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segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A Alma do Museu (*)

Por Antônio Carlos Simões, jornalista, ex-diretor do Museu de Pesca de Santos (SP) e atual diretor do Centro de Comunicação do Instituto de Pesca, www.pesca.sp.gov.br, novembro de 2008 



Lembrando o cronista Rubem Alves, “Comemorar quer dizer ‘trazer de novo à memória’. Para quê? Para que se cumpra o ditado popular que diz ‘recordar é viver’. Dentre todos os seres vivos, os seres humanos são os únicos que se alimentam do passado.

Revela também o cronista: “Proust deu o nome de ‘Em Busca do Tempo Perdido’ à sua obra clássica. Se está perdido irremediavelmente no passado, por que se entregar à tarefa inútil de procurá-lo? Por fora, no mundo cotidiano do trabalho, estamos em busca de coisas novas. Mas a alma, nas penumbras em que mora, vive à procura de coisas velhas. Alma é saudade. Saudade é a inclinação da alma na direção das coisas amadas que se perderam. Saudade é a presença de uma ausência”.

Ao longo de sua representativa história, de todos os papéis desempenhados pelo nosso Museu de Pesca, há um deles que não retrata objetos, patrimônio, cultura, história, ensino, turismo... Este papel a que me refiro, para mim o mais importante, por se tratar do que é essencial em sua missão construtiva, diz respeito à Alma do Museu. Sim, à Alma do Museu.


Senhores convidados, instituições desta natureza, ao longo de sua vida, ficam impregnadas por emoções, alegrias, energias do Bem... Quem se permite  sentir a Alma, a sensação de Paz, de uma instituição como esta, percebe-a logo que chega ao local. A gente vai a um Museu para se distrair, se emocionar, se enriquecer, se divertir... É por essa razão que um Museu é um lugar muito especial, acolhedor, atraente, penetrante...

Por falar na Alma do Museu... Eu estava, nesta quarta-feira, dia 5 de novembro de 2008, acompanhando uma jornalista, para uma reportagem sobre os 100 Anos da Imigração Japonesa e da Edificação do Museu. Para minha surpresa, Simone, a repórter, interessou-se por um grupo de 26 crianças de uma escola da cidade de Olímpia, que visitavam a Instituição, o que me levou também ao envolvimento com aquele grupo.

Ao conversar com o coordenador da viagem, descobri naquela pessoa um idealista. Apesar de atuar como professor na área de Educação Física, José Paulo, com o seu natural interesse pela História, é o responsável pela programação das viagens a Santos, uma grande oportunidade para crianças, muitas delas que moram na roça, conhecerem a imensidão do mar.

Como muitos sabem, existe em Santos um local que acolhe, como uma singela hospedaria, grupos de crianças pobres cujos pais não têm condições de lhes oferecer oportunidade de viagens. É a Casa da Vovó Anita.

Ao receber as crianças, a Casa da Vovó proporciona vários entretenimentos a elas, com o apoio da Prefeitura e de outros setores da cidade. E então elas vêm ao Museu de Pesca e se encantam com o esqueleto da baleia, os tubarões, a Sala do Capitão... É bom demais acompanhar a fantasia infantil e sentir o brilho de felicidade nos olhos da criançada.

Durante a visita, José Paulo falou-me das dificuldades que encontra para programar uma viagem dessa natureza. Há pais que, preocupados, não autorizam a viagem dos filhos. Por isto, José Paulo sempre consegue trazer  com ele pais que se dispõem a auxiliar na viagem, além de alguns funcionários da Escola. Desta vez, foram dois pais. Na verdade, segundo José Paulo, a ideia é fazer com que esses pais, numa próxima vez, possam encorajar os pais preocupados com a viagem de seus filhos.

José Paulo disse-me ainda que a Prefeitura de Olímpia cede apenas o ônibus para a excursão cultural. Outras despesas, como combustível e pedágios, por exemplo, correm por conta da arrecadação de fundos pelas próprias crianças, como venda de pedaços de pizza e outras ações desenvolvidas na escola.

A Casa da Vovó Anita é uma benção a crianças que vivem em condições materiais limitadas. José Paulo diz que algumas delas chegam a passar fome. Ao ouvir isso, e sentindo a emoção refletida nos olhos do professor, ficou também muito difícil conter a minha emoção.

Em outro momento, emocionei-me ainda com o envolvimento de Gabriel, estudante de Oceanografia, monitor do Museu, ao despertar o interesse das crianças por informações sobre o mar, a biologia de animais aquáticos e a necessidade de preservação da Natureza.

Por que falar sobre tudo isto? Porque todas essas histórias e vivências fazem parte da vida do Museu de Pesca. Por isto, quando me refiro à Alma do Museu, refiro-me aos seus valores transcendentais, essa coisa que ultrapassa a mera compreensão do universo lógico.

O Museu tem Alma sim, tem um enorme Coração para acolher, sobretudo, a imaginação infantil e seres humanos generosos, como José Paulo, cuja ação individual é uma referência a pessoas que têm o desejo de transformar o mundo.

Nós somos sempre eternas crianças. Que bom quando conseguimos conciliar, por toda a vida, a fantasia e a inocência inatas da criança com a generosidade e a sabedoria de um grande Mestre. O mundo precisa de muitos museus e “Josés Paulo” para transformar a vida de crianças e levar adultos à auto-reflexão, ao entendimento e à mudança positiva de comportamento rumo à esperança de uma sociedade menos individualista e injusta.

Portanto, senhores convidados, em minha concepção, a imagem de uma instituição museológica não reflete apenas a preservação e exposição de objetos, ela comporta outras funções quando o museu assume o seu verdadeiro papel de instrumento prático de educação e formação de novas mentalidades.
É justamente nesse processo construtivo que a alma do museu resplandece e se reflete na emoção de seus visitantes.

Neste dia especial, a alma do Museu de Pesca reflete especialmente a sua luz a todos que aqui estão prestigiando a homenagem ao querido povo japonês.   

Muito obrigado!
8 de novembro de 2008

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(*) Texto apresentado por ocasião da comemoração dos 100 Anos da Imigração Japonesa e da Edificação do Museu de Pesca. Esse museu pertence ao Instituto de Pesca, vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. 

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