“Na sociedade moderna há muito lazer e pouco prazer”
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DE ACORDO COM A WIKIPEDIA, O HEDONISMO é uma teoria ou doutrina filosófico-moral, segundo a qual o “prazer” é o supremo bem da vida humana. O hedonismo filosófico moderno procura fundamentar-se numa concepção mais ampla de prazer, entendida como “felicidade” pela maioria das pessoas.
Consta também nessa enciclopédia que o termo em linguagem comum, com significado bastante diverso do original, surgiu no ‘iluminismo’ e designa uma atitude de vida voltada para a busca egoísta de prazeres materiais. Com esse sentido, "hedonismo" é usado de maneira pejorativa, visto normalmente como sinal de decadência.
Portanto, entendamos o sentido atual do hedonismo como a dedicação ao prazer dos sentidos, a procura do prazer individual.
Já gostei mais de viajar do que atualmente. Quando falo sobre isto, algumas pessoas estranham, sobretudo quando o fato de o ‘não viajar’ não ser por razão financeira, mas pela opção de preencher o tempo com ações mais prazerosas no plano existencial. Em termos de viagem, por exemplo, identifico-me mais com o montanhismo, susceptível de abrir espaço para o caminhante se encontrar com o próprio íntimo e/ou comungar com a natureza.
Quando as pessoas viajam, é claro que elas voltam felizes e cheias de novidades. Mas algumas chegam a cansar o ouvinte com detalhes da aventura. E as fotos? Será que as pessoas, com exceção da família, têm tanto interesse assim pela profusão de imagens? Ou geralmente se enfadam um pouco com tudo isso?
É interessante pensar sobre o fato e agir sensatamente ao regressar de uma viagem ou após momentos de grande satisfação. É claro que é gostoso comentar sobre as emoções, mas sem exageros, evitando o possível desconforto de quem, educadamente, sente-se na obrigação de ficar atento.
Em “No divã do Gikovate”, Flávio Gikovate revela: “Falar muito significa que o outro não tem a menor chance de contar nada. Quer dizer também que o falante, difícil de ser interrompido em seu discurso, não quer saber se o outro está com vontade de ouvir. É uma relação unilateral.”
É claro que não é para generalizar. É possível conciliar o prazer da viagem com o enriquecimento interior do turista no sentido de fortalecê-lo em termos culturais, por exemplo, e principalmente de humildade, evitando-se o habitual exagero dos minuciosos relatórios de viagem.
Eventualmente, há quem aprecie o “status” proporcionado pela viagem; portanto, atentar para a simplicidade na narrativa é algo sempre recomendável.
PRAZER MOMENTÂNEO E FELICIDADE PERMANENTE
Na realidade, há uma particularidade em relação a pessoas obcecadas por viagens e alguns tipos de lazer. Acredito que o demasiado interesse pode indicar a necessidade de preencher lacunas oriundas de insatisfação pessoal. Porque a verdadeira felicidade não se experimenta com conquistas materiais, mas com o amadurecimento pessoal, que implica renúncia a algumas convenções ditadas pela sociedade e opção pelo que é essencial à natureza humana.
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Imagino o que seria conversar com montanhistas e passageiros de transatlântico, ao regressarem de suas viagens. Acredito que a narração do montanhista, com o seu perfil peculiar e simplicidade, contemple principalmente o aspecto existencial. É possível que o ouvinte não se canse com o relato. Mas isto é uma impressão minha. Pois existem também pessoas bastante interessadas em curiosidades de uma viagem em transatlântico.
“Pense nas pessoas que você mais admira: não são as que seguem todas as regras bovinamente, e sim aquelas que desenvolveram personalidade própria e arcaram com os riscos de viver uma vida a seu modo. Criaram o seu ‘normal’ e jogaram fora a fórmula, não patentearam, não passaram adiante. O normal de cada um tem que ser original”, observa o psicoterapeuta Michel Schimidt em “Normose, a doença de ser normal”. Para ele, não adianta querer tomar para si as ilusões e desejos dos outros. “É fraude. E uma vida fraudulenta faz sofrer demais”.
Para o escritor Joseph Goldstein, “Dharma – o caminho da libertação”, é preciso despertar para o que nos ajuda a ver além das convenções comuns e a sair do confinamento da reação condicionada.
Sobre essa sensação de prazer momentâneo e felicidade permanente há um conhecido texto na Internet que, a meu ver, aborda o assunto com muita propriedade. Vejamos o que diz José Arreguy Pimentel em seu artigo abordando “Hedonismo”:
“EU LI EM UM DOS LIVROS DO RUY CASTRO que, ainda mais legal do que unir o útil ao agradável, é unir o agradável ao agradável. Uma idéia carioquíssima. A exaltação do desfrute. Há tempos venho ruminando sobre isso. Conheço muitas pessoas que vão ao cinema, a boates e restaurantes e parecem eternamente insatisfeitas.
