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Quando comentei com amigos que ia assistir a uma palestra sobre como se preparar para a hora da morte, eles se espantaram. “Eu não gostaria de ouvir falar sobre isso, não mesmo!”, quase todos disseram isso. Infelizmente, talvez por medo, ninguém se detém no assunto. Mas eu pergunto: é melhor permanecer na ignorância ou obter sabedoria para agir produtivamente frente a essa delicada circunstância da vida? Afinal, como algum dia se vai morrer mesmo ou se pode estar ao lado de um moribundo, me parece muito útil obter a orientação adequada.
E que melhor coisa eu teria para fazer na manhã do chuvoso domingo, 21 de agosto, do que ir atrás dessa orientação? Então fui a uma palestra sobre vida e morte, ministrada pela monja budista Kelsang Tumo, responsável pelo Centro de Meditação Kadampa Mahabodhi, filial Santos, www.santosmedita.org.br
“É muito importante tornar a vida significativa. O que nós viemos fazer aqui? Viver a vida. Deixar a vida nos levar... Mas viver a vida simplesmente é muito pouco. Nós viemos aprender a amar os outros”, diz a monja. Isto porque, para ela, o nosso destino pós-morte depende das nossas atuais escolhas, é uma relação de causa e efeito.
O nascimento humano proporciona a situação mais favorável para o desenvolvimento individual e o incremento da sabedoria mais profunda. A transformação se efetua através da identificação com o que há de elevado na ordem universal. Este é um conceito budista. Se nossas ações forem negativas, não espelham a divindade e estamos desperdiçando a vida.
Segundo a monja Tumo, não há vida como a entendemos. É preciso libertar-se da ignorância, do autoagarramento, para começar a entender a vida sob outro ângulo. Que nos permita renunciar, pois renúncia é sabedoria. A vida começa a cada novo instante. Portanto, há sempre possibilidade de recomeçar, de iniciar um novo percurso. Ela compara a vida a uma prática esportiva. “Se tivéssemos essa disciplina para a prática espiritual, nós estaríamos sempre focalizados na vitória, na linha de chegada!”
No transcorrer da vida, nossa e de quem se ama, quando há descontrole sobre os estados emocionais, surge a dor física. Nós treinamos para a vida, não treinamos para a morte. “Qual o último estado mental que eu desejo ter antes de morrer? Porque esse estado é definitivo”, revela Tumo. No momento da morte, a gente se desliga de tudo. A consciência se restringe ao quarto. E depois ao corpo. Que semente podemos gerar no momento da morte: medo, raiva, amor, compaixão...?
Na hora da morte, importa a manifestação de uma mente virtuosa. “Eu quero renascer na terra pura de um Buda, porque eu preciso ajudar os outros. Esta seria a motivação correta ao morrer”, revela a monja.
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“Eu preciso me proteger mais nesse momento final porque, com a mente descontrolada, todos os ‘demônios’ aparecem. Eu peço proteção porque eu preciso proteger os outros. Eu tomo o sofrimento dos outros e devolvo felicidade”, crê a monja. Ela acha fundamental gerar amor e compaixão por aqueles que cuidam da gente. “Morrer com a mente virtuosa: eis a prática que devo levar para a próxima existência”. Porque a pior atitude na hora da morte é gerar apego ao corpo; a pessoa entra em pânico e perde a oportunidade de experienciar uma separação tranquila entre o corpo e a consciência eterna. Daí a necessidade de eliminar preocupações e se acalmar.
Num certo sentido, é preciso evitar o desejo, o apego, que nos pode segurar ao corpo no momento final da existência terrena. O apego sentimental pelos outros prende, atrapalha... No entender da monja budista, deve-se acreditar verdadeiramente que os outros vão ficar bem. Se ao morrer a pessoa estiver em estado consciente, a orientação é para ela recitar a sua prece rotineira, concentrando-se no seu guia espiritual, no seu protetor..., mantendo a mente serena e confiante, para tomar refúgio no que há de mais sagrado para a continuidade da vida espiritual.
Portanto, o verdadeiro sentido da vida é nos preparar para acumular méritos e transmutar o carma negativo, gerando compaixão, por exemplo. “Será que tudo que vivenciei nesta vida foi em vão? A que eu aspiro verdadeiramente? É essa aspiração que se leva para a próxima existência”, diz a monja.
“A morte pode ser vista como uma porta. Quando fechamos uma porta atrás de nós ‘cessam’ as coisas que estavam no cômodo anterior e ‘abrem-se’ as coisas que estão no novo cômodo. Mas ambos os cômodos são reais, existem em seu próprio tempo e espaço. E o que nos impede de vivenciar a realidade do novo cômodo é o apego a pessoas e coisas do cômodo anterior. Isso é que traz o sofrimento. Por isso o desapego é sabedoria e paz. Devemos saber que se a porta é a morte em relação aos que ficam, é o nascimento, a vida, para os que nos recebem. E todo reencontro é apenas questão de tempo e de padrão de consciência”, revela o amigo Roberto da Graça Lopes.
Luc Ferry, filósofo francês, em sua obra “Aprender a viver – filosofia para os novos tempos”, que leio atualmente, escreve: “Tens em mente que para o homem o princípio de todos os males, da baixeza, da covardia, é... o medo da morte? Exercita-te contra ela; que para isso tendam todas as tuas palavras, todos os teus estudos, todas as tuas leituras e saberás que é o único meio que os homens têm de se tornarem livres”.
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Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com
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