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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

AUTOAPREÇO

“Se nossos desejos não forem satisfeitos e nos sentirmos infelizes, devemos lembrar imediatamente que a culpa não é dos outros nem das circunstâncias, mas do nosso autoapreço, que instintivamente exagera a importância dos nossos desejos”


HÁ ALGO QUE EXPERIMENTO com certa constância em minhas leituras. Ao viver determinada situação, refletindo sobre atitudes minhas e dos outros, por exemplo, cai, por assim dizer, uma obra, um texto, em minhas mãos, que parece encomendado. É difícil falar sobre isto. As pessoas podem não acreditar. Mas não importa. Importa o que experimento nesse sentido, que chega até a inspirar alguns dos meus artigos.

Acho difícil o leitor não se identificar. Ou então duvidar de tudo isto!

Com estas palavras em sua obra O semeador de ideias, o médico, psiquiatra e psicoterapeuta Augusto Cury resume muito bem a minha história de hoje: “A energia gasta para mudar os outros é muitíssimo maior do que para tolerá-los do jeito que são. Ninguém muda ninguém. Só as próprias pessoas podem se mudar. Relaxe!”

“Porque estamos tão habituados a nos apreciar mais do que aos outros, a visão de que eles são supremamente importantes não surge naturalmente e precisamos treinar nossa mente com paciência durante muitos anos antes que essa visão se torne natural”, revela o monge Geshe Kelsang Gyatso em seu livro Transforme sua vida.

Este já é o segundo artigo originado da leitura dessa obra de Gyatso. Porque, quando descubro essas preciosidades, vem logo o desejo de compartilhá-las. Isto não quer dizer que os meus artigos possam substituir a leitura delas. Ao contrário, a ideia é de que os artigos também possam despertar o interesse para a leitura da obra completa.

Em nossas relações habituais, quando algo não dá certo,
há sempre alguém para culpar

“Com frequência, culpamos alguma outra pessoa pela nossa infelicidade e ficamos ressentidos. Contudo, se exarminarmos a situação com cuidado, veremos que o responsável pela nossa infelicidade é sempre a nossa própria atitude mental. As ações das outras pessoas só nos tornarão infelizes se permitirmos que elas provoquem uma reação negativa em nós. Críticas, por exemplo, não têm o poder de nos ferir por si mesmas; sentimo-nos feridos unicamente por causa do nosso autoapreço. Com o autoapreço, somos tão dependentes da opinião e da aprovação alheia, que perdemos nossa liberdade de reagir e atuar da maneira mais construtiva”, explica Kelsang Gyatso.

Às vezes, pensamos que estamos infelizes porque uma pessoa que amamos se encontra em dificuldades, diz o monge. “Nesse caso, devemos lembrar que, no momento, nosso amor pelos outros quase sempre está misturado com apego, próprio de alguém com uma mente autocentrada. O amor que os pais costumam sentir por seus filhos, por exemplo, é profundo e genuíno, mas nem sempre é amor puro. Com ele, estão misturados outros sentimentos, como a necessidade de também se sentir amado e admirado, a convicção de que os filhos são de alguma forma parte dos pais, o desejo de impressionar os outros por meio dos filhos ou a esperança de que os filhos irão de algum modo realizar os sonhos e ambições dos pais.” Quem pode entender e aceitar?

Perdoar a “suposta” ofensa

Costumamos vigiar o que os outros fazem, mas seria bem melhor vigiarmos o que se passa na nossa própria mente, diz Kelsang Gyatso. “Em qualquer atividade – trabalho, conversas, descanso ou o estudo, uma parte da nossa mente deve estar sempre examinando os pensamentos que surgem. Quando uma delusão estiver prestes a surgir, devemos tentar interrompê-la. Se a descobrirmos em seus estágios iniciais, será relativamente fácil fazê-la parar, mas se permitirmos que se desenvolva por completo, dificilmente conseguiremos controlá-la”, argumenta o monge.

