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segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O PAPEL DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA

Diante de um cenário cibernético e outro cenário humano sombrio, há que se crer que a sociedade ainda será capaz de buscar o equilíbrio necessário para a sua sobrevivência

ESCREVI ESTE ARTIGO há algum tempo. Mas creio ser ele ainda oportuno para uma boa reflexão.

No papel que se possa atribuir à ciência e à tecnologia (esta entendida como a forma de transformar materiais, facilitar o trabalho humano, acelerar ciclos produtivos e gerar riquezas econômicas) no desenvolvimento nacional, pode estar escondido um vício de definição. Pode-se chamar desenvolvimento a um simples conjunto dos frutos tecnológicos, a uma profusão de teorias e máquinas a intermediar as ações humanas, ou deve-se amarrar esse termo à ideia de felicidade do homem e preservação do ambiente e dos ciclos naturais? Caso a resposta seja “sim, deve-se amarrar”, teremos que ser muito mais rigorosos com a ciência e a tecnologia, pois não se deve aplaudir uma conquista que exigirá duas outras para corrigir as suas repercussões sociais e ambientais.

Em entrevista, o filósofo francês Michel Serres (1) foi indagado sobre as novas possibilidades e os novos desafios que o desenvolvimento tecnológico apresenta para a educação e a comunicação. Serres diz que “Como cada mudança de suporte da informação tem trazido, na história, transformações consideráveis nas maneiras de vida (por exemplo, a invenção da escrita ou dos processos de impressão), devemos esperar mudanças igualmente radicais no futuro”. Daí também uma questão: a ultravelocidade de evolução que a ciência tem trazido aos atuais suportes tecnológicos da comunicação (computadores cada vez mais velozes, internet, telefonia celular e por satélite etc.), com a consequente ultradisponibilização de informações, pode levar a um “fastio informacional”?

 
O físico Marcelo Gleiser (2) considera que “O acesso fácil aos computadores e às telecomunicações criou uma aldeia global, em que a troca de informação entre diferentes culturas e pessoas do mundo é mais fácil e barata do que em qualquer outro período da história humana”. Para Gleiser, entretanto, esse excesso de informação, ao mesmo tempo inspirador e aterrorizador, causa muita confusão e estresse na cabeça das pessoas. E complementa: “A tecnologia é muitas vezes percebida como uma espécie de monstro, capaz de curas milagrosas e de viagens interplanetárias, mas também de produzir armas que poderiam aniquilar a vida na Terra”.

Segundo Gustavo Ioschpe (3), “[...] cientistas enfurnados em vários lugares do mundo ficam cada vez mais perto de completar o projeto Genoma, que é a codificação completa do DNA. Quando o projeto for completado – o que deve ocorrer nos próximos anos -, abrir-se-ão duas perspectivas inquietantes para a humanidade: a possibilidade de erradicar doenças geneticamente causadas antes mesmo de elas ocorrerem e a capacidade de determinar o perfil genético de sua prole”.

Drauzio Varella (6) - médico oncologista, cientista e escritor - sempre fica impressionado com os avanços ocorridos na genética nos últimos anos. “Os genes foram descritos pela primeira vez por Mendel no final do século XIX e permaneceram desconhecidos durante 20 ou 30 anos. Na verdade, só começamos a trabalhar com eles na segunda metade do século XX”, diz o médico.

Para Mayana Zatz, professora de genética humana e médica do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da Universidade São Paulo e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, a genética é a ciência do século e conta com um potencial de crescimento fantástico. Mayana foi entrevistada por Drauzio Varella. Ela confessa que quando começou a estudar genética, embora fosse apaixonada por essa área, não tinha a menor noção de que pudesse desenvolver-se tanto. E a cada dia se surpreende mais.

Pode-se de certa forma fazer um contraponto a essas facilidades das modernas técnicas genéticas, tomando-se a preocupação do professor Cristóvam Buarque (4), que traz à tona outros referenciais, como, por exemplo, o vazio existencial da sociedade. Buarque, paralelamente à questão do avanço da biotecnologia, aborda a questão da insegurança social e o consequente advento dos shopping centers e dos condominíos fechados, comparando “a maravilha da técnica com o fracasso da ética” na sociedade atual. Para o professor, a globalização é excludente em relação às identidades nacionais, e o desafio que hoje se impõe é a inclusão social, a invenção da utopia que o mundo inteiro está buscando.

Para a antropóloga Teresa Pires do Rio Caldeira (5), “Enquanto as classes média e alta se enclausuram, o espaço público se desvaloriza e é ocupado por sem-tetos (como, por exemplo, o ‘Minhocão’, na zona central de São Paulo). Para ela, a segregação social está cristalizada nos condomínios fechados, nos shopping centers, nas casas que mais parecem prisões, o que a antropóloga chama de “enclaves fortificados”. Segundo Teresa Pires, ”O muro que protege é também a barreira que ressalta diferenças e acirra conflitos”. Como fazer para que a ciência e sua expressão mais visível e pragmática, a tecnologia, vitais para o desenvolvimento nacional num mundo competitivo e globalizado, não aumentem o abismo entre os diferentes estratos sociais?

