terça-feira, 6 de dezembro de 2016

NÃO TENHO VOCAÇÃO PARA A POLÍTICA, NUM MUNDO TÃO EQUIVOCADO...

  A espiritualidade e a política são duas realidades fundamentais da vida. Tal foi recentemente expresso por Ken Wiber: ‘No âmbito do interpessoal, no reino de como tu e eu nos relacionamos com o outro como seres sociais, não há áreas mais importantes do que as da espiritualidade e da política’.




Tom Simões, jornalista, Santos (São Paulo, Brasil), tomsimoes@hotmail.com, dezembro    2016


NÃO TENHO vocação para política (tal como popularmente é definida esta palavra). Nem para analisá-la, nem tampouco para exercê-la. A política que vejo se descolou da confiança. A promessa e a mentira a conduzem. Reconhecendo que nenhuma profissão seria mais nobre do que a política, quem a exerce deveria estar apto a assumir responsabilidades só compatíveis com grandes qualidades morais e competência. Mas, como escreveu Fernanda Torres, atriz e escritora, “É impossível, na política, separar fingimento de honestidade. [...] Para prosperar nesse meio, é preciso se descolar da realidade e erradicar de si qualquer vestígio de moralidade”. Minha busca é pela tolerância, honestidade, humildade, generosidade, empatia, serenidade..., que nada têm em comum com a vigente realidade política. A filosofia e a psicologia me atraem, sim, com foco no progresso humano. Ao contrário dos políticos atores, a maioria das coisas que faço é intuitiva, com foco na realidade do ser humano, e nada premeditada. Daí eu me identificar com algumas ideias de José Ortega y Gasset (1883-1955).

Em seu artigo ‘Ortega e as circunstâncias’, Nivaldo Cordeiro revela que a frase mais famosa desse filósofo espanhol é “Eu sou eu e a minha circunstância e se não a salvo, não salvo a mim mesmo”. Segundo Cordeiro, depois da expressão “Penso, logo existo”, de Descartes, a frase de Gasset é a mais sensacional síntese filosófica que um pensador tenha conseguido.


Em ‘O homem e sua circunstância: introdução à filosofia de Ortega y Gasset’, Vilson Ribeiro Santos também descreve: “Há em Ortega uma rigorosa conceituação filosófica acerca da relação entre o Eu e sua circunstância. Nessa fórmula, temos um
‘Eu’ que está nativamente aberto à sua circunstância, isto é, à realidade que o circunda. Esta realidade é, sem dúvida, distinta do Eu; mas, ao mesmo tempo, é inseparável dele; de modo que, para Ortega, não há como salvar o Eu sem sua circunstância”.

E o que significa salvar a circunstância?, indaga Vilson Ribeiro. “Salvá-la significa compreendê-la.” E compreender, para Ortega, é conduzir generosamente as coisas à plenitude do seu significado, é ligar coisa com coisa e tudo conosco, numa viva pertinência recíproca. A circunstância, como mostra Vilson Ribeiro, é o ponto de partida para toda reflexão filosófica sobre o ser do homem.

Os principais conflitos mundiais, envolvendo divergências políticas e/ou religiosas,  atestam uma insanidade no trato com as circunstâncias. Conflitos civis na Síria, Líbia e Sudão, crise entre as Coreias do Norte e do Sul, Estado Islâmico e seus atentados, crise de refugiados na Europa; tensões e violência na Venezuela, Rio de Janeiro... geram as circunstâncias que empurrarão tantos ‘eus’ para vidas às quais não estavam originalmente destinados no ciclo evolutivo das existências (isto para mim, que admito a teoria reencarnacionista). “Quando o coração se amargura e se pensa nos governos, de municípios a nações, e o séquito de políticos que os acompanham, estes parecem uma legião de demônios incorporados em seres inescrupulosos. Os maus políticos, que se organizam em bandos, ainda conseguem manobrar o mundo, muitas vezes de forma bárbara, dizimando milhares de seres (humanos e não humanos)”, conduz o meu raciocínio Roberto da Graça Lopes, amigo-irmão com o qual discuto frequentemente sobre a Existência como um todo.

Segundo Ted Piccone, pesquisador sênior do Instituto Brookings, especialista em ordem global e política internacional, as pessoas estão insatisfeitas com o status quo e buscam tornar o sistema mais democrático e representativo, mas acabam gerando estresse para a própria soberania popular. Em entrevista a Daniel Buarque (‘Mundo passa por uma recessão dos ideais democráticos, diz pesquisador’, Folha de S. Paulo de 25/06/2016), Piccone fala sobre o estado da democracia e sobre como a busca por melhor representatividade pode levar a sistemas políticos mais fechados.

Ele diz que, após duas ou três décadas de democratização constante em todo o mundo, estamos diante de uma recessão nesse sistema. “As democracias estabelecidas estão passando por uma crise de confiança na sua capacidade de manter o crescimento econômico e de governar com eficácia. A renda média em democracias emergentes está entrando em estagnação ou enfrentando retrocesso. Em muitas democracias, os eleitores estão rejeitando partidos e líderes políticos tradicionais. Há muitos anos as pesquisas de opinião em todo o mundo mostram que a maioria das pessoas está insatisfeita com os serviços públicos, a economia e o funcionamento da democracia. As pessoas querem que o sistema seja democrático, querem mais abertura, pois estão muito insatisfeitas com a situação existente.”   

Para Piccone, há uma percepção de que a classe política é corrupta, e da qual precisamos nos livrar, para começar de novo. “O processo democrático tradicional passa pela eleição de líderes representantes, que tomam as decisões políticas de forma racional. Ao levar a decisão para os eleitores, abre-se espaço para uma tomada de decisão emocional, que pode não ter o resultado ideal para a população. Trata-se de uma reação emocional, que vem de um desejo de mudar o sistema, mesmo sem pensar muito bem nas consequências.”  

