“Quem não é capaz de se esvaziar, de reprimir seus pensamentos, desejos e esperanças, tem dificuldade até para adormecer. Adormecemos depois de a mente estar vazia”
ISTO TUDO não se trata de simples teoria, já que o meu propósito é contribuir para a elevação do leitor a um estágio melhor do que o anterior. O controle da mente é algo que experiencio e aprendi com a prática do budismo, iniciada há dois anos e meio. Porque um dos ensinamentos básicos do budismo é o esvaziamento da mente.
“Quem não é capaz de se esvaziar, de reprimir seus pensamentos, desejos e esperanças, tem dificuldade até para adormecer. Adormecemos depois de a mente estar vazia”, escreve a psicanalista Anna Veronica Mautner em “Elegia ao tédio, esse paradoxo” (Folha de S. Paulo, caderno Equilíbrio, 15/5/2012). A psicanalista revela que quem sofre de insônia está fugindo do vazio. “Não vou entrar nas razões que levam a essa fuga. Cada um contará uma história. É a partir do vazio que captamos a sensação do tempo-espaço para o surgimento de algo novo, que não precisa ser sensacional, pode apenas representar o novo – algo a mais no tempo, na experiência. No viver!”, arremata Anna.
Citando o psiquiatra e psicoterapeuta Augusto Cury, em sua obra “A fascinante construção do eu”: “Quem gerencia seus pensamentos, dialoga, abraça, elogia, se doa, brinca, tem muito mais possibilidades de superar a solidão gerada pelas decepções, perdas, rejeições, traições, abandonos. Quem não exige muito dos outros nem de si tem mais versatilidade e relaxamento nesse processo.”
“O ponto essencial que aprendemos ao entender a mente é que a libertação do sofrimento não pode ser encontrada fora da mente. A libertação permanente só pode ser alcançada por meio da purificação da mente. Sendo assim, se quisermos nos livrar dos problemas e alcançar paz duradoura e felicidade, precisamos aumentar nosso conhecimento e compreensão da mente”, escreve o mestre de meditação Geshe Kelsang Gyatso em sua obra “Transforme sua vida”.
Isso tem a ver com as palavras do lama Zopa Rinpoche, mestre de meditação tibetana: “Enquanto você não mudar sua mente, sempre haverá um inimigo para lhe fazer mal.”
Para Kelsang Gyatso, ninguém quer sofrer. “Dia e noite, mesmo em sonhos, instintivamente tentamos evitar até o menor sofrimento. Isso indica que, embora não estejamos plenamente conscientes disso, o que procuramos de fato é a libertação permanente do sofrimento.”
PAZ PERMANENTE
Na realidade, diz o monge budista Geshe Kelsang Gyatso, em sua outra obra: “Budismo moderno”, todos os problemas que enfrentamos diariamente provêm do nosso autoapreço e autoagarramento – noções errôneas que exageram nossa própria importância. “Contudo, por não entender isso, normalmente culpamos os outros pelos nossos problemas, e isso só os agrava. Dessas duas noções errôneas básicas, nascem todas as nossas outras delusões, como a raiva e o apego, que nos levam a experienciar infindáveis problemas”, complementa o escritor.
Normalmente, buscamos felicidade fora de nós, diz o mestre. “Tentamos obter melhores condições materiais, um emprego melhor, posição social elevada e assim por diante. Contudo, por mais que consigamos melhorar nossa situação exterior, continuamos a experienciar muitos problemas e grande insatisfação. Nunca experienciamos felicidade pura e duradoura. Isso mostra que não devemos procurar felicidade fora de nós, mas estabelecê-la dentro de nós, purificando e controlando nossa mente por meio de uma prática espiritual sincera. Se treinarmos desse modo, poderemos assegurar que nossa mente permanecerá calma e feliz o tempo todo. Então, por mais difíceis que sejam as nossas circunstâncias exteriores, estaremos sempre felizes e em paz.”
Segundo Gyatso, em nossa vida comum, por mais que trabalhemos arduamente para obter felicidade, ela sempre se esquiva de nós, ao passo que os sofrimentos e problemas parecem brotar naturalmente, sem nenhum esforço. “Isso acontece porque a causa de felicidade em nossa mente – paz interior – é muito fraca e só produz efeito se aplicarmos muito esforço. Por outro lado, as causas interiores de sofrimentos e problemas – as delusões – são muito fortes e produzem seus efeitos sem nenhum esforço da nossa parte. Essa é a verdadeira razão pela qual os problemas surgem naturalmente, enquanto que a felicidade é tão difícil de ser encontrada.”
Assim, podemos ver que as principais causas tanto de felicidade como de problemas estão na mente, não no mundo exterior. Se fôssemos capazes de manter uma mente calma e serena ao longo do dia, nunca experimentaríamos problemas ou sofrimento mental, orienta o monge. “Por exemplo, se nossa mente permanecer em paz o tempo todo, então, mesmo que sejamos insultados, criticados ou caluniados ou percamos nosso emprego ou amigos, não nos sentiremos infelizes. Por pior que sejam nossas circunstâncias exteriores, elas não serão um problema para nós enquanto mantivermos uma mente calma e serena. Portanto, se quisermos nos livrar dos problemas, só há uma coisa a fazer: seguir o caminho espiritual e, assim, aprender a manter um estado mental tranquilo.”
