Páginas

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

BISSEXUALIDADE, EDUCAÇÃO E TRABALHO, SEGUNDO FREUD


EM SUA OBRA “O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO”, com tradução de Isabel Castro Silva, Sigmund Freud, 1856-1939, o notável médico criador da psicanálise, examina o modo como a espécie humana sacrificou a vida instintiva e reprimiu a espontaneidade para permitir o progresso social e cultural. É também neste livro, como consta em sua sinopse, que Freud analisa a origem dos sentimentos de culpa e, de um modo geral, procede à mais completa exposição das suas ideias sobre a história da humanidade.

Confesso ser difícil para mim ler Freud. Mas qualquer esforço é válido. Pela possibilidade de obter alguns “insights” essenciais à vida humana. No capítulo “Notas” do referido livro, que li durante uma recente curta viagem, surpreendi-me com a forma como Freud aborda a bissexualidade, a educação e o trabalho, e sobretudo pela tão grande atualidade do tema.

Eis o que reuni de Freud para compartilhar com o meu leitor. Não há como não se emocionar com a genialidade desse notável estudioso. O conteúdo de cada item pode levar o leitor a um estágio melhor do que o anterior: uma nova maneira de sentir, pensar e agir. Quem se habilita?

SOBRE A ATIVIDADE PROFISSIONAL

***  “Se o rumo dos interesses de um homem não for definitivamente traçado por nenhum talento particular, a atividade profissional comum e acessível a todos pode cumprir a função indicada pelo sábio conselho de Voltaire. Numa síntese sumária como esta, não é possível realçar suficientemente a importância do trabalho na economia da libido. Para conduzir a própria vida, a única técnica capaz de estabelecer uma união forte entre o indivíduo e a realidade é aquela que insiste no trabalho, pois este tem pelo menos a virtude de inserir o indivíduo num segmento da realidade, numa comunidade humana.

A possibilidade de deslocar uma grande quantidade de componentes libidinais, sejam elas narcisistas, agressivas ou mesmo eróticas, para a atividade profissional e para as relações humanas a ela associadas, confere ao trabalho um valor não inferior à sua importância enquanto elemento indispensável para estabelecer e justificar a vida em sociedade.

A atividade profissional proporciona particular satisfação se tiver sido livremente escolhida, ou seja, se através da sublimação for conferida utilidade a certas tendências já presentes e a certos impulsos instintivos persistentes ou reforçados pela constituição do indivíduo.

E, no entanto, o trabalho é menosprezado enquanto via para a felicidade. Não nos dirigimos a ele como nos dirigimos a outras possibilidades de satisfação. A grande maioria dos homens trabalha apenas por obrigação, e esta aversão natural ao trabalho está na raiz de graves problemas sociais.”

SOBRE A EDUCAÇÃO

***  “Que a educação atual oculte aos jovens o papel que a sexualidade virá a ter nas suas vidas, não é a única falha que lhe podemos apontar. Peca além disso também por não os preparar para a agressividade de que eles necessariamente serão objeto.

Ao deixar que a juventude saia para a vida com uma orientação psicológica incorreta, a educação assemelha-se a alguém que equipasse os viajantes de uma expedição polar com roupas de Verão e mapas dos lagos do Norte da Itália.

Nestas ocasiões torna-se particularmente evidente um certo mau uso dos imperativos éticos. A sua severidade não seria demasiado prejudicial se aos jovens se ensinasse: ‘É assim que os homens devem agir para serem felizes e tornarem os outros felizes, mas é preciso não esquecer que os homens não são assim’. Em vez disso, a educação atual leva os jovens a acreditar que todos os outros cumprem os imperativos éticos e que, logo, são pessoas virtuosas. É nisto que se fundamenta a exigência de que também ele se torne virtuoso.”

SOBRE A BISSEXUALIDADE

***  “Também, o homem é um animal de inequívoca disposição bissexual. O indivíduo corresponde à fusão de duas metades simétricas, sendo uma delas, de acordo com alguns investigadores, puramente masculina e a outra feminina.

É também possível que cada metade fosse originariamente hermafrodita. A sexualidade é um fato biológico difícil de apreender em termos psicológicos, apesar da sua extraordinária importância sobre a vida mental.

É costume dizer que cada pessoa exibe impulsos instintivos, necessidades e características tanto masculinos como femininos; mas o caráter masculino e feminino, que a anatomia consegue indicar, escapa por inteiro à psicologia. Para esta última, a oposição entre os sexos esbate-se e cede lugar a um contraste entre atividade e passividade. Facilmente se tende aqui a confundir a atividade com o caráter masculino e a passividade com o caráter feminino, o que está longe de ser uma regra sem exceção no reino animal.

A teoria da bissexualidade encontra-se num estado muito incipiente, e o fato de ainda não ter sido associada à teoria dos instintos constitui um sério obstáculo para a psicanálise.

Em todo o caso, se aceitarmos que na vida sexual o indivíduo quer satisfazer desejos tanto masculinos como femininos, estaremos preparados para a possibilidade de estes desejos não serem satisfeitos pelo mesmo objeto e de entrarem em conflito sempre que ambos os impulsos não sejam mantidos afastados e dirigidos cada um deles para um canal que lhes seja apropriado.

Uma outra dificuldade prende-se à relação erótica, que, para além das componentes sádicas que lhes são próprias, muitas vezes é acompanhada por uma tendência direta para a agressão. Nem sempre o objeto do amor reagirá a estas complicações com tanta compreensão e tolerância como aquela camponesa que se queixava de que o marido já não a amava pois há mais de uma semana que não lhe batia.”

________________
Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com

2 comentários:

  1. “O conceito de hétero e homossexualidade não foi criado com base em princípios científicos, mas sim sociais. A ciência tem muita influência e muita autoridade perante a sociedade. E essa é uma das razões de ela continuar procurando evidências físicas para a sexualidade ou a orientação sexual. Seria muito conveniente se a ciência dissesse: ‘Isso é o que faz com que alguém seja homossexual. Agora sabemos de onde vem’. A partir daí, teríamos uma resposta para o questionamento de por que alguns querem uma coisa e outros querem coisas diferentes. Se houvesse alguma resposta física conveniente para essa questão, então não precisaríamos mais perguntá-la”, revela a historiadora americana Hanne Blank, 43, em entrevista a Tonia Machado (revista Época, Ideias, www.epoca.com.br, 17/9/2012).

    ResponderExcluir
  2. NA VISÃO DA PSIQUIATRIA, transexualidade não é escolha, como querem alguns setores. Veja o que diz Alexandre Saadeh, professor da PUC-SP e coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas de SP: “Há evidências de que a diferenciação cerebral intrauterina pode ser influenciada por níveis de andrógenos (hormônios que desenvolvem as características sexuais masculinas) circulantes na gestação, o que pode gerar um cérebro masculino ou feminino, independentemente da anatomia já definida. Apesar da importância do ambiente e da cultura, não há evidências de como esses fatores se acrescentam aos fenômenos biológicos”.
    Fonte: “Menino em pele de menina”, Carolina de Andrade, Folha de SP, Equilíbrio, 20/11/2012

    ResponderExcluir

Para comentar mais facilmente, ao clicar em “Comentar como – Selecionar Perfil”, selecione NOME/URL. Após fazer a seleção, digite seu NOME e, em URL (preenchimento opcional), coloque o endereço do seu site.