“Por causa da frustração com o quão lenta a mudança está ocorrendo, as pessoas preferem acelerar o processo e fazer mudanças abruptas. Elas pensam que, já que o sistema não está interessado em mudar as coisas, é melhor radicalizar e torcer para que dê tudo certo. O problema é que, para os políticos tradicionais, as alternativas ofertadas não são muito atraentes. Mas a insatisfação com a política tradicional é tão grande que os eleitores não votam de acordo com seus interesses e acabam indo contra o que seria melhor para eles. Ainda teremos muito tumulto político e instabilidade, levando a um bloqueio do sistema e a soluções mais radicais. As pessoas estão insatisfeitas, e isso leva a uma polarização política cada vez maior. Temos motivos reais para ficar preocupados. O Estado e as pessoas estão reagindo à globalização, ao movimento das pessoas através de fronteiras, de forma perigosa. Estamos enfrentando um momento em que precisamos pensar com calma sobre a democracia e a integração global. No caso do Reino Unido, os eleitores decidiram por sair da União Europeia, e é preciso aceitar a decisão. Com o tempo, vamos ver as consequências da decisão, e os eleitores vão ter que encarar a responsabilidade por suas escolhas. É uma evolução natural”, explica Ted Piccone.

Como alinhava Roberto da Graça Lopes, “Tais marchas e contramarchas da democracia vêm de que o fiel da balança está na consciência ainda sonambúlica das massas e no desejo de bem-estar individual. O verdadeiramente coletivo ainda é utópico, é exercício de futurismo. É o ser individual que exercita o voto e escolhe líderes segundo a melhor promessa de usufruto pessoal e não comunitário (e se não faz isto nem pensando em sua cidade, em sua ‘própria gente’, o que se dirá no coletivo transnacional). E é aqui a brecha para que, em plena democracia, seres sem ética e escrúpulos se tornem políticos radicais. E se qualquer gestão (de ‘direita’ ou ‘esquerda’), sempre dependente da ambiência internacional (nenhum país é uma ilha, embora alguns políticos e/ou ditadores acreditem ser isto possível), desembocar em crise, a tendência é que se culpem os outros, os estrangeiros, os alienígenas. E os regimes se fechem, e os corações se fechem, o chauvinismo se instaure e os oportunistas se instalem no poder, empunhando o cetro da corrupção e da enganação (e uma vez lá, se agarram em suas cadeiras com mais força do que as ostras se ‘agarram’ às pedras)”. 
  
Para enxergar por outro ângulo e reduzir o pessimismo, em Espiritualidade e Política’ (detalhes em http://www.fundacao-betania.org/biblioteca/cadernos/pdf/Caderno_29_Espiritualidade_e_Politica_Emma_Ocana.pdf), Emma Ocaña relata:

“Antes de mais nada, penso que é conveniente clarificar os dois termos:  ESPIRITUALIDADE e POLÍTICA. Por diversas razões, talvez estejamos perante dois termos desprestigiados, desgastados, e manipulados pelo uso incorreto que deles se fez. Durante muito tempo, quiseram separar espiritualidade de política, como duas realidades diametralmente opostas e/ou inconciliáveis. Pretendemos, mostrar, pelo contrário, a profunda relação entre ambas as realidades. A espiritualidade e a política são duas realidades fundamentais da vida. Tal foi recentemente expresso por Ken Wiber: “No âmbito do interpessoal, no reino de como tu e eu nos relacionamos com o outro como seres sociais, não há áreas mais importantes do que as da espiritualidade e da política”.

Como definir a política?, indaga Ocaña. “Antes de qualquer definição, devo reconhecer que a política está hoje numa situação de profundo descrédito, degradada, maltratada por muitos dos que exercem o poder político direto como parte da cidadania. O grande perigo do nosso momento histórico é cair na armadilha de acreditar que é possível prescindir da política, dos políticos de profissão, porque pior que uma política má é a sua ausência. É verdade que temos muitos dados para estar desencantados com a política, sobretudo se a reduzimos, identificando-a tanto com a militância de partido quanto com a ação direta de governar. Josep Ramoneda, no prólogo de um interessante livro de Daniel Inneraty, ‘La política en tempos de indignación’, expressa muito adequadamente: ‘A política é o único poder ao alcance de quem não tem poder’. 

[...] O (âmbito) pessoal é político foi uma das grandes contribuições do feminismo. Foi o momento em que se tornou evidente que o patriarcalismo, o machismo, a violência de gênero não são temas puramente privados, de âmbito familiar ou pessoal, mas um grave problema político, que é necessário tornar visível. Partindo desta conquista, afirmo o fato da dimensão política das pessoas. Os nossos corpos são lugares políticos, a nossa maneira de nos situarmos na realidade, os nossos valores, crenças, atitudes não são algo privado e apenas pessoal, mas nós somos as pessoas humanas que constroem e/ou apoiam - ou não - determinadas políticas. Sem a nossa colaboração ativa não haverá mudanças significativas sociopolíticas ou econômicas.”

Este artigo tem o objetivo único de reunir algumas ideias capazes de auxiliar o leitor numa reflexão mais ampla do fenômeno político. Quem se sente capaz de trabalhar no sentido de disseminar outras ideias produtivas para o mundo, que o faça! Não importa o veículo disponível. As ainda raras pessoas conscientes já o fazem. Estas, ao reconhecerem o seu privilégio natural de acesso ao Conhecimento, sentem-se responsáveis por tal missão.

E você, o que você acha da política? Sujeita ao insucesso? ...



             ·           Revisão do texto: Roberto da Graça Lopes e Márcia Navarro Cipólli

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