quarta-feira, 10 de agosto de 2011

NUTRICIONISTA ATROPELA E MATA JOVEM DE 24 ANOS

Reflexão sobre um crime não premeditado

“Como podem nossos corações permanecer abertos, com a enormidade de sofrimento que existe no mundo? Somos bombardeados com tantas notícias de terras distantes – ou mesmo do estado vizinho – catalogando a escala da infelicidade humana. Será que é possível abrir-se para isso tudo com compaixão?”, escreve Joseph Goldstein em “Dharma, o Caminho da Libertação”.

É claro que considero condenável a situação de quem dirige embriagado um veículo, porque as consequências são sempre imprevisíveis. Como neste caso: uma nutricionista, 28, motorista de um Land Rover, que atropela e mata um jovem administrador de 24 anos, na Vila Madalena, zona oeste paulistana.

Para a polícia, noticia a Folha de S. Paulo, caderno Cotidiano, de 6 de agosto de 2011 (no artigo “Nutricionista é indiciada no caso do Land Rover”), a motorista assumiu o risco de matar o jovem ao dirigir em velocidade acima da permitida e por estar alcoolizada.

Segundo o jornal, a moça, em seu depoimento à polícia, afirmou que perdeu o controle do jipe ao tentar segurar o namorado, 34, que estava sem cinto de segurança no banco do passageiro. “Ela disse que optou por dirigir porque o namorado estava embriagado”.

Conforme a Folha apurou, o pai da jovem contou que a filha não costuma beber e que a vida da família se transformou a partir do acidente. “Ninguém sai à rua de carro com a intenção de matar alguém. Nossa dor não se compara à da família do jovem morto, mas nós também estamos sofrendo muito com isso. Minha filha está desesperada”, disse ele.

Durante o depoimento, a moça declarou que enviou uma carta à família com pedido de desculpas, cita o jornal. “Nesse momento, é difícil para a família aceitar desculpas”, disse o advogado da acusação.

A PRISÃO COMO CASTIGO

“Julgávamos a prisão uma instituição falida que precisava ser melhorada, agora julgamos a prisão como uma instituição falida que não tem como ser melhorada, necessitando ser substituída por penas alternativas. As penas alternativas podem sim representar a possibilidade de uma ressocialização de fato, pois são mais eficientes, humanas e educativas, que tomam o ser humano como meta, sem contar o fato de que não oneram o Estado, desafogam as prisões e possibilitam realmente aquilo que a prisão se propôs a fazer desde a sua origem e nunca conseguiu cumprir: ressocializar o indivíduo infrator e devolvê-lo como um cidadão à sociedade”, escreve a socióloga Silmara A. Quintino, especialista em Sociologia Política (Violência e Cidadania) pela Universidade Federal do Paraná, em seu artigo “A prisão como castigo, o trabalho como remição – contradições do Sistema Penitenciário Paranaense”, publicado na Revista Sociologia Jurídica, www.sociologiajuridica.net.br 

O artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica que tem como eixo principal a pena de prisão, sua eficácia e o trabalho como fator de ressocialização no estado do Paraná.

Silmara comenta: “Pode parecer estranho para alguns, mas apesar de a luta pelo fim da pena de prisão ter iniciado junto com o surgimento das prisões, ainda vemos o Estado investir cada vez mais para tornar a prisão um lugar capaz de vigiar, punir e corrigir os que infringem as normas do grupo. Quanto menos eficazes, mais proliferam e mais recursos consomem a título de serem melhoradas”.

VISÃO HOLÍSTICA

Sem querer acusar ou defender a motorista, eu estava coincidentemente lendo nesta semana “Consciência Emocional”, uma conversa entre o Dalai-Lama e o americano Paul Ekman, considerado um dos 100 nomes da psicologia do século XXI.

“Agora eu tenho de julgar. A punição, para impedir erros futuros, como uma necessidade... a punição. Mas a punição, em certo sentido, é vingança. Isso não é bom”, revela Dalai-Lama.

“Se alguém mata alguém por uma fatalidade, nesse caso não há o perigo de cometer outros crimes; a pessoa é punida de uma forma que a impede de cometer mais atos danosos, por isso a prevenção”, diz Paul Ekman.

