terça-feira, 15 de julho de 2014

FUTEBOL E FORMAÇÃO ESCOLAR

O 7 a 1 nos obriga a buscar transformações. Um ponto essencial é associar o futebol à educação.

Tom Simões, Santos (SP), tomsimoes@hotmail.com


Futebol do Vaninho. "Meu nome é Evandro Geraldo do Nascimento (conhecido como Vaninho da Zilá). Nascido em Tiradentes (MG), em 12/4/1973, residi durante 27 anos no bairro Várzea de Baixo. Atualmente, resido no bairro Alto da Torre. Comecei o Projeto do Futebol em 2006, através da Associação de Bairro. Uma das regras do projeto é que só pode participar quem tiver frequência escolar e bom comportamento." Exemplo de um Homem que dá um sentido mais amplo à sua existência: "Vaninho". Para quem acredita no poder individual de transformar o mundo ao seu redor!


MARCELO Melgaço (Goiânia, GO), escreve algo, no Painel do Leitor da Folha de S. Paulo de 14/7/2014, que nos leva a uma oportuna reflexão: “Os jogadores da Alemanha e Argentina mostraram como se deve fazer em campo. Nada de culto ao penteado, choradeira... Muita garra, disciplina tática e respeito pela camisa”. Outro leitor, Ricardo C. Siqueira, de Niterói (RJ), comenta: “Qualquer aprendizado diante da derrota é louvável, embora a humildade não seja uma característica dos jogadores brasileiros. Daqui a dois meses, no próximo amistoso internacional, bastará uma vitória ‘convincente’ para que o oba-oba deixe tudo como era antes”.


“Melhorar a educação básica melhora a produtividade, que melhora o desenvolvimento, que melhora a vida no país e, heureca!, melhora nossas chances de ganhar torneios no futuro. Porque ‘futebol se joga com a cabeça’, como já dizia o craque Johan Cruyff, treinador, apontado como o melhor futebolista dos Países Baixos de todos os tempos. E ele não estava falando de jogo aéreo”, relata Ana Estela no artigo “2018 em perigo”, publicado na Folha de S. Paulo de 12/7/2014.

Grandes clubes tiram proveito disso, diz a cronista. “O alemão Freiburg, um dos mais bem-sucedidos na formação de atletas, multiplicou por quatro o número de horas de estudo dos jogadores da base. No Grêmio, há um período extra de ensino na residência esportiva; em três anos, o índice de reprovação escolar do grupo caiu de 45% para 5%. De 70 jogadores entre 18 e 20 anos, 21 estão em cursos universitários, até mesmo de engenharia. O Corinthians está firmando parcerias com faculdades particulares. O Santos chama os pais dos garotos para mostrar a eles como o bom desempenho escolar aumenta as chances de seus filhos no esporte.”

Para Ana Estela, nós vamos melhorar o futebol brasileiro dando muito treino físico, técnico e tático. E reforçando a educação e o compromisso com a escola, porque isso traz concentração, raciocínio e criação de jogadas dentro de campo.

No entender de Oscar Vilhena Vieira, em sua crônica “Quando a bola acaba” (Folha de S. Paulo, 12/7/2014), há muito que fazer. “Um ponto essencial, no entanto, seria associar radicalmente o futebol à educação. De forma semelhante ao que fizeram os alemães depois do fiasco de 2000, ou como ocorre nos esportes profissionais norte-americanos, só chega ao profissionalismo quem passa pela escola.”

Hoje no Brasil, revela Vieira, são milhares de jovens que, de fato, abandonam a escola para se submeter a intermináveis e perversas peneiras. A exigência da Lei Pelé para que os clubes cuidem da educação de seus jovens atletas vem sendo cumprida apenas por uma pequena elite de nossos times. “Como diversas investigações do Ministério Público vêm expondo, o garimpo por craques tem gerado uma nova forma de exploração e mercantilização de mão de obra infantil.”

Segundo o cronista, apenas uma parte ínfima desse exército terá uma oportunidade. Muitos deles cairão rapidamente nas garras de agentes, que os comercializarão como gado. “Estima-se que, somente no ano passado, mil e quinhentos jogadores brasileiros, em sua maioria jovens, foram vendidos ao exterior.”

