir generosamente as coisas à plenitude do seu
significado, é ligar coisa com coisa e tudo conosco, numa viva pertinência
recíproca. A circunstância, como mostra Vilson Ribeiro, é o ponto de partida
para toda reflexão filosófica sobre o ser do homem.
Os principais conflitos mundiais, envolvendo divergências
políticas e/ou religiosas, atestam uma insanidade
no trato com as circunstâncias. Conflitos civis na Síria, Líbia e Sudão, crise
entre as Coreias do Norte e do Sul, Estado Islâmico e seus atentados, crise de
refugiados na Europa; tensões e violência na Venezuela, Rio de Janeiro... geram
as circunstâncias que empurrarão tantos ‘eus’ para vidas às quais não estavam
originalmente destinados no ciclo evolutivo das existências (isto para mim, que admito a teoria
reencarnacionista). “Quando o coração se amargura e se pensa nos governos, de
municípios a nações, e o séquito de políticos que os acompanham, estes parecem
uma legião de demônios incorporados em seres inescrupulosos. Os maus
políticos, que se organizam em bandos, ainda conseguem manobrar o mundo, muitas
vezes de forma bárbara, dizimando milhares de seres (humanos e não humanos)”, conduz
o meu raciocínio Roberto da Graça Lopes, amigo-irmão com o qual discuto frequentemente
sobre a Existência como um todo.
Segundo Ted Piccone, pesquisador sênior do
Instituto Brookings, especialista em
ordem global e política internacional, as pessoas estão insatisfeitas com o status quo e buscam tornar o sistema
mais democrático e representativo, mas acabam gerando estresse para a própria
soberania popular. Em entrevista a Daniel Buarque (‘Mundo passa por uma recessão dos
ideais democráticos, diz pesquisador’, Folha de S. Paulo
de 25/06/2016), Piccone fala sobre o estado da democracia e sobre como a busca
por melhor representatividade pode levar a sistemas políticos mais fechados.
Ele diz que, após duas ou três décadas de
democratização constante em todo o mundo, estamos diante de uma recessão nesse
sistema. “As democracias estabelecidas estão passando por uma crise de
confiança na sua capacidade de manter o crescimento econômico e de governar com
eficácia. A renda média em democracias emergentes está entrando em estagnação
ou enfrentando retrocesso. Em muitas democracias, os eleitores estão rejeitando
partidos e líderes políticos tradicionais. Há muitos anos as pesquisas de
opinião em todo o mundo mostram que a maioria das pessoas está insatisfeita com
os serviços públicos, a economia e o funcionamento da democracia. As pessoas
querem que o sistema seja democrático, querem mais abertura, pois estão muito
insatisfeitas com a situação existente.”
Para Piccone, há uma percepção de que a classe
política é corrupta, e da qual precisamos nos livrar, para começar de novo. “O
processo democrático tradicional passa pela eleição de líderes representantes,
que tomam as decisões políticas de forma racional. Ao levar a decisão para os
eleitores, abre-se espaço para uma tomada de decisão emocional, que pode não
ter o resultado ideal para a população. Trata-se de uma reação emocional, que
vem de um desejo de mudar o sistema, mesmo sem pensar muito bem nas consequências.”
“Por causa da frustração com o quão lenta a mudança
está ocorrendo, as pessoas preferem acelerar o processo e fazer mudanças
abruptas. Elas pensam que, já que o sistema não está interessado em mudar as
coisas, é melhor radicalizar e torcer para que dê tudo certo. O problema é que,
para os políticos tradicionais, as alternativas ofertadas não são muito
atraentes. Mas a insatisfação com a política tradicional é tão grande que os
eleitores não votam de acordo com seus interesses e acabam indo contra o que
seria melhor para eles. Ainda teremos muito tumulto político e instabilidade,
levando a um bloqueio do sistema e a soluções mais radicais. As pessoas estão
insatisfeitas, e isso leva a uma polarização política cada vez maior. Temos
motivos reais para ficar preocupados. O Estado e as pessoas estão reagindo à
globalização, ao movimento das pessoas através de fronteiras, de forma
perigosa. Estamos enfrentando um momento em que precisamos pensar com calma
sobre a democracia e a integração global. No caso do Reino Unido, os eleitores
decidiram por sair da União Europeia, e é preciso aceitar a decisão. Com o
tempo, vamos ver as consequências da decisão, e os eleitores vão ter que
encarar a responsabilidade por suas escolhas. É uma evolução natural”, explica
Ted Piccone.
