terça-feira, 29 de abril de 2014

Mudança na forma de pensar

CRÍTICA SOBRE LITERATURA DE AUTOAJUDA
Tom Simões, tomsimoes@hotmail.com, 29 de abril de 2014

PARTE III


NO ARTIGODa santidade à desumanização” (revista “Brasileiros”, www.revistabrasileiros.com..br, dezembro 2013), Daniel Benevides entrevista o escritor português Valter Hugo Mãe, conversando sobre seu novo livro, “A Desumanização”. Valter Hugo revela um desencanto com o ser humano e consigo mesmo. Em sua trajetória, observa o entrevistador, a impressão é que os livros foram perdendo um pouco da qualidade fabulística, digamos, e ganhando em densidade filosófica. Sim, totalmente, responde o autor português: “A filosofia me interessa talvez mais do que a maior parte da literatura. Porque no fundo a literatura só vai valer se levar a pensar. Interessa a mim que um livro seja empático o suficiente com o leitor, mas não que seja meramente um passatempo, que considero exatamente isso: uma perda de tempo. O bom livro deve dar a sensação contrária: de que tu ganhaste tempo, porque explicou coisas que precisávamos aprender e talvez levássemos anos para aprender; é assim com Kafka, Albert Camus, Saramago, Lobo Antunes... tudo o que eles escrevem é profundamente pensador e universal. O bom autor tem de ser capaz de formular um pensamento que supra uma lacuna em nossa forma de pensar, de dizer algo que destape uma escuridão inteira e permita que saibamos dizer o que não sabíamos dizer. Essa é a superioridade máxima do texto e é o que eu procuro na literatura”.

Na obra “Meditações para a Noite”, Osho revela que hoje a humanidade sabe mais que em qualquer outra época anterior: o conhecimento vai se acumulando. “Na verdade, você sabe mais que Jesus. Se encontrar Jesus hoje, você poderá ensinar-lhe muitas coisas. Ele não vai saber de mil e uma coisas. Acho que ele não passaria no vestibular - seria impossível! Mas isso não significa que ele não seja sábio. Ele sabe, mas de modo totalmente diferente. A experiência dele transformou seu ser. Ele não é tão bem informado quanto você, mas é transformado, e isso é o que conta. Informação não significa nada. Um computador pode ter mais informações que você, mas será que ele pode se tornar um Cristo ou um Buda? Você acha que um computador pode se tornar iluminado algum dia? Isso é impossível”, escreve o filósofo.

Em sua sabedoria, escreve a Monja Coen, www.monjacoen.com.br: “Ser zen é voltar para o não-saber, pois não sabemos quase nada. Não sabemos o começo, nem o meio, muito menos o fim. E tudo tem começo, meio e fim. Ser zen é estar envolvido nos problemas da cidade, da rua, da comunidade. É oferecer soluções, ter criatividade, sorrir dos erros, desculpar-se e sempre procurar melhorar. Ser zen é estar presente. Aqui, neste mesmo lugar. Respirando simplesmente, observando os pensamentos, memórias, aborrecimentos, alegrias e esperanças. Quando? Agora, neste instante. É estar bem aqui onde quando se fala já se foi. Tempo girando, correndo, passando, e nós passando com ele. Sem separação. Ser zen é Ser Tempo. Ser zen é Ser Existência.”

“Veja, Tom Simões, sobre o que conversamos algumas vezes, o quanto é necessário para se transformar e que ideia errada o mundo tem sobre as pessoas que se aprofundam mais nesse autoconhecimento”, diz para mim o amigo Domingos Fortes, psicanalista.


Para finalizar...

Lauro Trevisan, em sua obra “Apresse o Passo que o Mundo está Mudando”, cita que o famoso filósofo grego Sócrates, considerado o pai da filosofia ocidental, revela: “Conhece a ti mesmo e conhecerás o universo com tudo que nele existe.” Para Trevisan, só o autoconhecimento permite o conhecimento do todo. Ele cita também Oscar Wilde, escritor irlandês, conhecido por sua inteligência, seus discursos brilhantes e por um esteticismo extremo, que escreveu poemas, contos de fadas, comédias e um romance. Disse Wilde: “Eu sou a única pessoa no mundo que eu realmente queria conhecer”. “A busca da verdadeira realidade humana é o grande desafio do terceiro milênio. O ser humano já não se contenta com conhecimento periférico. Quer ir além da casca e chegar ao todo. Até aqui a ciência buscou mapear o homem por fora. Mas a via do conhecimento verdadeiro vai para dentro. Este é o caminho do terceiro milênio.”

Eu creio que a literatura de autoajuda caminha nesse sentido, independente da qualidade das obras. Há obras que ‘alfabetizam’ o leitor principiante e obras mais filosóficas. Há na atualidade um número cada vez mais significativo de pessoas em busca do que transcende o espaço físico. “Qual o sentido da vida?”, questiona-se. “Será que nossa vida tem um significado ou um propósito especial?”