Segundo ele, antigos monges costumavam dizer que para levar uma vida virtuosa tudo o que precisamos é atacar nossas delusões o mais que pudermos e beneficiar os outros tanto quanto possível. Compreendendo isso, devemos travar uma guerra constante contra o nosso inimigo interior, o autoapreço, e nos empenhar para apreciar e beneficiar os outros, escreve.

Portanto, conforme orienta esse monge budista, se nossos desejos não forem satisfeitos e nos sentirmos infelizes, devemos lembrar imediatamente que a culpa não é dos outros nem das circunstâncias, mas do nosso autoapreço, que instintivamente exagera a importância dos nossos desejos.

“Perdoe sempre seu inimigo. Não há nada que o enfureça mais.” escreve Allan Percy em sua obra Oscar Wilde para inquietos. Para o autor, nada nos proporciona mais alívio do que perdoar uma ofensa que vinha nos corroendo. Quando deixamos de lado o ressentimento, sentimos que estamos repentinamente liberados.

Como revela Oscar Wilde: “Procure me amar quando eu menos merecer, porque será quando mais precisarei”, cita Percy.

E para complementar, busco inspiração:

(1) no médico, psiquiatra e psicoterapeuta Augusto Cury, através do livro mencionado: “A humanidade não precisa de heróis nem deuses, mas de seres humanos que reconheçam suas tolices e assumam suas limitações e imperfeições. Vocês são deuses ou seres humanos? Se considerarmos a personalidade humana como um grande edifício, a maioria dos homens nunca saiu do térreo, da sala de recepção. Sim, a maioria jamais entrou no subsolo da sua mente nem nos andares mais elevados da sua inteligência. São desconhecidos de si próprios.”

(2) na autora Eva Pierrakos, em seu livro: O caminho da autotransformação: “Não importa o tipo de erro que o outro possa cometer: se você está perturbado, há algo no seu íntimo a que você não dá a devida atenção. Prossigam no seu crescimento interior para que sua plenitude e união com o universo se ampliem e lhes propiciem mais daquela alegria que é inerentemente seu direito inato.”

E em Rabindranath Tagore, A morada da paz, presenteado a mim pelo amigo Lineu:

“Chegamos até a limitar esse grandioso universo às quatro paredes de nossa casa e a um pedacinho de terra, como se não tivéssemos nascido no coração da Criação sem limites, e sim em um pequeno mundo pessoal que o termo “eu, eu, eu” preencheria totalmente.

Milhares de indivíduos, em sua vida inteira, jamais conheceram uma união profunda. Eles jamais se sentiram próximos de não importa quem no mundo e, nascidos sobre esta terra, em nenhum segundo estabeleceram uma relação estreita com ela. Ora, eles não tomam consciência disso. Com efeito, estão sempre prontos para se divertir, para se distrair, para tagarelar ou discutir, ao sabor dos encontros; e, como partilham com alguns as atividades e as responsabilidades cotidianas, eles se acreditam ligados a todos. Que tais relações sejam, de fato, sem valor real, eis uma ideia que ultrapassa sua compreensão.

Quanto aos indivíduos hipersensíveis e exageradamente suscetíveis, seus pais, amigos e pessoas de sua relação se esforçam antes de tudo em se proteger de seus humores. Dada a tendência deles de ampliar exageradamente o menor mal-entendido, cada um diz: “Para que discutir?”, e ninguém se expressa ou age de modo natural com eles. Por outro lado, ouvem apenas com um ouvido ou nada ouvem e, portanto, não podem de fato se comunicar com ninguém; também jamais são apreciados em seu justo valor. Daí resulta que as fontes de contentamento mais elementares lhes serão recusadas. Além disso, como sua vizinhança se abstém de qualquer reprovação e satisfaz os menores caprichos deles, esses infelizes ignoram o sabor da amizade, que não poderia florescer em condições tão pouco favoráveis.”

*** Leitura complementar: Conselhos para a superação do autoapreço, de Geshe Ngawang Dhargyey, Dharamsala, Índia, 1973. Busque no Google. Muito útil para quem se interessa pelo assunto e deseja progredir nesse sentido.

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Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com

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