Desemprego, fome, miséria, violência, corrupção política, ocupação desordenada dos centros urbanos, lixo tóxico, devastação ambiental, crises econômicas nacionais, aquecimento global, narcotráfico e tantos outros males da nossa era são consequências da irracionalidade do ser humano, inclusive para lidar com a eventual nobreza de algumas de suas conquistas científicas e tecnológicas.

Mas, diante de um cenário cibernético e outro cenário humano sombrio, há que se crer que a sociedade ainda será capaz de buscar o equilíbrio necessário para a sua sobrevivência. Hoje já é possível visualizar algumas conquistas para melhorar a qualidade de vida: o gradativo crescimento das ONGs; a eficiente ação de movimentos ambientalistas; a legislação sobre os direitos humanos; o controle de emissão de gases poluentes; as teorias de desenvolvimento sustentável; a valorização da terceira idade; a legislação ambiental mais rigorosa; a descoberta de novas tecnologias de produção mais limpas e eficientes; a valorização e o crescimento do trabalho voluntário; a medicina alternativa; a reciclagem de lixo; o impeachment de políticos; a valorização da ação social de empresas privadas; a predisposição em se aceitar o homem independentemente de ração, religião, opção sexual ou condição social; a tecnologia avançada para monitoramento e proteção ambiental; a revolução biotecnológica e tantas outras ações que refletem uma nova postura do homem para lidar com os efeitos da revolução científica e tecnológica.

Portanto, na atualidade, a questão da importância da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento nacional deve passar necessariamente pela reflexão sobre o direito de todos os cidadãos terem acesso ao progresso decorrente da ciência e da tecnologia. É claro que existem coisas que só a ciência e a tecnologia podem propiciar. Quanto mais se expande o conhecimento científico e a tecnologia, mais se expande a sociedade humana, que adquire paralela e gradativamente um maior grau de conforto. Pensar no avanço da ciência, hoje, é pensar no aumento da longevidade, na possibilidade de diminuição de doenças genéticas, na descoberta de como genes podem influenciar comportamentos humanos. Falta então à sociedade atual adquirir a consciência da totalidade, evoluindo socialmente com a mesma eficiência de sua evolução científica e tecnológica.

Exatamente por serem a ciência e a tecnologia essenciais para a soberania e o desenvolvimento nacional, deve-se embutir na sua gestão, obrigatoriamente, a preocupação com a saúde ambiental, com a ética interpessoal e com o comprometimento com mudanças nos padrões culturais de consumo e de bem-estar.

*** Referências Bibliográficas

(1) SERRES, Michel. A conexão. Folha de S.Paulo, São Paulo, 19 set. 1999. Ciência, p. 11
(2) GLEISER, Marcelo. Ciência e espiritualidade. Folha de S.Paulo, São Paulo, 18 jul. 1999. Mais! p.11
(3) IOSCHPE, Gustavo. Pelo obscurantismo, talvez. Folha de S.Paulo, São Paulo, 20 set.1999
(4) BUARQUE, Cristóvam. Os desafios da cidadania no século XXI. 1ª Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto, TV Câmara, Brasília (DF), 2 nov. 2000
(5) RIO CALDEIRA, Teresa Pires do. No artigo: Livro traça um perfil das prisões urbanas, de CIELICI DIAS, Edney. Folha de S.Paulo, São Paulo, 5 dez. 2000. Cotidiano, p. c4
(6) VARELLA, Drauzio. Projeto Genoma,
http://drauziovarella.com.br
_____________
Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli,
navarro98@gmail.com

2 comentários:

  1. “A cada obra concluída o espírito humano se renova, orgulhoso com o que fez. Mas tão importante quanto esse orgulho é a humildade de ver o quanto ainda não foi feito, o quanto ainda continua inacabado ou incompreendido.

    Se um dos objetivos da ciência é aliviar o sofrimento humano, seria inocente acreditar que tal objetivo será um dia alcançado. Livrar-nos das iniquidades sociais não seria suficiente, mesmo se possível.

    Temos a Natureza, com sua força indomável, sempre a nos pegar de surpresa, como no caso do furacão Sandy aqui nos EUA neste ano, provavelmente uma indicação do tipo de clima extremo que está por vir. Temos também a natureza humana, encalhada numa luta perene entre o bem e o mal, como vemos nas ações tão belas de uns e nas horripilantes de outros.” Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), “Reflexões sobre o bem e o mal”, Folha de S.Paulo, caderno Saúde+Ciência, 23/12/2012

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  2. Tecnologia, por si só, não muda o mundo

    * Depois de anos de investimentos, celulares e aplicativos começam a levar desenvolvimento a países mais pobres

    “O mais promissor dos projetos de ‘mSaúde’ que vi se chama Motech e tem como foco a saúde de mães e crianças em Gana. Profissionais de saúde com celulares visitam as aldeias e criam formulários digitais com informações vitais sobre mulheres em início de gestação.

    O sistema em seguida envia mensagens de saúde às mulheres grávidas, tais como lembretes semanais sobre as melhores práticas pré-natais. Também envia informações ao Ministério da Saúde, o que oferece um quadro preciso e detalhado sobre as condições de saúde no país.”

    autor: Bill Gates, fundador da Microsoft, Folha de S.Paulo, Mercado, 27/12/2012


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