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terça-feira, 1 de julho de 2014

PELADEIROS: O LADO LÚDICO DO FUTEBOL

Homenagem aos amigos do Clube Internacional de Regatas
Tom Simões, tomsimoes@hotmail.com

Imagem: Jaime Pedro Pereira Rodrigues

ASSISTI recentemente ao filme “Tarja Branca”, excelente documentário sobre brincadeiras infantis, dirigido por Cacau Rhoden, cuja chamada é esta: “Brincar é um dos atos mais ancestrais desenvolvidos pelo homem, tanto para se conhecer melhor quanto para se relacionar com o mundo. Mas, o que esse ato tão primordial pode revelar sobre nós, seres humanos, e sobre o mundo em que vivemos?”.

O filme conduziu-me à infância, quando era comum brincar na rua, ainda de terra, em que eu morava, na cidade de Santos (Estado de São Paulo), no antigo Bairro do Macuco, próximo ao canal 6. A criançada brincando; a molecada tirando sarro um do outro. Pulando corda, jogando futebol de rua, andando de bicicleta, escalando árvores, pulando fogueira, jogando tamboréu... Pega-pega, esconde-esconde, gangorra, balanço, roda-pião, pular amarelinha, bambolê, patinete, pular ondas na praia...


Daí, eu imaginar, agora, adultos brincando como crianças, durante o futebol de areia (‘pelada’), por exemplo, dando vazão ao seu espírito lúdico, essa prática tão fundamental à natureza humana, tão essencial. Por que essas pessoas são tão fanáticas pela pelada? O que essa modalidade esportiva tem de tão mágico? A pelada tem algo cativante, motivador, alegre, descontraído, contagiante: é a própria ‘brincadeira’. Esse é o lado da infância que o adulto deve sempre manter: a vontade de brincar. Quem não sabe brincar pode ficar até triste, ao ver outros brincando e não ter coragem para tanto. Quem não sabe brincar chega a chamar, pejorativamente, o adulto que brinca de ‘adulto infantil’. Porém, na verdade, há nessas pessoas um desejo reprimido de experimentar o seu lado lúdico.

A brincadeira é uma forma de desenvolver a criatividade, os conhecimentos, através de jogos, música, dança, proporcionando diversão e interação com os outros. Lamentavelmente, hoje, raras crianças experimentam as antigas brincadeiras; na era da digitalização, as crianças ficam mais sentadas, brincando com o computador, e praticam esportes orientados por profissionais: futebol de salão, patinação, natação, ballet, vôlei, basquete..., que são importantes para o desenvolvimento físico, social e também profissional. Entretanto, todos esses esportes têm uma característica básica que as brincadeiras espontâneas não têm: ‘disciplina’; com isso, as crianças perdem a sua espontaneidade e liberdade. No desenvolvimento infantil, é justamente essa lacuna que precisa ser preenchida pelos pais com as descompromissadas brincadeiras.

“Apesar da importância que o lúdico traz de benefício na aprendizagem do passe, ainda deparamos nas escolas e escolinhas de futebol com métodos de ensino tecnicistas, métodos esses, de um modo geral, caracterizados por uma preocupação excessiva no desenvolvimento das habilidades físicas e motoras dos alunos, buscando apenas os mais aptos”, escreve Leoncio Dantas Junior, leoncio-junior@ig.com.br, em sua dissertação ‘O desenvolvimento do passe do futebol através de jogos lúdicos’, apresentada ao Programa de Pós-graduação Lato-sensu da Universidade Gama Filho (‘Futebol e futsal: as ciências do esporte e a metodologia do treinamento’).


“Resgatando brincadeiras antigas”

“Antigamente as crianças não tinham tantos brinquedos como as de hoje e, por isso, tinham que usar mais a criatividade para criá-los. Usavam tocos de madeira, pedrinhas, legumes e palitos para fazer animais, além de brincadeiras como amarelinha, cinco Marias, bolinha de gude, cantigas de roda, passa -anel, roda-pião, empinar pipa, dentre várias outras e, assim, se divertiram por décadas e décadas.” Trata-se de algo que se encaixa muito bem aqui, que encontrei no site http://www.brasilescola.com/dia-das-criancas/resgatando-brincadeiras-antigas.htm Segundo essa mesma fonte, com os avanços da modernidade, a tecnologia trouxe brinquedos que não exigem a criatividade das crianças, pois elas já encontram tudo pronto. “Uma boa sugestão para comemorar um ‘Dia das Crianças’ é a família fazer um levantamento das brincadeiras do tempo de seus pais e de seus avós, aproveitando para se distraírem com seus filhos, ensinando-lhes outras formas de diversão e as possibilidades de se criarem jogos e brincadeiras. O mais importante disso? Ensiná-los que para brincar não precisamos gastar.”

Conforme citação na Wikipedia, enciclopédia, a pelada (também conhecida como ‘racha, rachão’) é o nome dado a uma partida recreativa de futebol com regras livres, normalmente sem a preocupação com tamanhos de quadra/campo, condição dos calçados e uniformes, marcações básicas (pequena e grande área, circulo central), impedimentos, faltas, tempo de jogo (muitas vezes as partidas são definidas em número de gols), sendo tudo resolvido em consenso entre os próprios jogadores. A pelada, a instância mais amadora do futebol, é uma gíria também utilizada pelos torcedores para designar uma partida profissional de baixa qualidade técnica ou desinteressante.

É nesse particular que o adulto resgata a criança que vive dentro dele. No campo ou na quadra de futebol, na areia da praia, e também jogando vôlei, tamboréu..., o adulto perde a noção do tempo e redescobre a sua eterna fantasia.