MEDITAÇÃO
“Nossa mente está sempre distraída com pensamentos a respeito do que já aconteceu e ideias sobre o que poderia acontecer, mas a única coisa que realmente está acontecendo é o que está acontecendo agora. Quando praticamos meditação, estabilizamos a mente e tentamos reduzir a confusão”, escreve Sakyong Mipham em seu livro “Governe seu mundo”.
Ele explica que na prática da meditação aprendemos a aceitar e reconhecer os pensamentos sem reagir a eles, ou seja: “Deixamos de ser tão prontamente enganados pelas aparências. A mente torna-se mais flexível, pois passamos a reconhecer nossas próprias projeções.”
Diz também que compreendemos que estamos sempre ouvindo, contemplando e meditando, mas em meio a uma caótica agitação de pensamentos e emoções. “Quando ouvimos que um casal amigo está se separando, pensamos sobre quem fez o que a quem, e logo temos certeza de quem é o responsável. Quando ouvimos que alguém ganhou muito dinheiro, desenvolvemos a certeza da inveja. O que ouvimos, contemplamos e meditamos é puro acaso, e as conclusões que tiramos com frequência nos levam a descer pela estrada da negatividade.”
Imagem: http://yogajournal.terra.com.br
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Sakyong encoraja as pessoas a meditar durante períodos de dez minutos, sem o propósito de obter resultados imediatos. “Exagerar nesse treino poderia desencaminhar todo o processo, como correr uma longa distância e muito depressa ou levantar mais peso do que podemos aguentar. Uma maneira sensata de abordar a mudança consiste em dizer a si mesmo: Pode ser que eu ainda me irrite em noventa por cento do tempo. Mas com dez por cento da minha mente e do meu coração, tentarei dar prioridade às outras pessoas.”
Quanto tempo gastamos todo dia nutrindo em nossa mente pensamentos negativos?, pergunta Sakyong. Para ele, esses estados de ânimo são temporários, mas parecem tão profundamente enraizados que acreditamos que eles sejam nós mesmos. O resultado de colocarmos a mente nas emoções negativas e nelas mantê-la não é agradável. Esquecemos de respirar. No fim do dia, podemos nos sentir ansiosos, deprimidos e exaustos. Até mesmo dormir é difícil, pois durante todo o dia estivemos gravando na mente imagens e pensamentos perturbadores e negativos.
“O governante tira vantagem da neutralidade da mente. Decidimos diminuir a porcentagem do tempo que gastamos em emoções negativas e aumentar o tempo gasto em pensamentos e ideias que conduzem a algum lugar. Se mantivermos a mente em pensamentos baseados na compaixão e na sabedoria, é com eles que ela se familiarizará, e, como qualquer hábito, esses pensamentos crescerão”, complementa o autor.
“É mudando de atitude que mudamos nossa vida.” Palavras sábias de Sakyong.
TEMPO DE RECOMEÇAR
Imagem: www.vidaplenaebemestar.com.br
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Kelsang Gyatso comenta: “Se pensarmos sobre a nossa vida, veremos que durante muitos anos não tivemos nenhum interesse pela prática espiritual e que, mesmo agora que desejamos praticar, por preguiça, não o fazemos puramente”. Ele cita um estudioso chamado Gungtang, que disse:
“Passei vinte anos sem desejar praticar os ensinamentos espirituais. Passei os vinte anos seguintes pensando que poderia praticar mais tarde. Passei outros vinte anos absorto em outras atividades e lamentando o fato de não ter praticado. Essa é a história da minha vida humana vazia.”
“É como se a nossa mente focasse em problemas, não em soluções; como se remoêssemos as questões, não as respostas”, escreve Hugh Prather em “Não leve a vida tão a sério”. Para o autor, existem três coisas de que é preciso abrir mão: julgar, controlar e ser o dono da verdade.”
Prather recomenda: “Transforme sua mente radicalmente, de latas de lixo mental para canteiros floridos. Abençoar, rezar ou mentalizar na pessoa que é objeto de sua preocupação também é uma energia muito forte. Pense em qualquer coisa que tenha a ver com amor ou união. Interrompa o pensamento e inude de luz uma pessoa, sempre que surgir algum pensamento perturbador”.
O que significa dedicar-se à prática espiritual? pergunta Gyatso. “Essencialmente, significa transformar a mente – superar delusões e ações negativas e cultivar ações e pensamentos construtivos. Isso é algo que podemos fazer o tempo todo, não apenas quando estamos sentados em meditação”, diz o monge.
Porque se desejamos realmente mudar nossa vida, precisamos começar neste momento. Ou seja, sair do padrão condicionado, tornar-se mais compassivo e mais sábio para o benefício de todos. Porque nossa verdadeira natureza é pacífica, radiante e cheia de amor. Nossa mente é que precisa ser verdadeiramente apaziguada.
Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com
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