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Eu tenho sempre especial interesse em me aproximar de jovens quando encontro oportunidade para lhes falar sobre o essencial da natureza humana, buscando induzi-los à reflexão e transmitir algumas idéias que possam inspirá-los e trazer significado para as suas vidas. E o que me surpreende é a atenção com que eles me ouvem. O que me leva a crer que o mundo oferece poucas oportunidades ao jovem no sentido da transmissão dos ensinamentos filosóficos básicos sobre o verdadeiro sentido da vida.
Com base na obra “Aprender a Viver”, do filósofo francês Luc Ferry, indago: o que é essencial à natureza humana ou mais importante no mundo que nos cerca e de que forma podemos obter o conhecimento adequado que nos permita mudar constantemente e ampliar a nossa visão limitada?
Lendo atualmente “Consciência Emocional” (uma conversa entre o Dalai-Lama e o psicólogo americano Paul Ekman, este considerado um dos 100 nomes da psicologia do século XXI), peguei o gancho para falar sobre algo que considero fundamental para a formação do jovem: o “treinamento mental”. A meu ver, monges budistas são ideais para a transmissão de ensinamentos práticos sobre o Universo, razão pela qual há cada vez mais jovens se interessando pela filosofia budista.
O psicólogo Ekman gosta de usar o exemplo de querer aprender a jogar tênis. “Precisamos ler o manual de regras, mas isso não fará com que a bola passe sobre a rede: nós só temos o conhecimento de como jogar o jogo. Para conseguirmos jogar, precisamos praticar e desenvolver as habilidades. E precisamos de um treinador; precisamos de alguém que nos ensine”, diz.
É similar com as habilidades emocionais. Na opinião desse psicólogo, a principal oportunidade de introduzir o treinamento mental é na adolescência, porque os adolescentes muitas vezes são infelizes – as mudanças pelas quais eles estão passando fazem desse período um excelente ponto de entrada para o desenvolvimento das habilidades emocionais. “Os adolescentes estão se perguntando sobre o sentido da vida e como devem viver, questões que não costumam ser consideradas novamente até que os sinais do envelhecimento aparecem, no fim da meia-idade”, explica.
EDUCAÇÃO MODERNA
Sua Santidade o Dalai-Lama admite que, se analisarmos a ideia por trás dos sistemas educacionais modernos, há certo reconhecimento universal de que é ruim ser desinformado, que isso levará ao sofrimento mais tarde, que o conhecimento é algo bom: o conhecimento lhe dará as ferramentas para uma vida mais feliz e bem-sucedida. “Provavelmente, é possível dizer que a civilização humana se baseia nesse reconhecimento de que o conhecimento é bom e leva à felicidade e de que a ignorância leva ao sofrimento e à miséria. Com base nisso, os sistemas educacionais são desenvolvidos e as crianças são ensinadas”, revela o Dalai-Lama.
Para Sua Santidade, é essa dimensão de não ter informações precisas ou suficientes, da falta de compreensão da realidade, que leva a muitos dos nossos excessos; as nossas emoções resultam na dor do sofrimento. Por outro lado, o monge budista pensa que as atitudes mentais baseadas em alguma forma de compreensão, conhecimento e sabedoria tendem a promover a felicidade, o sucesso e o bem-estar. “Se pudermos transmitir essa ideia às pessoas e desenvolver um treinamento para as crianças, essa educação será útil”, orienta.
Ekman acredita que não seja possível nos livrar das emoções; elas estão incorporadas em nós. Mas, ele prossegue, podemos ser mais inteligentes na compreensão das nossas emoções – é esse o conhecimento de que precisamos. “Podemos desenvolver habilidades de forma que as emoções não sejam manifestadas de forma destrutiva. Esse é um primeiro passo, um passo fundamental”, observa o psicólogo.
Para Ekman, agora estamos perto de ter evidências de que as pessoas podem mudar a forma como vivenciam cada uma de suas emoções. “É mais difícil para pessoas com perfis muito emotivos, de pavio curto e reações muito fortes, mas até elas podem adquirir conhecimento sobre o que é necessário e aprender a administrar as emoções. Elas precisam de ambos”, argumenta o especialista.
CULTURA INDIVIDUALISTA
“Sou eu quem importa, não os outros”, isto é uma perversão da cultura individualista, diz Ekman. “Nem os outros do meu próprio país. Por que eu deveria me preocupar com os sem-teto? Se eles quisessem um teto, eles teriam um! Essa é a atitude que deve ser superada”, escreve o psicólogo.
Outro ponto interessante para Ekman é que, na qualidade de pai, ele percebe que, se abrir mão de um pouco do seu padrão de vida, isso será melhor para os seus filhos e netos. Isso não o beneficiará, mas, se ele fizer algumas reduções, vai beneficiar a sua família. “Do ponto de vista budista, abrir mão do apego – do conforto material, do estilo de vida ou do que for – é algo feito livremente, não a contragosto. Haverá benefícios psicológicos no estado de espírito da pessoa como consequência desse ato compassivo”, complementa.
Essa não é uma questão religiosa, mas um problema em um contexto secular. Sua Santidade tem esperança. Uma das formas de desenvolver o treinamento mental é que esse tipo de coisa seja parte integral da educação. Ele dá como exemplo a consciência da higiene, que é hoje universal. Todos reconhecem seu valor, sua necessidade. A higiene se relaciona com a saúde física. E isso é como uma higiene mental e emocional. Então Sua Santidade gostaria de ver o treinamento para a compaixão ser integrado no sistema educacional.
Imagem: http://pre-vestibular.arteblog.com.br, Óleo sobre tela: A família, Tarsila do Amaral, 1925 |
“As escolas públicas não são fáceis de mudar, mas é possível começar de dentro. Os professores recebem a prática da meditação e habilidades emocionais e passam a se dedicar a dar continuidade a ela e a possibilitar que as crianças se beneficiem da prática”, comenta o psicólogo.
Mas Ekman concorda plenamente com a gente que o longo prazo precisa envolver as pessoas logo cedo na vida, em períodos mais formativos da vida, antes de entrarem no caminho errado. Para ele, também é importante, para que a ideia seja aceita em escolas públicas, evitar a utilização de termos religiosos. E é por isso que ele fala de exercícios mentais.
“Mas e nós, que já somos adultos?, reflete o psicólogo, somos nós que tomamos as decisões que estão colocando as crianças em perigo.
Por sua vez, o escritor Alan Wallace pensa: “Bem, podemos ter academias espirituais”. Ele observa que aceitamos a ideia de ir a academias de ginástica para desenvolver os músculos e a boa forma física. Por que não podemos fazer o mesmo para desenvolver o equilíbrio emocional?...
Sem a capacidade de governar os pensamentos, escreve o indiano Sakyong Mipham (“Governe seu Mundo”), cada capricho que entra por nossa porta nos seduz ou sequestra. Para ele, somente quando temos um plano para trazer significado à vida podemos realmente progredir.
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Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com
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