“Só chegamos a ser uma parte mínima do que
poderíamos ser”
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EMPREGA-SE normalmente o termo “circunstância” como uma situação que
acompanha determinado acontecimento, por exemplo. “Ele age assim por conta de
suas próprias circunstâncias; daí ser preciso entender o seu comportamento,
resultado do ambiente em que vive.” Porém, a palavra “circunstância” tem um
sentido mais amplo, colocando o homem como um ser totalmente dependente da
realidade que o cerca. Com base nessa ideia, não há indivíduos que se bastam,
que não precisam dos outros... Ainda que solitário o homem, a sua circunstância
é algo vital para a sua sobrevivência.
John Cacioppo, premiado psicólogo da Universidade de Chicago (citado por
Jane E. Brody em “Solidão é fator de
risco comparável à hipertensão”, Folha de S.Paulo, 3/6/2013), revela que as
pessoas são fundamentalmente seres solitários que precisam de conexões
significativas com os outros para maximizar sua saúde e bem-estar. Ele sugere
abordagens como “atos aleatórios de gentileza”: fazer algo que lhes faça bem
física ou emocionalmente, talvez uma coisa simples como elogiar a roupa de um
estranho ou ajudar um idoso a atravessar a rua. O que é preciso, segundo
Cacioppo, é dar um passo para fora da dor da nossa própria situação durante um
tempo suficiente para ‘alimentar’ os outros. A mudança real começa com o fazer.
Em seu artigo “Ortega e as
circunstâncias”, 22/7/2008, www.nivaldocordeiro.net/ortegaeascircunstancias,
Nivaldo Cordeiro revela que a frase mais famosa de José Ortega y Gasset, 1883-1955,
filósofo espanhol, é “Eu sou eu e a minha circunstância e se não a salvo,
não salvo a mim mesmo”. Segundo Cordeiro, depois da expressão “Penso, logo
existo”, de Descartes, a frase de Gasset é a mais sensacional síntese filosófica
que um pensador tenha conseguido.
Em “O homem e sua circunstância:
introdução à filosofia de Ortega y Gasset”, Vilson Ribeiro Santos, www.funrei.br/revistas/filosofia,
relata: “Há em Ortega uma rigorosa conceituação filosófica acerca da relação
entre o Eu e sua circunstância. Nessa fórmula, temos um
”Eu” que está nativamente aberto à sua circunstância, isto é , à realidade que o circunda. Esta realidade é, sem dúvida, distinta do Eu; mas, ao mesmo tempo, é inseparável dele; de modo que, para Ortega, não há como tornar o Eu sem sua circunstância”.
”Eu” que está nativamente aberto à sua circunstância, isto é , à realidade que o circunda. Esta realidade é, sem dúvida, distinta do Eu; mas, ao mesmo tempo, é inseparável dele; de modo que, para Ortega, não há como tornar o Eu sem sua circunstância”.
Deste modo, prossegue Vilson Ribeiro, em todo o livro “Meditações do Quixote” (1914), primeira
obra de Ortega, o filósofo mostra-nos que se comunica com o mundo a partir de
sua circunstância. “Ela é, por assim dizer, seu cordão umbilical que o liga com
o Universo todo.”
Mas o que significa
salvar a circunstância?, indaga Vilson Ribeiro.
“Salvá-la significa compreendê-la. E compreender, para Ortega, é conduzir
generosamente as coisas à plenitude do seu significado, é ligar coisa com coisa
e tudo conosco, numa viva pertinência recíproca.
Tão logo, recentemente, ao buscar o significado de “circunstância” para
um estudo destinado a um curso de psicanálise que ora frequento, deparei-me com
Ortega e sua frase revolucionária. E imaginei, por exemplo, o próprio morador
de rua fazendo parte da minha circunstância.
Moradores de rua. “Foram vindo. Das injustiças sociais vieram, dos
fracassos pessoais, das famílias desestruturadas, das fugas, das frustrações,
das secas nordestinas e amorosas vieram, do abandono, das fragilidades e
inseguranças, das revoltas sem rumo vieram, do alcoolismo, dos pais ausentes,
da escola ausente, das bravatas imaturas, dos reformatórios vieram, dos abusos,
dos maus–tratos, dos baratos, das baladas, da má educação, das carências, da
falta de lugar, da doença mental vieram, da baixa estima, das prisões, do risco
mal calculado, dos refúgios da alma vieram... – e formaram essas multidões que
nos assustam”, escreve Ivan Angelo em “Somos
todos vítimas”, revista Veja (Veja São
Paulo), 13/2/2013. Eu, Tom Simões, diria: “Somos responsáveis também”.
A circunstância, conforme explica Vilson Ribeiro, é o ponto de partida
para toda reflexão filosófica e, isso, também ou principalmente, para a
investigação sobre o ser do homem.
EU E O MUNDO
“Só chegamos a ser uma parte mínima do que poderíamos ser”,
observa Nivaldo Cordeiro com base em Ortega. “Toda a vida é achar-se dentro da
‘circunstância’ ou mundo. Porque este é o sentido originário da ideia (mundo).