O futebol como fator de socialização

Ao observar meus amigos jogando pelada no Clube Internacional de Regatas de Santos, todas essas ideias vêm em minha mente. Um deles chama a atenção para o colega que reclama muito, outro xinga o goleiro, outro mexe com o juiz, e os apelidos, então, correm soltos. Essa é uma parte da brincadeira, a outra parte é a gozação entre os próprios ‘atletas’, durante a obrigatória sessão-cervejinha após o banho.

O vestiário é a terceira parte de toda a história, a começar pela ‘bagunça institucionalizada’: no dia do churrasco (última quinta-feira do mês), mochilas, roupas, chinelos e tênis misturam-se a louças, talheres e espetos! Rsss... Organização? Isso é lá em casa, sob a supervisão rigorosa da respeitada esposa! Ali, no vestiário, o ‘barraco da pelada’, é bagunça mesmo; bagunça de gente que brinca e se acha, mesmo quando não sabe onde colocou o calção do time ou outros objetos pessoais! E a gozação durante o banho coletivo? Alguém esqueceu em casa o sabonete? Não tem problema, vigora ali a lei da generosidade. Quer saber? Naquela divertida e contagiante zona de agitação, os adultos-moleques desopilam, divertem-se a valer para afastar do espírito eventuais preocupações. Amanhã é outro dia; agora a noite é só bola, tiração de sarro e cervejinha com os amigos.

A comparação, então, não é outra: eles brincam como crianças crescidas! E não dispensam jamais o obrigatório entretenimento das terças e quintas-feiras à noite, que traz um indescritível prazer e divertimento. E nem mesmo em dias de chuva eles abdicam da saudável brincadeira; descalços, jogam na areia enlameada. Na farra, vale tudo! Xingar o companheiro, tirar sarro com a cara do outro e ficar no pé dele o tempo todo, atrapalhando, também fazem parte dessa espécie de “jardim da infância – deixa-me brincar”. Algumas vezes, a coisa pode ficar até mais séria, nos superespontâneos contra-ataques, mas, na sessão-cervejinha, tudo se normaliza, ou então se guardam as inofensivas mágoas que,  naturalmente,  são esquecidas na próxima ‘peleja’.

“Tudo que sei aprendi no jardim de infância. Tudo o que hoje preciso realmente saber, sobre como viver, o que fazer e como ser, eu aprendi no jardim de infância. A sabedoria não se encontrava no topo de um curso de pós-graduação, mas no montinho de areia da escola de todo dia”, escreve Pedro Bial.

Isso me lembra também Mário Quintana, em “Para levar a infância a sério”; para o grande poeta, as crianças não brincam de brincar, brincam de verdade. “Vocês já repararam no olhar de uma criança quando interroga? A vida, a irrequieta inteligência que ela tem?”

Eu, Tom, não jogo futebol. E isso me dá certa frustração. Ando prometendo pra mim mesmo ensaiar algum dia uma peladinha. Mesmo para ser vaiado e motivo de tiração de sarro dos outros com a minha cara durante todo o tempo do jogo, eu sonho com essa ideia. Estou acostumado a ficar na arquibancada, divertindo-me com toda a molecagem movida a vaias, aplausos e xingamentos inofensivos. Daí é eu entrar em campo e deixar de lado a vaidade. Porque também se for para os peladeiros se esforçarem para me respeitar, cadê a graça e a espontaneidade da competição?

O jogo da pelada: esse é o tempo reservado por adultos para desenvolver o seu lado lúdico. É quando eles se sentem crianças novamente. E nada melhor que um futebolzinho na areia como uma divertida e produtiva brincadeira. Portanto, companheiras de ‘peladeiros’, deixem os seus companheiros divertirem-se à vontade para se desestressarem e voltarem mais felizes ainda para casa.

É fato que, igualmente, mulheres também brincam, por exemplo, durante a prática de alguns esportes e em outras circunstâncias oportunas. E não apenas como mães. E quem pode falar-me um pouco mais sobre tudo isso, esse necessário espírito lúdico, as brincadeiras entre elas?...

Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com

2 comentários:

  1. “ERICH KÄSTNER, autor de literatura infanto-juvenil, dizia que ‘a maioria das pessoas abandona sua infância como um velho chapéu. Esquecem-se dela como um número de telefone que não serve mais. Antes eram crianças, depois se tornaram adultos, mas o que são agora? Só aquele que se torna adulto mas continua sendo criança é um ser humano?’ É importante não esquecer essa parte de nós que não teme a descoberta, a revelação do mistério do que é possível ou impossível. Em cada adulto dorme uma criança que crê na magia do mundo e da vida. E a leva a sério porque, quando o menino brinca de ser pirata, está sendo realmente um pirata. [...] Voltar a olhar para o mundo com os olhos de uma criança nos permite reencontrar o ser mais verdadeiro que habita dentro de nós. Vale a pena mergulhar nessa fonte e abandonar por um momento as obrigações, tarefas e desculpas por trás das quais nos escondemos para não pensar em nossos sonhos não realizados.” Da obra: ‘Hermann Hesse para desorientados”, Allan Percy, págs. 40 e 41.

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  2. “HUMANOS e animais sempre desenvolveram habilidades por meio das brincadeiras. Brincar é estar em um ambiente seguro testando possibilidades. Nesse processo, liberamos alguns neurotransmissores em nossos cérebros que desenvolvem a criatividade. É como o piloto num simulador de voo. Algumas pessoas, ao jogar, têm ‘insights’ da própria infância, o que as faz sentir seguras e relaxadas”, afirma o dinamarquês Per Kristiansen, cocriador do método Lego Serious Play. Ele viaja o mundo ministrando workshops que custam de R$ 7.500 a R$ 12 mil.

    * fonte: Folha de S. Paulo, caderno Mercado, 20/7/2014

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