O psicólogo relata que a pessoa é punida para que os outros vejam e pensem: “Se eu tentar fazer isso, serei punido”. Mas ele imagina também: “Não sabemos se isso funciona. Grande parte das pesquisas com criminosos sugere que saber que outros foram punidos por cometer um crime não os impede de cometer o mesmo tipo de crime”.

Para Ekman, com certeza, existem outras formas de impedir outros atos prejudiciais.

E então observa Dalai-Lama: “Acho que somos negligentes em relação ao esforço de melhorar essa pessoa. Sempre há possibilidades de mudar, de transformar. O pior tipo de assassino, com esforço, com gentileza, sempre tem possibilidade de mudar”.

Por sua vez, argumenta Ekman: “Se é possível reabilitar pessoas que gostam de matar – e há muitas pessoas assim, eu nunca vi nenhuma evidência disso. Então se coloca na prisão até podermos libertá-las com segurança”.

E o que justamente me chamou a atenção na obra “Consciência Emocional” é quando Paul Ekman declara: “Se foi um acidente, e ele nunca foi violento antes, ou ele bebeu demais ou a namorada o traiu, se foi uma ação isolada, isso seria uma coisa. Eu seria a favor de não prendê-lo, mas acompanhá-lo, com um monitoramento contínuo”.

Para o psicólogo, há muitas coisas a serem levadas em consideração: “Acho que a questão básica é que é necessário levar todo o contexto em conta. Infelizmente, no meu país, os juízes costumavam ter o poder de levar todos esses fatores em consideração. Agora, em alguns estados americanos, eles tiraram esse poder do juiz”.

A meu ver, casos como esse da nutricionista merecem uma reflexão no sentido da posição de Paul Ekman. Melhor seria ela ser presa ou ser obrigada judicialmente a desenvolver um projeto social monitorado por um ou mais órgãos de assistência social? O que seria mais produtivo para a sociedade: a punição – com cores de vingança, em certo sentido, ou o poder do perdão, dando oportunidade para o criminoso (sem a intenção original de matar) pagar pela irresponsabilidade sendo útil à sociedade?

PARA PENSAR. Acredito que não dá mais para reagir insensatamente sobre fatos que envolvam a natureza humana. Há de se pensar sempre no que pode ser possível para o processo de recuperação daqueles que escapam do que é previsível e aceitável pelas normas sociais vigentes (como os criminosos, por exemplo), no sentido de experimentá-los como possíveis agentes da construção do bem comum em projetos empreendedores em uma sociedade moderna. É claro que, no meio de tantos criminosos certamente irrecuperáveis deverá haver sempre presidiários que aceitariam uma oportunidade para desenvolver algum tipo de ação solidária que pudesse comprovar o seu desejo de recuperação pessoal, voltando a fazer jus à tão sonhada liberdade.

Conforme observa Joseph Goldstein, “É preciso ver além das convenções comuns e sair do confinamento da reação condicionada”. Para ele, nos tornamos muito apegados às nossas opiniões e pontos de vista sobre as coisas, apegados a estarmos certos. “É instrutivo distinguir entre o que realmente sabemos e o que é simplesmente uma opinião. Nossas opiniões a respeito simplesmente refletirão os preconceitos do que lemos e ouvimos. Será que nos apegamos ao que sabemos, fechando-nos para outros pontos de vista, outras possibilidades?”, nos inspira o autor. 

O QUE PODEMOS aprender com esse ensinamento?...

* * * * * 

Nota: o autor optou por não citar o nome da nutricionista e do administrador.
Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com

Um comentário:

  1. Julgamentos com fundamentos superficiais são fadados a injustiça. Muitos de nós já fizemos a mesma coisa (dirigir em velocidade não permitida ou embriagado), porém, para nossa sorte, chegamos em casa sem matar ninguém. Deve haver punição, mas devemos deixar o episódio entre os envolvidos. Existem bandidos e BANDIDOS. Não se confunda. A vida dá muitas voltas. Em uma dessas voltas você pode ser o escolhido...

    ResponderExcluir

Para comentar mais facilmente, ao clicar em “Comentar como – Selecionar Perfil”, selecione NOME/URL. Após fazer a seleção, digite seu NOME e, em URL (preenchimento opcional), coloque o endereço do seu site.