“EU LI EM UM DOS LIVROS DO RUY CASTRO que, ainda mais legal do que unir o útil ao agradável, é unir o agradável ao agradável. Uma idéia carioquíssima. A exaltação do desfrute. Há tempos venho ruminando sobre isso. Conheço muitas pessoas que vão ao cinema, a boates e restaurantes e parecem eternamente insatisfeitas.
Até que li uma matéria com a escritora Chantal Thomas na revista ‘República’ e ela elucidou minhas indagações internas com a seguinte frase: ‘Na sociedade moderna há muito lazer e pouco prazer’.
Lazer e prazer são palavras que rimam e se assemelham no significado, mas não se substituem. É muito mais fácil conquistar o lazer do que o prazer. Lazer é assistir a um show, cuidar de um jardim, ouvir um disco, namorar, bater papo.
Lazer é tudo o que não é dever. É uma desopilação. Automaticamente, associamos isso com o prazer: se não estamos trabalhando, estamos nos divertindo. Simplista demais. Em primeiro lugar, podemos ter muito prazer trabalhando, é só redefinir o que é prazer.
O prazer não está em dedicar um tempo programado para o ócio. O prazer é residente. Está dentro de nós, na maneira como a gente se relaciona com o mundo. Chantal Thomas aborda a ideia de que o turismo, hoje, tem sido mais uma imposição cultural do que um prazer. As pessoas aglomeram-se em filas de museus e fazem reservas com meses de antecedência para ir comer no lugar da moda, pouco desfrutando disso tudo.
Como ela diz, temos solicitações culturais em demasia. É quase uma obrigação você consumir o que está em evidência. E se é uma obrigação, ainda que ligeiramente inconsciente, não é um prazer.
Complemento dizendo que as pessoas estão fazendo turismo inclusive pelos sentimentos, passando rápido demais pelas experiências amorosas, entre elas o casamento.
Queremos provar um pouquinho de tudo, queremos ser felizes mediante uma novidade. O ritmo é determinado pelas tendências de comportamento, que exigem uma apreensão veloz do universo. Calma. O prazer é mais baiano.
O prazer não está em ler uma revista, mas na sensação de estar aprendendo algo. Não está em ver o filme que ganhou o Oscar, mas na emoção que ele pode lhe trazer.
Não está em conquistar uma garota, mas no encontro das almas. Está em tudo o que fazemos sem estar atendendo a pedidos. Está no silêncio, no espírito, está menos na mão única e mais na contramão. O prazer está em sentir.
Uma obviedade que merece ser resgatada antes que a gente comece a unir o útil com o útil, deixando o agradável pra lá.”
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“A maioria das pessoas mora dentro dos limites de uma zona de conforto. A melhor coisa que você pode fazer é regularmente ir além dela. Essa é a maneira de obter um domínio pessoal permanente e realizar o verdadeiro potencial dos seus dotes humanos”, escreve Robin Sharma em “O monge que vendeu sua Ferrari”, que li recentemente.
Para esse escritor, dizer que você não tem tempo para melhorar os seus pensamentos e a sua vida é igual a dizer que você não tem tempo para colocar gasolina porque está ocupado demais dirigindo. Mais cedo ou mais tarde, você vai acabar tendo que parar, revela.
“Quando a gente se dedica a transformar o nosso mundo interior, a vida logo deixa de ser ordinária e entra no âmbito do extraordinário”, descreve Sharma. Acho que é preciso assumir a forma de um compromisso ativo com a gente e com o mundo, especialmente com a prática da compaixão e da ação compassiva.
Num domingo recente, ouvi algo interessante de uma monja num templo budista. Ela falava sobre as inúmeras opções de viagens disponíveis na Internet com diferentes facilidades financeiras. Então a monja imaginava alguém interessado que não encontrava nas opções a viagem almejada: a “Cidade da Iluminação”. Era para lá que esse alguém desejava ir...
Há um velho ditado que diz: “Somos aquilo que buscamos”.
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Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com e Roberto da Graça Lopes
Trecho retirado do livro "Mar sem fim", de Amyr Klink, um dos maiores navegadores da história.
ResponderExcluir"UM HOMEM PRECISA VIAJAR
Hoje entendo bem o meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é, que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.
http://www.amyrklink.com.br/
Antonio Carlos.
ResponderExcluirMuito bom o tema do post!O texto é uma reflexão do cotidiano. Você sempre nos traz assuntos muito interessantes. De fato... esquecemos de criar os estados de prazer, é a velha máxima - "Maria vai com as outras" em "manada", achando ser normal. Hoje em dia tudo está imediato. Hoje temos tantas opções que é quase natural cairmos na desorientação e por consequência na insatisfação, esquecendo de criar e colocar prazer como meta de vida. Pena, não? Um beijo grande. Zuleica.