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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

“DEUS”, segundo JUNG

Carl Gustav Jung

“O CONCEITO DE DEUS é simplesmente uma função psicológica necessária, de natureza irracional, que absolutamente nada tem a ver com a questão da existência de Deus. O intelecto humano jamais encontrará uma resposta para esta questão. Muito menos pode haver qualquer prova da existência de Deus, o que, aliás, é supérfluo. A ideia de um ser todo-poderoso, divino, existe em toda parte. Quando não é consciente, é inconsciente, porque seu fundamento é arquetípico.

  • arquetípico: modelo ideal, inteligível, do qual se copiou toda coisa sensível: para Platão, a ideia do Bem é o arquétipo de todas as coisas boas da natureza.

Há alguma coisa em nossa alma que tem um poder superior – não sendo um deus conscientemente, então é pelo menos “o estômago”, no dizer de Paulo. Por isso, acho mais sábio reconhecer conscientemente a ideia de Deus; caso contrário, outra coisa fica em seu lugar, em geral uma coisa sem importância ou uma asneira qualquer – invenções de consciências “esclarecidas”. Nosso intelecto sabe perfeitamente que não tem capacidade para pensar Deus e muito menos para imaginar que ele existe realmente e como ele é. A questão da existência de Deus não tem resposta possível. Mas o “consensus gentium” (o consenso dos povos) fala dos deuses há milênios e dentro de milênios ainda deles falará. O homem tem o direito de achar sua razão bela e perfeita, mas nunca, em hipótese alguma, ela deixará de ser apenas uma das funções espirituais possíveis, e só cobrirá o lado dos fenômenos do mundo que lhes diz respeito. A razão, porém, é rodeada de todos os lados pelo irracional, por aquilo que não concorda com ela. Essa irracionalidade também é uma função psíquica, o inconsciente coletivo, enquanto a razão é essencialmente ligada ao consciente. A consciência precisa da razão para descobrir uma ordem no caos do universo dos casos individuais para depois também criá-la, pelo menos na circunscrição humana. Fazemos o esforço louvável e útil de extirpar na medida do possível o caos da irracionalidade dentro e fora de nós. Ao que tudo indica, já estamos bastante avançados nesse processo. Um doente mental me disse outro dia: ‘Dr., hoje à noite desinfetei o céu inteiro com cloreto mercúrico, mas não descobri deus nenhum’. Foi mais ou menos o que nos aconteceu.”

Fonte: “Psicologia do Inconsciente”, C.G. Jung, 1875/1961, psiquiatra e psicoterapeuta suíço

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