Outro ponto interessante para Vieira é que, para a maioria dos que se profissionalizam no Brasil, está reservado um futuro pouco promissor. “Calcula-se que 85% de nossos jogadores profissionais ganhem menos de dois salários mínimos por mês e, em face da estupidez do calendário, ficam desempregados quase metade do ano, como denuncia o Bom Senso Futebol Clube.”

O fato é que, argumenta Vieira, a imensa maioria ficará sem bola, sem escola e sem perspectiva. “Apenas uma conjugação radical desses dois universos poderia transformar o futebol num efetivo instrumento de inclusão para milhares de boleiros das periferias sociais brasileiras e, por que não, melhorar o seu desempenho”, diz o cronista.

Vem daí um apelo de Ana Estela: “Governo, por favor, esqueça os cartolas por enquanto. Só volte a se preocupar com eles depois de apoiar outros dirigentes: os que cuidam da gestão da educação básica no país. Apoiar. Não é intervir, criar regras, perdoar dívidas, impor reservas de mercado ou outra ideia brilhante surgida em horas de crise. Estamos em 58o em matemática, num teste feito com jovens de 65 países; somos o 55o em leitura e, em ciências, ficamos em 590.”  

“O 7 a 1 (Alemanha x Brasil), Copa do Mundo 2014, nos obriga a buscar transformações. Um ponto essencial é associar o futebol à educação”, enfatiza Oscar Vilhena.


Conscientização para um melhor desempenho

“Algumas famílias, na ânsia de ver o filho fazer carreira no futebol profissional, acabam exercendo uma influência negativa sobre a escolaridade do atleta. Tem quem diga que ele tem que se preocupar em jogar, se profissionalizar e depois estudar”, conta Maurício Marques, coordenador dos cursos de treinadores da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no artigo “Nível de escolaridade do jogador de futebol profissional pode influenciar a sua performance”, www.educacaofisica.com.br Ele  acredita que o nível de escolaridade do jogador de futebol profissional é capaz, sim, de influenciar a sua performance em campo, colaborando no desempenho do time: “A capacidade de interpretar o discurso do treinador, as questões do treinamento, a ciência do esporte e a questão científica por trás do treino, têm a ver com o nível educacional e o desenvolvimento cognitivo e social do jogador.” 

Atualmente, segundo Marques, dentro dos clubes, existe uma consciência maior sobre a importância de garantir o mínimo estudo para os jogadores. Ele reforça que a preocupação começou na virada do milênio: “Antes o clube não questionava isso e, como a maioria dos atletas mora longe da família, os parentes não tinham como interferir nisso e os jogadores seguiam sem escolaridade. A consciência sobre a formação integral do atleta e a melhora da sua performance foram decisivos para que os clubes mudassem de postura. Além disso, aqueles que procuram estudar uma segunda língua, por exemplo, acabam valorizados economicamente na hora de serem negociados com clubes estrangeiros”. 

Se no Brasil, a “terra do futebol”, os jogadores profissionais têm, em sua grande maioria, o ensino médio completo, no exterior a coisa muda de figura. Pelo menos na Europa e nos Estados Unidos.
Marques relembra quando o jogador Roque Júnior comentou, num bate-papo, que todos os seus colegas do time europeu tinham nível superior completo. E aqueles que não haviam frequentado as aulas presenciais apelaram ao ensino à distância (EAD). “Por lá o atleta consegue treinar duas vezes ao dia e assistir a aula à noite. Há outras formas de conclusão dos ensinos médio e universitário que são adequadas à formação do atleta”, explica.

Nos Estados Unidos, a profissionalização é ligada à universidade. Tanto que, em diversas modalidades, o atleta entra para a universidade e só depois se torna um atleta profissional, cita o artigo.

“Encantos e desencantos do futebol”


Em sua crônica, “Encantos e desencantos do futebol”, Ruy Martins Altenfelder Silva, presidente do Conselho de Administração do CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) e da Academia Paulista de Letras Jurídicas, publicada na Folha de S. Paulo (Tendências/Debates) de 14/7/2014, analisa: “Não é difícil imaginar o que passa pela cabecinha daqueles que revelam mais talento nos campinhos do que na sala de aula... E também na dos pais que veem na habilidade do filho o passaporte para subir na vida e cedem à tentação de ver seu nome gritado nos estádios e de dispor de contas bancárias recheadíssimas, graças a contratos milionários com times e campanhas de publicidade”.

