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“DE TODAS AS CONCEPÇÕES ERRÔNEAS, a mais poderosa e insidiosa é aquela que afirma que a paixão é sinônimo de amor – ou, pelo menos, uma de suas manifestações. É poderosa, porque a paixão é experimentada subjetiva e intensamente como amor. Quando uma pessoa se apaixona, o que ele ou ela certamente sente é ‘eu o amo’ ou ‘eu a amo’. Só que dois problemas se tornam imediatamente visíveis. O primeiro é que a experiência da paixão é especificamente erótica. Não nos apaixonamos por nossos filhos, embora possamos amá-los profundamente. Não nos apaixonamos por amigos do mesmo sexo – a não ser que sejamos homossexuais -, embora possamos gostar muito deles. Só nos apaixonamos quando temos consciente ou inconscientemente uma motivação sexual”, escreve o psiquiatra M. Scott Peck, formado em Harvard e em “Case Western Reserve University School of Medicine”, em sua obra “A trilha menos percorrida” (best seller por dois anos na lista do ‘The New York Times’), que leio atualmente.
Eu, particularmente, considero essa obra uma oportuna aula para quem deseja manter um relacionamento saudável a dois. Consta no prefácio que a maioria das ideias apresentadas pelo doutor Peck provém de seu trabalho clínico diário com pacientes que lutavam para evitar ou atingir níveis ainda maiores de maturidade. Consequentemente, o livro contém partes de muitos relatos.
Para o escritor, prosseguindo então, o segundo problema é que a experiência da paixão é invariavelmente temporária. “Não importa por quem nos apaixonamos, se o relacionamento durar, cedo ou tarde nos desapaixonaremos. Isso não significa que sempre deixamos de amar a pessoa por quem nos apaixonamos, mas que o êxtase que caracteriza a paixão acaba. A lua-de-mel sempre termina. O romance perde o brilho”, narra o psiquiatra.
Por outro lado, observa o psiquiatra, o “amor” por bebês, animais de estimação e até mesmo cônjuges submissos e dependentes é um padrão de comportamento instintivo que poderia ser mais adequadamente chamado de “instinto maternal” ou, de maneira geral, “instinto progenitor”. Peck diz poder compará-lo ao comportamento instintivo de “apaixonar-se”: não é uma verdadeira forma de amor, já que não exige esforço, e não é totalmente um ato de vontade ou escolha; encoraja a sobrevivência da espécie, mas não seu aperfeiçoamento ou crescimento espiritual.
APAIXONAR-SE NÃO É UM ATO DA VONTADE
Não é uma escolha consciente, descreve o autor. “Por mais que estejamos abertos ou dispostos, a experiência da paixão ainda pode nos escapar. Por outro lado, podemos passar por ela quando definitivamente não a procuramos, quando é inconveniente e indesejável. Temos a mesma tendência a nos apaixonar por uma pessoa obviamente incompatível quanto por uma absolutamente apropriada. De fato, podemos até mesmo não apreciar ou admirar o objeto da nossa paixão e, por mais que tentemos, não ser capazes de nos apaixonar por alguém que respeitamos muito e com quem seria desejável ter um relacionamento profundo”, explica o psiquiatra americano.
Para o escritor, isso não quer dizer que a experiência da paixão seja imune à disciplina. Ele conta que os psiquiatras, por exemplo, frequentemente se apaixonam por seus pacientes, assim como seus pacientes costumam se apaixonar por eles, mas devido ao seu papel e dever profissional geralmente são capazes de evitar o colapso de suas fronteiras egóicas e de desistir do paciente como objeto romântico. A luta e o sofrimento da disciplina envolvida podem ser enormes, comenta o doutor Peck.
Ele diz também que apaixonar-se não é uma ampliação dos limites ou fronteiras do indivíduo; é seu colapso parcial e temporário. Eu, Tom Simões, creio que é isto mesmo o que acontece. E foi justamente neste trecho particular da obra do doutor Peck que pensei na importância de reproduzir suas recomendações na área da relação conjugal.
Imagem: http://pipocamoderna.com.br, do filme “Luzes na Escuridão”
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Peck revela que a ampliação dos nossos limites exige esforço; a paixão não. Diz que tanto pessoas preguiçosas e indisciplinadas tendem tanto a se apaixonar quanto as dedicadas e cheias de energia.
