quinta-feira, 28 de julho de 2011

INTERNET: COMPULSÃO PARA SE MANTER CONECTADO E ANALFABETISMO EMOCIONAL

“Antes do Google e de outros sites de pesquisa, nossa memória para números de telefone, datas importantes e até elenco de filmes era provavelmente bem maior. Segundo cientistas americanos, o acesso permanente à internet modificou a maneira como as pessoas armazenam informações”, escreve Giuliana Miranda no artigo “Google deixa memória mais preguiçosa”, publicado na Folha de S. Paulo, Saúde, de 15 de julho de 2011.

Giuliana conta que, em um trabalho publicado na versão on-line da revista “Science”, os autores dizem: ao saber que terão acesso a uma determinada informação no futuro, as pessoas tendem a ser mais “preguiçosas” na hora de memorizá-las.

A conclusão veio após um conjunto de testes que, no total, envolveram cerca de 200 participantes, em provas de perguntas e respostas e também de memorização, revela a jornalista. “A pesquisa também detectou que, ao se depararem com uma pergunta, os participantes logo pensavam em sites de busca e outras ferramentas para encontrar a resposta, ao invés de tentar puxar pela própria memória a resposta certa”.

Para a líder do trabalho, Betsy Sparrow, professora da Universidade Columbia, diz a jornalista Giuliana, as mudanças não são necessariamente ruins, e a memória estaria se adaptando a essa nova realidade, pois os resultados sugerem que a internet se tornou uma memória externa. 

GIULIANA CONTA MAIS... 

“Segundo Betsy, entender como a memória funciona diante da realidade das ferramentas de busca pode ajudar a melhorar tanto o ensino quanto o aprendizado.

Conforme o próprio trabalho comenta, desde a invenção da escrita e com o posterior advento dos livros e da imprensa, as pessoas já têm ferramentas externas para complementar a memória. O que acontece de diferente é que elas nunca estiveram tão presentes e tão fáceis de ser acessadas quanto hoje.

A certeza do acesso posterior ao conteúdo está mudando o jeito como as pessoas se lembram das coisas”, acrescenta a jornalista.

Imagem: http://valmirlima.net
Por outro lado, de acordo com a colunista da Folha de S. Paulo Anna Verônica Mautner (“Navegando e naufragando”, 20/9/2010), “O conteúdo pesquisado na internet não é tão bem assimilado quanto o lido em uma fonte impressa”.

“CÉREBRO DE PIPOCA”: o outro lado da internet 

Há hoje um distúrbio batizado de “cérebro de pipoca” que é provocado pelo movimento caótico e constante de informações, exigindo que se executem simultaneamente várias tarefas. Quem escreve sobre isto é Gilberto Dimenstein, em artigo publicado na “Folha de S. Paulo, Cotidiano”, de 3 de julho de 2011.

“Por causa de alterações químicas cerebrais, a vítima passa a ter dificuldade de se concentrar em apenas um assunto e de lidar com coisas simples do cotidiano, como ler um livro, conversar com alguém sem interrupção ou dirigir sem falar ao celular. É como se as pessoas tivessem dentro da cabeça a agitação do milho de pipoca explodindo no óleo quente”, escreve Dimenstein.

Segundo o colunista da Folha, a falta de foco gera entre os portadores do tal “cérebro de pipoca” um novo tipo de analfabetismo: o analfabetismo emocional, ou seja, a dificuldade de ler as emoções no rosto, na postura ou na voz dos indivíduos, o que torna complicado o relacionamento interpessoal.

Em 2011, cita Dimenstein, Clifford Nass, professor de psicologia social na Universidade Stanford, revelou num seminário sobre tecnologia da informação a pesquisa que fez com jovens que passam muitas horas por dia na internet, acostumados a tocar muitas tarefas ao mesmo tempo.

O professor mostrou fotos com diversas expressões e pediu que os jovens identificassem as emoções. Constatou a dificuldade dos entrevistados: “Relacionamento é algo que se aprende lendo as emoções dos outros”, afirma Nass. 

“VICIADO” EM INTERNET 

Dimenstein comenta que o problema, de acordo com o professor, está tanto na falta de contato cara a cara com as pessoas como na dificuldade de manter o foco e verificar o que é relevante, percebendo sutilezas, o que exige atenção.

Imagens: www.unicamp.br www.infojovem.org.br

Pesquisadores estão detectando há tempos uma série de distorções, como a compulsão para se manter conectado, semelhante a um vício, diz Dimenstein. 

“O estímulo, porém, começa no mercado de trabalho. Vemos nos anúncios de emprego uma demanda por pessoas que façam muitas coisas ao mesmo tempo. Mas o que Nass, entre outros pesquisadores, defende é o contrário. Quem faz muitas tarefas ao mesmo tempo, condicionando seu cérebro, fica menos funcional. Não sabe perceber as emoções e trabalhar em equipe, não sabe focar o que é relevante e tem dificuldade de estabelecer um projeto que exige um mínimo de linearidade. Não sabe, em suma, diferenciar o valor das informações”, observa o colunista. 

Na opinião do articulista, não deixa de ser um pouco absurdo valorizar tanto os recursos tecnológicos que aproximam as pessoas virtualmente, mas que as afastam na vida real. 

Daí se entende, em parte, segundo os pesquisadores - manifesta-se Dimenstein -, por que, em todo o mundo, está explodindo o consumo de remédios para tratar males como a ansiedade e a hiperatividade. 

Dimenstein acrescenta ainda algo bem curioso: “Perto da minha casa, aqui em Cambridge, há uma padaria artesanal, com mesas comunitárias, que decidiu ir contra a corrente. Seus proprietários simplesmente proibiram que se usasse celular lá dentro para diminuir a poluição sonora e a agitação. Sucesso total. O efeito colateral: ficou difícil conseguir lugar”. 

Concordo com Dimenstein. Quem ainda não presenciou um familiar, um amigo, um colega, muito envolvido com o celular, até mesmo dirigindo o automóvel? Algumas vezes presenciei um deles, com quem viajo a trabalho, entretido com o celular, não percebendo a abertura do sinal verde do semáforo, até eu avisar ou algum motorista buzinar... 

Stephen Burn, do “New York Times”, em seu artigo “Internet transformou a relação de poder entre críticos e leitores” (Folha de S. Paulo, Ilustrada, de 22/1/2011), admite que a internet tira as pessoas de sua solidão e as leva a criar “eus” eletrônicos talvez mais nus ou mais estridentes que o “eu” indistinto e repleto de compromissos que se movimenta fantasmagoricamente em suas rotinas”.

____________

Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Para comentar mais facilmente, ao clicar em “Comentar como – Selecionar Perfil”, selecione NOME/URL. Após fazer a seleção, digite seu NOME e, em URL (preenchimento opcional), coloque o endereço do seu site.