Impossível não se identificar com tudo isto. São fragmentos da obra
“O sentido de um fim”
“O sentido de um fim”
Imagem: www.julianbarnes.com
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Acabo de ler “O sentido de um fim”, de Julian Barnes, vencedor do “Prêmio Man Booker Prize 2011” e um dos mais elogiados escritores ingleses em atividade.
Para o escritor, a memória é capaz de escrever a história de uma vida, injetar nela certezas e definir os papéis de cada personagem. “O narrador deste romance, porém, não é confiável. Aos sessenta e poucos anos, careca e aposentado, Tony Webster recorre às lacunas de suas lembranças ao deparar com o passado”, escreve Julian.
De uma precisão desconcertante, o autor reflete sobre a fragilidade dos alicerces da memória através das investigações de Tony, cita o prefácio.
Eis alguns fragmentos que reservei para compartilhar com o leitor do blog. É possível não apenas se identificar com tudo isto, mas, sobretudo, repensar sobre o aspecto do desperdício da vida, do despertar para a experiência da ação filantrópica, da necessidade de fazer a diferença em qualquer idade... Como observa o narrador deste romance: “A minha vida tinha se multiplicado ou meramente se acumulado?”
“*** POUCO TEMPO ATRÁS, eu me ofereci para administrar a biblioteca do hospital local; percorro as enfermarias entregando livros, recolhendo, recomendando. Isso me faz sair de casa, e é bom fazer algo que seja útil; além disso, conheço pessoas novas. Pessoas doentes, é claro; moribundas também. Mas pelo menos eu vou conhecer bem o hospital quando chegar a minha vez.
E a vida é isso, não é? Algumas realizações e algumas decepções. A mim parece interessante, embora não reclame ou me espante se outros não concordam muito com isso. Mas eu não perderia a minha vida por nada, entenda bem.
Imagem: www.abril.com.br
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*** Quando somos jovens, todo mundo acima dos trinta parece estar na meia-idade, todo mundo acima dos cinquenta, na velhice. E o tempo, à medida que vai passando, confirma que não estávamos tão errados assim. Aquelas pequenas diferenças de idade, tão cruciais e tão graves quando somos jovens, se desfazem. Nós acabamos todos pertencendo à mesma categoria, a dos não jovens. Eu mesmo nunca liguei muito para isso.
*** Mas a geração mais jovem não sente mais a necessidade, ou mesmo a obrigação, de manter contato. Pelo menos, “manter contato” no sentido de “ver”. Um e-mail serve para o papai – que pena que ele não aprendeu a enviar mensagem de texto pelo celular. Sim, ele está aposentado agora, ainda metido com aqueles misteriosos “projetos” dele, duvido que ele um dia vá terminar alguma coisa, mas pelo menos isso mantém o cérebro dele ativo, melhor que golfe, e, sim, nós estávamos planejando passar lá na semana passada, mas surgiu uma outra coisa. Eu espero que ele não fique com Alzsheimer, essa é a minha maior preocupação, realmente, porque, bem, mamãe não vai querer que ele volte, vai?
*** Quanto menos tempo de vida lhe resta, menos você quer desperdiçá-lo. Isso é lógico, não é? Embora como empregar as horas economizadas..., bem, essa é outra coisa que você provavelmente não teria previsto quando jovem. Por exemplo, eu passava um bocado de tempo arrumando coisas – e eu nem sou uma pessoa bagunceira. Mas esta é uma das modestas satisfações da idade. Eu gosto das coisas arrumadas; eu reciclo; eu limpo e decoro o meu apartamento para conservar o seu valor.
*** Eu descobri que esta pode ser uma das diferenças entre a juventude e a velhice: quando somos jovens, inventamos diferentes futuros para nós mesmos; quando somos velhos, inventamos diferentes passados para os outros.
*** E como o poeta ressaltou, existe uma diferença entre adicionar e multiplicar. A minha vida tinha se multiplicado ou meramente se acumulado? Houve soma – e subtração – em minha vida, mas quanto de multiplicação? E isso me deixou com uma sensação de desassossego, inquietude.
*** No dia seguinte, quando eu estava sóbrio, tornei a pensar em muitos paradoxos do tempo. Por exemplo: que, quando somos jovens e sensíveis, também somos mais agressivos; mas quando o sangue começa a correr mais lento, quando os sentimentos ficam menos aguçados, quando criamos uma armadura e aprendemos a suportar o sofrimento, nós pisamos com mais cuidado. Hoje em dia eu poderia irritar Veronica, mas jamais tentaria arrasar completamente com ela.
*** Quando você começa a esquecer as coisas – não estou falando de Alzsheimer, só da consequência previsível do envelhecimento – há maneiras diferentes de reagir. Você pode parar tudo e ficar tentando forçar sua memória a fornecer o nome daquele conhecido, flor, estação de trem, astronauta... Ou você admite o fracasso e toma medidas práticas como consultar uma enciclopédia e a internet. Ou você simplesmente deixa pra lá – esquecer de lembrar – e então às vezes você percebe que o fato esquecido volta à superfície uma hora ou um dia depois, normalmente durante aquelas longas noites em claro que a idade impõe. Bem, nós todos aprendemos isso, aqueles de nós que esquecem coisas.”
E então, dá ou não pra se repensar sobre a “ironia, imperfeições e a subjetividade do tempo” tão bem descrito pelo escritor Julian Barnes?...
Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com
Todos aqueles que vieram antes de nós são velhos, todos os que chegaram depois são jovens...assim enxergamos porque o tempo é subjetivo. Viver é bom sempre, embora não haja dúvida que quando se é jovem tudo é bem mais animado.
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