Como alinhava Roberto da Graça Lopes, “Tais marchas
e contramarchas da democracia vêm de que o fiel da balança está na consciência
ainda sonambúlica das massas e no desejo de bem-estar individual. O
verdadeiramente coletivo ainda é utópico, é exercício de futurismo. É o ser
individual que exercita o voto e escolhe líderes segundo a melhor promessa de
usufruto pessoal e não comunitário (e se não faz isto nem pensando em sua
cidade, em sua ‘própria gente’, o que se dirá no coletivo transnacional). E é
aqui a brecha para que, em plena democracia, seres sem ética e escrúpulos se tornem
políticos radicais. E se qualquer gestão (de ‘direita’ ou ‘esquerda’), sempre
dependente da ambiência internacional (nenhum país é uma ilha, embora alguns
políticos e/ou ditadores acreditem ser isto possível), desembocar em crise, a
tendência é que se culpem os outros, os estrangeiros, os alienígenas. E os
regimes se fechem, e os corações se fechem, o chauvinismo se instaure e os
oportunistas se instalem no poder, empunhando o cetro da corrupção e da
enganação (e uma vez lá, se agarram em suas cadeiras com mais força do que as
ostras se ‘agarram’ às pedras)”.
Para enxergar por outro ângulo e reduzir o
pessimismo, em ‘Espiritualidade
e Política’ (detalhes em http://www.fundacao-betania.org/biblioteca/cadernos/pdf/Caderno_29_Espiritualidade_e_Politica_Emma_Ocana.pdf), Emma Ocaña relata:
“Antes de mais
nada, penso que é conveniente clarificar os dois termos: ESPIRITUALIDADE e POLÍTICA. Por diversas
razões, talvez estejamos perante dois termos desprestigiados, desgastados, e
manipulados pelo uso incorreto que deles se fez. Durante muito tempo, quiseram
separar espiritualidade de política, como duas realidades diametralmente
opostas e/ou inconciliáveis. Pretendemos, mostrar, pelo contrário, a profunda
relação entre ambas as realidades. A
espiritualidade e a política são duas realidades fundamentais da vida. Tal
foi recentemente expresso por Ken Wiber: “No âmbito do interpessoal, no reino
de como tu e eu nos relacionamos com o outro como seres sociais, não há áreas
mais importantes do que as da espiritualidade e da política”.
Como definir a
política?, indaga Ocaña. “Antes de qualquer definição, devo reconhecer que a
política está hoje numa situação de profundo descrédito, degradada, maltratada
por muitos dos que exercem o poder político direto como parte da cidadania. O
grande perigo do nosso momento histórico é cair na armadilha de acreditar que é
possível prescindir da política, dos políticos de profissão, porque pior que
uma política má é a sua ausência. É verdade que temos muitos dados para estar
desencantados com a política, sobretudo se a reduzimos, identificando-a tanto
com a militância de partido quanto com a ação direta de governar. Josep
Ramoneda, no prólogo de um interessante livro de Daniel Inneraty, ‘La política en tempos de indignación’,
expressa muito adequadamente: ‘A política é o único poder ao alcance de quem
não tem poder’.
[...] O
(âmbito) pessoal é político foi uma das grandes contribuições do feminismo. Foi
o momento em que se tornou evidente que o patriarcalismo, o machismo, a
violência de gênero não são temas puramente privados, de âmbito familiar ou
pessoal, mas um grave problema político, que é necessário tornar visível.
Partindo desta conquista, afirmo o fato da dimensão política das pessoas. Os
nossos corpos são lugares políticos, a nossa maneira de nos situarmos na
realidade, os nossos valores, crenças, atitudes não são algo privado e apenas
pessoal, mas nós somos as pessoas humanas que constroem e/ou apoiam - ou não -
determinadas políticas. Sem a nossa colaboração ativa não haverá mudanças
significativas sociopolíticas ou econômicas.”
Este artigo tem o objetivo único de reunir algumas
ideias capazes de auxiliar o leitor numa reflexão mais ampla do fenômeno
político. Quem se sente capaz de trabalhar no sentido de disseminar outras ideias
produtivas para o mundo, que o faça! Não importa o veículo disponível. As ainda
raras pessoas conscientes já o fazem. Estas, ao reconhecerem o seu privilégio
natural de acesso ao Conhecimento, sentem-se responsáveis por tal missão.
E você, o que você acha da política? Sujeita ao insucesso? ...
· Revisão do texto: Roberto da Graça Lopes e
Márcia Navarro Cipólli
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