Já de início há as concorridíssimas peneiras que, segundo cálculos, deixam passar 2 ou 3 a cada 1.000 candidatos, observa Ruy Martins. Dos que escapam dos dois salários mínimos por mês, 21% ganham de 2 a 20 mínimos e apenas 3% (a nata dos supercraques) chegam a remunerações maiores.

Os mais atentos notarão que, nos novos grupos, cresce o número de jogadores com mais escolaridade e, portanto, mais articulados e com maior visão crítica, diz o cronista. “Não há receita mágica para evitar o destino de muitos craques, que decaem para a pobreza e o anonimato depois que deixam o campo. É preciso que, nas categorias de base, os clubes conciliem treinamento técnico com a exigência de formação escolar, preparando os jovens, principalmente os mais pobres, para enfrentar tanto os encantos quanto os desencantos que encontrarão no futuro”, escreve Ruy Martins.

No entendimento de Ruy Martins, “Se é próprio da adolescência sonhar alto e acreditar que há atalhos para o sucesso, o governo, as organizações e pessoas que lidam com jovens deveriam se preocupar em mostrar que, no futebol, como em qualquer carreira, o melhor caminho passa pela formação integral do jovem, que decorre das oportunidades de acesso à saúde, à educação e a outros direitos cidadãos. É essa mensagem que o Centro de Integração Empresa-Escola transmite continuamente aos jovens que beneficia, tanto por palavras quanto por ações”.

O Centro de Integração Empresa-Escola, www.ciee.org.br, é uma instituição filantrópia, com 50 anos de existência, mantida pelo empresariado nacional, de assistência social, sem finalidades lucrativas, que trabalha em prol da juventude estudantil brasileira. Seu maior objetivo é encontrar para os estudantes de nível médio, técnico e superior oportunidades de estágio ou aprendizado, que os auxiliem a colocar em prática tudo o que aprenderem na teoria.

Eis a mensagem do CIEE neste singular momento brasileiro: “A Alemanha é a campeã do Mundial de Futebol no Brasil. Mas, não foi por pura sorte e sim muito investimento em educação e esporte. O país investiu cerca de um bilhão de dólares, desde o ano de 2000, no desenvolvimento de novos craques, com 366 centros de treinamento especializados e escolas de base para treinar futuros atletas. Além de investir no futebol e em clubes locais, tornou-se uma exigência nacional que, para participar dos programas para jovens jogadores, é necessário manter boas notas na escola. Isso mostra que preparo é essencial para montar um bom time. Parabéns aos vencedores que trabalharam duro por esse título!”.



Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com

3 comentários:

  1. E pensar que, se tivéssemos ganho a Copa, muita coisa, como normalmente acontece, seria deixada de lado. O tema abordado pelo texto, citando a importância da prática esportiva nas escolas, sem deixar de lado o estudo, é um dos que merecem mais atenção. Outras discussões, como a situação financeira dos clubes brasileiros em decorrência de administrações ruins, por exemplo, serão olhadas com mais rigor a partir de agora.
    Foi o lado bom da derrota ( se é que existe um lado bom após levar 7). Mas...
    Só espero que tais assuntos não caiam no esquecimento outra vez.

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  2. “[...] O MUNDIAL nos ensinou que futebol é cultura, que não é algo que pertence apenas ao Ministério do Esporte. Basta ver a quantidade de análises feitas por sociólogos, pedagogos, escritores, filósofos etc. [...] Jornais repetiram à exaustão que os alemães se prepararam durante dez anos num projeto que englobou todo o país. Soube que os atletas trouxeram namoradas, mulheres e filhos para a celebração e que doaram uma ambulância e dinheiro para os índios pataxós na Bahia, mas eu gostaria de ter lido também uma reportagem que falasse do nível de escolaridade desses jogadores.”

    * FUTEBOL É CULTURA, Folha de S.Paulo, 22/7/2014, Affonso Romano de Sant’Anna, 77, poeta e escritor, autor de ‘Sísifo Desce a Montanha’

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  3. esse assunto jamais cairá em esquecimento
    e como o colega mencionou

    FUTEBOL É CULTURA SIM!

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