segunda-feira, 20 de junho de 2016

Guardar segredos não é saudável para o cérebro

Tom Simões, tomsimoes@hotmail.com, com base na obra ‘Incógnito’, 20 de junho de 2016




“O que mais se sabe dos segredos é que guardá-los não é saudável para o cérebro”, escreve David Eagleman (neurocientista, nascido em 1971) em sua obra “Incógnito – As vidas secretas do cérebro”.

Nesse livro, Eagleman cita o psicólogo James Pennebaker e colaboradores, que estudaram o que acontece quando vítimas de estupro e incesto, agindo por vergonha ou culpa, preferem guardar segredo. “Depois de anos de estudo, Pennebaker concluiu que ‘o ato de não discutir ou confidenciar o evento com outros pode ser mais prejudicial do que ter vivido o evento per se’. De acordo com Eagleman, o psicólogo e sua equipe descobriram que, quando os participantes confessavam ou escreviam sobre seus segredos bem guardados, sua saúde melhorava, o número de consultas ao médico declinava e havia um decréscimo mensurável em seus níveis de hormônio de estresse.

Os resultados são bem claros, relata David Eagleman, “mas alguns anos atrás comecei a perguntar a mim mesmo como compreender essas descobertas do ponto de vista do cérebro. E isto levou a uma questão que percebi que não era abordada na literatura científica: o que é um segredo, da perspectiva da neurobiologia? Imagine construir uma rede neural artificial de milhões de neurônios interligados – como um segredo seria ali? Temos sistemas científicos úteis para compreender a doença de Parkinson, a percepção das cores e a sensação de temperatura – mas nenhum para entender o que significa para o cérebro ter e guardar um segredo”.

O autor explica que, no sistema da equipe de rivais, um segredo é facilmente compreendido: é o resultado da luta entre partidos concorrentes no cérebro. “Uma parte do cérebro quer revelar alguma coisa, outra parte não quer. Quando há votos conflitantes no cérebro – um para contar, outro para guardar -, isto define o segredo. Se nenhuma parte se importa de contar, é apenas um fato tedioso; se as duas partes querem contar, é uma boa história. Sem o sistema da rivalidade, não teríamos como compreender um segredo. O motivo para um segredo ser vivido conscientemente é que ele resulta de uma rivalidade. Não é corriqueiro.”

Outro ponto interessante, para Eagleman, é que o principal motivo para não se revelar um segredo é uma aversão às consequências de longo prazo. “Um amigo pode pensar mal de você, ou um amante pode ficar magoado, ou uma comunidade pode colocá-lo no ostracismo. Esta preocupação com o resultado é evidente pelo fato de que é mais provável que as pessoas contem seus segredos a completos estranhos; com alguém que você não conhece, o conflito neural pode ser dissipado sem custo nenhum. Por isso os estranhos podem ser sociáveis nos aviões, contando todos os detalhes de seus problemas conjugais, e por essa razão os confessionários continuam a ser um importante elemento de uma das maiores religiões do mundo. Pode explicar também o apelo da oração, em especial naquelas religiões que têm muitos deuses pessoais, deidades que emprestam os ouvidos com uma atenção indivisa e um amor infinito”, descreve o neurocientista.

Como ele exemplifica, esta necessidade ancestral de contar segredos a um estranho pode ser encontrada, recentemente, na forma de websites como o postsecret.com, onde as pessoas revelam anonimamente suas confissões.


E tem algo muito importante em tudo isso: “Conta-se um segredo em geral pelo próprio bem, e não como um convite para um conselho. Se o ouvinte vê uma solução óbvia para um problema revelado pelo segredo e comete o erro de sugeri-la, isto frustrará quem o conta – e ele realmente queria contar. O ato de contar um segredo pode ser em si a solução. Uma questão em aberto é por que o ouvinte dos segredos deve ser humano – ou semelhante a isso, no caso das deidades. Contar seus segredos a uma parede, um lagarto ou uma cabra é muito menos satisfatório”, arremata o autor. 


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