O prefácio de “Inocência, Conhecimento e Encantamento” inicia-se com as seguintes palavras de Osho: “Em primeiro lugar, deixe-me explicar quantos tipos de tolos existem. O primeiro é aquele que não sabe, e não sabe que não sabe – é o tolo simples; todo mundo nasce como um tolo simples – esse é o significado da palavra ‘ingenuidade’. Toda criança é um tolo simples. Ela não sabe que não sabe. Ainda não tomou consciência da possibilidade de saber. O segundo é aquele que não sabe, mas acha que sabe – o tolo complexo, o tolo instruído. E o terceiro é aquele que sabe que não sabe – o tolo abençoado”.    

“Mas não siga as regras impostas de fora. Nenhuma regra imposta pode jamais estar certa, porque as regras são inventadas por pessoas que querem dominá-lo. Sim, às vezes tem havido também grandes pessoas iluminadas no mundo – um Buda, um Jesus, um Krishna, um Maomé. Eles não deram regras ao mundo, eles deram o seu amor”, ensina Osho em “Destino, Liberdade e Alma – Qual o Sentido da Vida?”.

“Os que rejeitam a comida do saber são como os que morrem afogados por recusar a corda que lhes é estendida”, escreve Lauro Trevisan em “Apresse o Passo que o Mundo está Mudando”. Há algum tempo, ele revela ter recebido um e-mail de uma senhora que narrava um fato ocorrido com ela. Contou que, ao tomar um táxi, em São Paulo, viu, ao lado do motorista, um letreiro que dizia: “Leia Livros Positivos”. Ficou curiosa e perguntou o porquê daquele pequeno cartaz. O taxista passou a relatar a sua história: era um ex-mendigo que tinha recuperado sua dignidade e encontrou o caminho para realizar os seus desejos. Sua nova vida tinha começado pela leitura de livros positivos, que o ensinaram a usar o poder da sua mente. Por isso, agora divulgava esses livros através da legenda que trazia no carro. A senhora, muito curiosa, pediu-lhe que sugerisse alguma leitura positiva e ele citou os livros “O Poder Infinito da Sua Mente” e “Pode Quem Pensa Que Pode”. “Se tivessem dado a esse proprietário de táxi apenas comida e roupa e uma bandeira, provavelmente ainda hoje seria mendigo”, narra Trevisan.

Mais adiante, Trevisan refere-se a Guimarães Rosa, autor de ‘Sagarana’ e de ‘Grande Sertão: Veredas’, que escreveu: “O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam.”

Trevisan vai mais longe: “Considero fácil e simples uma mudança mais rápida no mundo. Hoje, os veículos de comunicação e a internet podem passar para todos os habitantes deste planeta em três minutos, uma verdade que então poderá ser adotada universalmente. Imagine, só para raciocinar, que um cidadão descobrisse que comer uma laranja por dia eliminaria todos os cânceres possíveis ao ser humano. Num dia, a humanidade inteira tomaria conhecimento e passaria a usar a laranja, erradicando definitivamente esse mal da face da terra. Viu como é simples, em termos, mudar a humanidade? É o que começa a acontecer”.

Lendo, neste domingo de Páscoa, “O resto é silêncio” (Folha de S. Paulo, caderno Ilustríssima, 20/4/2014), encontrei esta beleza, onde o escritor, também colombiano, Héctor Abad, escreve sobre seu colega e conterrâneo mais ilustre, Gabriel García Márquez, morto aos 87, no dia 17 de abril: “[...] Quando alguém tem um instinto muito mais agudo que os cinco sentidos reunidos, e quando esse instinto se une a uma intuição poética assombrosa e a um profundo conhecimento do coração, não é raro que o dono desses atributos seja considerado também um profeta. A avó de García Márquez dizia que ele era adivinho. Entre adivinho e divino há poucas letras de distância. Não se deve dar esse passo: Gabriel García Márquez foi um escritor imenso, mas deste mundo. Pedir mais é impossível. Dizer mais é idolatria”.

... O que mais me atrai na literatura como um todo? Toda leitura capaz de enriquecer o meu conhecimento e, consequentemente, a vida do leitor. Como este texto, “As crianças e a morte”, de autoria do psicanalista Contardo Calligaris (Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, 17 de abril de 2014): “[...] Não conheço nada, em psicologia do desenvolvimento, que nos diga a partir de quando uma criança entende o que é a morte (claro, a partir dos sete anos – estágio operatório concreto –, qualquer criança vai entender melhor do que entre os dois e os sete). Também, nos estudos da dinâmica afetiva do luto, não tem nada (que eu saiba) que nos diga com certeza a partir de que idade uma criança deve poder encarar a morte de um próximo. [...] A decisão fica com os adultos. E é justo que seja assim, por uma razão simples: quando ajudamos as crianças a não enxergar a morte, não estamos protegendo as crianças – as quais se protegem muito bem sozinhas e são, em geral, muito mais vigorosas (mentalmente) do que a gente imagina. Na visão ideal que, nós adultos, temos das crianças, não há espaço nem para a morte nem para o pensamento da morte, só há espaço para uma encenação permanente da felicidade e do brincar. Mas a morte é aqui apenas um exemplo. A lista é longa das coisas que gostaríamos de manter afastadas de nossa visão idealizada da infância e que, portanto, escondemos das crianças”.

