Por Antônio Carlos Simões, jornalista, ex-diretor do Museu de Pesca de
Santos (SP) e atual diretor do Centro de Comunicação do Instituto de Pesca, www.pesca.sp.gov.br, novembro de 2008
Lembrando o cronista Rubem Alves, “Comemorar
quer dizer ‘trazer de novo à memória’. Para quê? Para que se cumpra o ditado
popular que diz ‘recordar é viver’. Dentre todos os seres vivos, os seres
humanos são os únicos que se alimentam do passado.”
Revela também o cronista: “Proust
deu o nome de ‘Em Busca do Tempo Perdido’ à sua obra clássica. Se está perdido
irremediavelmente no passado, por que se entregar à tarefa inútil de
procurá-lo? Por fora, no mundo cotidiano do trabalho, estamos em busca de
coisas novas. Mas a alma, nas penumbras em que mora, vive à procura de coisas
velhas. Alma é saudade. Saudade é a inclinação da alma na direção das coisas
amadas que se perderam. Saudade é a presença de uma ausência”.
Ao longo de sua representativa história, de todos os papéis desempenhados
pelo nosso Museu de Pesca, há um deles que não retrata objetos, patrimônio,
cultura, história, ensino, turismo... Este papel a que me refiro, para mim o
mais importante, por se tratar do que é essencial em sua missão construtiva,
diz respeito à Alma do Museu. Sim, à Alma do Museu.
Senhores convidados, instituições desta natureza, ao longo de sua vida,
ficam impregnadas por emoções, alegrias, energias do Bem... Quem se permite sentir a Alma, a sensação de Paz, de uma
instituição como esta, percebe-a logo que chega ao local. A gente vai a um Museu
para se distrair, se emocionar, se enriquecer, se divertir... É por essa razão
que um Museu é um lugar muito especial, acolhedor, atraente, penetrante...
Por falar na Alma do Museu... Eu estava, nesta quarta-feira, dia 5 de
novembro de 2008, acompanhando uma jornalista, para uma reportagem sobre os 100
Anos da Imigração Japonesa e da Edificação do Museu. Para minha surpresa,
Simone, a repórter, interessou-se por um grupo de 26 crianças de uma escola da
cidade de Olímpia, que visitavam a Instituição, o que me levou também ao
envolvimento com aquele grupo.
Ao conversar com o coordenador da viagem, descobri naquela pessoa um
idealista. Apesar de atuar como professor na área de Educação Física, José
Paulo, com o seu natural interesse pela História, é o responsável pela
programação das viagens a Santos, uma grande oportunidade para crianças, muitas
delas que moram na roça, conhecerem a imensidão do mar.
Como muitos sabem, existe em Santos um local que acolhe, como uma singela hospedaria,
grupos de crianças pobres cujos pais não têm condições de lhes oferecer
oportunidade de viagens. É a Casa da Vovó Anita.
Ao receber as crianças, a Casa da Vovó proporciona vários entretenimentos
a elas, com o apoio da Prefeitura e de outros setores da cidade. E então elas
vêm ao Museu de Pesca e se encantam com o esqueleto da baleia, os tubarões, a
Sala do Capitão... É bom demais acompanhar a fantasia infantil e sentir o
brilho de felicidade nos olhos da criançada.
Durante a visita, José Paulo falou-me das dificuldades que encontra para
programar uma viagem dessa natureza. Há pais que, preocupados, não autorizam a
viagem dos filhos. Por isto, José Paulo sempre consegue trazer com ele pais que se dispõem a auxiliar na
viagem, além de alguns funcionários da Escola. Desta vez, foram dois pais. Na
verdade, segundo José Paulo, a ideia é fazer com que esses pais, numa próxima
vez, possam encorajar os pais preocupados com a viagem de seus filhos.
José Paulo disse-me ainda que a Prefeitura de Olímpia cede apenas o ônibus
para a excursão cultural. Outras despesas, como combustível e pedágios, por
exemplo, correm por conta da arrecadação de fundos pelas próprias crianças,
como venda de pedaços de pizza e outras ações desenvolvidas na escola.
A Casa da Vovó Anita é uma benção a crianças que vivem em condições
materiais limitadas. José Paulo diz que algumas delas chegam a passar fome. Ao
ouvir isso, e sentindo a emoção refletida nos olhos do professor, ficou também muito
difícil conter a minha emoção.
Em outro momento, emocionei-me ainda com o envolvimento de Gabriel,
estudante de Oceanografia, monitor do Museu, ao despertar o interesse das
crianças por informações sobre o mar, a biologia de animais aquáticos e a
necessidade de preservação da Natureza.
Por que falar sobre tudo isto? Porque todas essas histórias e vivências
fazem parte da vida do Museu de Pesca. Por isto, quando me refiro à Alma do
Museu, refiro-me aos seus valores transcendentais, essa coisa que ultrapassa a
mera compreensão do universo lógico.
O Museu tem Alma sim, tem um enorme Coração para acolher, sobretudo, a
imaginação infantil e seres humanos generosos, como José Paulo, cuja ação individual
é uma referência a pessoas que têm o desejo de transformar o mundo.
Nós somos sempre eternas crianças. Que bom quando conseguimos conciliar,
por toda a vida, a fantasia e a inocência inatas da criança com a generosidade
e a sabedoria de um grande Mestre. O mundo precisa de muitos museus e “Josés
Paulo” para transformar a vida de crianças e levar adultos à auto-reflexão, ao entendimento
e à mudança positiva de comportamento rumo à esperança de uma sociedade menos
individualista e injusta.
Portanto, senhores convidados, em minha concepção, a imagem de uma
instituição museológica não reflete apenas a preservação e exposição de
objetos, ela comporta outras funções quando o museu assume o seu verdadeiro
papel de instrumento prático de educação e formação de novas mentalidades.
É justamente nesse processo construtivo que a alma do museu resplandece e
se reflete na emoção de seus visitantes.
Neste dia especial, a alma do Museu de Pesca reflete especialmente a sua
luz a todos que aqui estão prestigiando a homenagem ao querido povo japonês.
Muito obrigado!
8 de novembro de 2008
__________________
(*) Texto apresentado por ocasião da comemoração dos 100 Anos da Imigração
Japonesa e da Edificação do Museu de Pesca. Esse museu pertence ao Instituto de
Pesca, vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São
Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Para comentar mais facilmente, ao clicar em “Comentar como – Selecionar Perfil”, selecione NOME/URL. Após fazer a seleção, digite seu NOME e, em URL (preenchimento opcional), coloque o endereço do seu site.