“Depois que o precioso momento da paixão passa e as fronteiras são restabelecidas, o indivíduo pode ficar desiludido, mas geralmente não cresce com a experiência. Já, quando os limites são ampliados ou expandidos, eles tendem a permanecer assim. O verdadeiro amor é uma experiência de expansão permanente; a paixão não”, escreve o autor.
Peck crê que o objetivo da paixão não é estimular o crescimento espiritual. “Se temos um objetivo em mente quando nos apaixonamos, é o de pôr fim à nossa solidão, e talvez garantir isso com o casamento. Certamente não temos em mente a evolução espiritual.”
Mas então pergunta o psiquiatra: “Se paixão não é amor, então o que é, além de um colapso temporário e parcial das fronteiras do ego?” Não sei, ele responde. E então explica: “Mas a característica especificamente sexual desse fenômeno me leva a suspeitar de que existe um componente instintivo determinado geneticamente no comportamento do acasalamento. Em outras palavras, o colapso temporário das fronteiras do ego que constitui a paixão é uma resposta padrão dos seres humanos a uma configuração de desejos sexuais internos e estímulos sexuais externos que serve para aumentar a probabilidade de união sexual, de modo a ampliar as chances de sobrevivência da espécie. Ou, usando uma linguagem mais crua, a paixão é uma peça que os genes pregam em nossa mente – prudente em relação a outras questões – para que caiamos na armadilha do casamento”.
No entendimento do autor, frequentemente algo não funciona, como quando os impulsos e estímulos são homossexuais, ou quando outras forças – interferência dos pais, doença mental, responsabilidades conflitantes ou autodisciplina madura – impedem a ligação.
A ÚNICA VERDADEIRA FINALIDADE DO AMOR É A EVOLUÇÃO HUMANA
“Os hobbies nutrem a personalidade. Quando amamos a nós mesmos – isto é, quando nos nutrimos com a finalidade de crescer espiritualmente – precisamos nos oferecer coisas que não são diretamente espirituais”, relata o psiquiatra. Para nutrir o espírito, diz ele, o corpo também deve ser alimentado. “Precisamos de alimento e abrigo. Não importa o quanto nos dedicamos ao crescimento espiritual, ainda assim precisamos de repouso e relaxamento, exercício e prazer. Portanto, os hobbies podem ser um caminho para amar a nós mesmos. Mas se um deles se tornar um fim em si mesmo, será um substituto e não uma ponte para o desenvolvimento da personalidade. E é precisamente por agirem como substitutos que os hobbies se tornam tão populares”, explica o escritor M. Scott Peck.
Peck conta que nos campos de golfe, por exemplo, podemos encontrar alguns homens e mulheres, já com uma certa idade, cujo principal objetivo que lhes restou na vida é acertar umas bolas a mais no jogo. “Esse esforço dedicado a melhorar sua habilidade serve para lhes dar uma sensação de progresso na vida, ajuda-os a ignorar a realidade de que pararam de progredir, porque desistiram de se aperfeiçoar como seres humanos. Se tivessem mais amor por si mesmos não se permitiriam acomadar-se dedicando-se apaixonadamente a um objetivo tão superficial e a um futuro tão estreito”, observa o autor.
Em resumo, o psiquiatra M. Scott Peck define que “A perda temporária das fronteiras do ego que ocorre através da paixão e do ato sexual não só nos leva a assumir compromissos com outras pessoas, permitindo o surgimento do verdadeiro amor, como também nos dá uma ideia (e, portanto, um incentivo) do êxtase místico mais duradouro que pode ser nosso depois de uma vida de amor”. Assim, explica o autor, embora apaixonar-se não signifique exatamente amar, é parte do grande e misterioso plano do amor.
Agora eu, Tom, é quem lembra: Por que costumam dizer que a paixão acaba? Mas não necessariamente o desejo de permanecer juntos e experimentar o verdadeiro amor. Pois, como Peck escreve “Uma real aceitação da individualidade e distinção de cada um é a única base sobre a qual um casamento maduro pode ser construído e o amor verdadeiro pode crescer”.
Fazendo uma analogia, cito algo de Arthur Jeon, bacharel em Humanidades pela Universidade de Harvard, EUA, de sua obra ‘Calma no caos’: “Veja e aceite as coisas como são e evite o sofrimento de tentar transformar as pessoas, lugares ou experiências naquilo que não são. Isto é liberdade”.
Há mais. E muito mais lições fundamentais sobre o amor na obra “A trilha menos percorrida”, sob a ótica da psicologia. Não deixem de ler por inteiro esse precioso documento científico.
Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com
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