Pelo fato de ler bastante, tenho este hábito de compartilhar as minhas buscas. Um amigo me diz que na vida devemos nos esforçar para ser úteis às pessoas. Eu tenho esta característica em tudo que faço, por tudo que me interesso. Na leitura de um livro, de uma crônica, em cursos e palestras dos quais participo, no templo budista que frequento há cerca de quatro anos, numa entrevista televisiva... , a escolha tem sempre a ver, obrigatoriamente, com o autoconhecimento: “O que esse conhecimento, esse aprendizado, essa informação, pode melhorar a minha condição humana em benefício de um mundo melhor?”. Autoajuda? Denomine-se como quiser, isso em nada interfere no meu propósito: a busca do que é essencial à Natureza Humana! Sinto-me como uma espécie de caçador de alimento pra alma; lendo bastante, pesquisando, escrevendo e compartilhando o que há de sensato e verdadeiro para o enriquecimento da vida humana.

“A palavra é a pá que recolhe o que quiser”, escreve Lauro Trevisan. Disse Jesus: “Crê firmemente na realização da sua palavra”. Para Trevisan, o conhecimento e uso da fé colocam o ser humano na sua dimensão mais alta, em contato com seu poder maior e lhe oferecem todas as condições para que possa realizar-se plenamente na vida. “Numa família ou numa comunidade, embora todos os membros ouçam a mesma pregação, os mesmos ensinamentos, os mesmos argumentos e motivações, restará a cada um criar a sua palavra individual, a sua resposta, o seu caminho. E cada qual será o resultado da sua determinação.”

Em “O Mal-estar na Civilização”, Freud revela: “Não conseguimos evitar a impressão de que por toda parte os homens se regem por falsos padrões que procuram para si próprios e admiram em outros o poder, o êxito e a riqueza, ao passo que subestimam os verdadeiros valores da vida. Certos indivíduos são objeto de reverência dos seus contemporâneos, ainda que a sua grandeza assente em qualidades e feitos em tudo alheios aos intuitos e ideais comuns. Facilmente somos levados a supor que só uma minoria saberá apreciar estes grandes homens, completamente ignorados por todos os outros. [...] A pergunta pelo sentido da vida já foi colocada inúmeras vezes; ainda não obteve, e talvez nem sequer admita, uma resposta satisfatória. Alguns daqueles que se puseram esta pergunta acrescentaram: a vida perderia todo o valor caso se viesse a descobrir que não tem sentido. É apenas a religião que sabe responder à pergunta pelo sentido da vida. Não estaremos longe da verdade se dissermos que a ideia de um sentido da vida nasce e morre com o sistema religioso.” 

Eu descobri o escritor Valter Hugo Mãe, 43, nascido em Angola, folheando a revista “Brasileiros”, na sala de recepção da maternidade do hospital onde nasceu meu primeiro neto, Martim, no dia 26 de abril de 2014. Que bom ler seus textos, Valter Hugo. É exatamente essa abordagem literária que me inspira, quando seleciono algo para ler, por ter eu também, quando escrevo, essa espécie de missão, a de levar o leitor à autorreflexão e mudança positiva de comportamento. “Há uma dimensão política nos livros que escrevo, nesse sentido quase humanista do termo, que quer a construção de uma consciência coletiva”, declara ‘Hugo Mãe’. 

Isso é literatura barata”, podem alegar alguns ‘detentores’ do conhecimento. Eu os respeito, porém! E pergunto como anda a relação deles com a raiva, a intolerância, a superação, a renovação, o perdão, a generosidade... Como anda a relação com o pai (mãe) ou o filho (a)?... Como anda a vaidade deles pelo próprio saber?

É esse tipo de informação que também compartilho, através de um trabalho voluntário, com moradores de rua assistidos pela “Associação Prato de Sopa de Santos (SP)”. Leia o artigo “Moradores de Rua Experimentam o Autoconhecimento”, http://www.tomsimoes.com/2013/07/moradores-de-rua-experimentam-o.html

Em seu livro “A Trilha Menos Percorrida”, 1978, M. Scott Peck, psiquiatra americano, analisa: “Aqueles que alcançam o crescimento não só apreciam seus frutos como os oferecem ao mundo. Evoluindo como indivíduos, carregamos a humanidade nas costas. E assim a humanidade evolui. Somente uns poucos felizardos, até o momento de sua morte, continuam explorando o mistério da realidade, sempre debatendo, aprimorando e redefinindo sua compreensão do mundo e da verdade. Existem muitas pessoas, dentre elas alguns psiquiatras, que realizam um exame rigoroso do mundo, mas não de si mesmas”.



·      Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com

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