Mundo é o repertório das nossas possibilidades vitais. Não é, pois, algo à
parte e alheio à nossa vida, mas que é a sua autêntica periferia. Representa o
que podemos ser; portanto, a nossa potencialidade vital. Esta tem de se
concretizar para se realizar ou, dito de outra maneira, chegamos a ser só uma
parte mínima do que poderíamos ser. Daí que nos parece o mundo uma coisa tão
enorme, e nós, dentro dele, uma coisa tão pequena. O mundo ou a nossa vida
possível é sempre mais que o nosso destino ou vida efetiva”, comenta o autor.
Para Ortega, as circunstâncias de um indivíduo são dadas precisamente
pelo que ocorre na política. E a política não é alheia à ação individual de
cada um. É preciso, portanto, escreve Cordeiro, salvar a política das mãos do
homem-massa para que possamos salvar a todos e a cada um. “Mais precisamente, é
preciso enquadrar o homem-massa, restabelecer a hierarquia. Salvar aqui, na
opinião de Cordeiro, tem o primeiro de seus sentidos dicionarizados: “Tirar ou
livrar a si mesmo de perigo, dificuldades, ruína ou morte”.
Outro ponto interessante para Cordeiro é que agir para salvar as nossas
circunstâncias é, antes de tudo, tornar-se um líder. “É ter o sentido da
civilização, é assumir a responsabilidade. A horda dos decadentes só toma o
comando do Estado quando os homens egrégios se apequenam. O momento é de se
fazer o movimento inverso, de pôr o homem-massa no seu lugar. A vida convida
todos nós à responsabilidade existencial. Salvar-se requer, antes de tudo, ter
uma atitude moral consigo mesmo, que fatalmente influenciará o meio. As massas,
deixadas por si mesmas, serão enganadas pelos demagogos malignos, no rumo do
desastre”, escreve o autor.
COMO FAZER ISSO?
Ora, observa Cordeiro, mudando cada um de nós mesmos e formando o caráter
daqueles que nos são próximos. “Sem esse pequeno tijolo inicial não se fará
construção alguma. A ordem social depende da ordem na alma individual.
Tornar-se alguém maduro, recusar as falsas facilidades do populismo, resgatar
os valores da tradição, santificar a vida cotidiana... Parece fácil enumerar,
mas se tivéssemos feito isso a tempo não teríamos de chegar, ainda uma vez, ao
mesmo estágio em que Ortega
y Gasset encontrou a Espanha para cunhar a sua frase imorredoura”, finaliza
Cordeiro.
“Ser consciente não é um estado momentâneo em nossa existência. Ser
consciente refere-se à nossa maneira de existir no mundo. Está relacionado à
forma como conduzimos nossas vidas e, especialmente, às ligações emocionais que
estabelecemos com as pessoas e as coisas no nosso dia a dia. Ser dotado de
consciência é ser capaz de amar”, revela Osvaldo, médico psiquiatra, professor
assistente de Psiquiatria da UERJ, citado pela médica Ana Beatriz Barbosa
Silva, em sua obra “Mentes perigosas: o
psicopata mora ao lado”.
No entender dessa autora, a consciência é um senso de responsabilidade e
generosidade baseado em vínculos emocionais, de extrema nobreza, com outras
criaturas (animais, seres humanos) ou até mesmo com a humanidade e o Universo
como um todo. “É uma espécie de entidade invisível, que possui vida própria e
que independe da nossa razão. É a voz secreta da alma, que habita em nosso
interior e que nos orienta para o caminho do bem”.
Ana Beatriz revela também: “A consciência genuína nos impulsiona a ir ao
encontro do outro, colocando-nos em seu lugar e entendendo a sua dor. [...] nos
pequenos ou nos grandes gestos, a consciência genuína – e somente ela – é capaz
de mudar o mundo para melhor”.
Portanto, retomando Nivaldo Cordeiro: “Há um grande perigo em nosso
momento, muito semelhante àquele que Ortega viu a seu tempo. O ponto é que não
temos escolha que não agir para salvar a
nós mesmos. Ninguém fará isso por nós, que somos os agentes históricos. A
omissão não salvará ninguém, muito ao contrário, ela apenas entregará os
destinos coletivos nas mãos dos que têm a alma moralmente deformada. Daqueles
que não se importarão em causar morte e destruição”.
Quem é capaz de pensar mais profundamente essa ideia de “Eu sou eu e a
minha circunstância e se não a salvo, não salvo a mim mesmo”?
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Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com
Ortega y Gasset é um dos mais importantes filósofo do mundo contemporâneo, paera estudarmos o comportamento do homem em sociedade.
ResponderExcluirHá uma frase similar: O mal progride em funçao da omissao dos bons. O problema é que nos bons nao há malicia para deter os maus.
ResponderExcluirMuito bom!!
ResponderExcluirExatamente!!!!
ResponderExcluirExatamente!!!
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