sábado, 17 de janeiro de 2009

Zilda Arns: raro exemplo do potencial humano

Foto: www.globo.com
Falar o quê sobre um anjo? Segundo Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute  do Woodrow Wilson International Center for Scholars (jornal O Estado de S.Paulo, Especial, 14/1/2010), “Ela fez o trabalho dos anjos. Seu legado vai durar por toda a vida de inúmeras pessoas atendidas pela pastoral”. Lembrando Gandhi: “Você tem de ser o espelho da mudança que está propondo. Se eu quero mudar o mundo, tenho de começar por mim”.
 
Para falar de Zilda, recorro também a Jean-Paul Sartre (A idade da razão”, 1945): “Que te impede de fazê-lo? Ou imaginas que poderás viver a vida inteira entre parênteses? [...] E depois, penso [...] que não se é homem enquanto não se encontra alguma coisa pela qual se está disposto a morrer”.
 
“Se os homens fecham as janelas, Deus abre uma porta – assim pensou a médica Zilda Arns Neumann, depois de conversar com o cardeal d. Paulo Evaristo Arns, um de seus 12 irmãos, que lhe telefonara para perguntar se aceitava empreender uma obra capaz de salvar milhões de crianças”, escreve José Maria Mayrink (“Zilda Arns: chamado que salvou vidas”, jornal O Estado, Especial...). Pediatra e sanitarista, conta Mayrink, viúva e mãe de cinco filhos, ela trabalhava há 23 anos na Secretaria da Saúde do Paraná, 13 deles, como diretora de Saúde Materno-Infantil do Estado, em Curitiba.
 
Missão de anjo
 
“Pode-se repetir que ninguém é insubstituível, mas a doutora Zilda Arns, vítima do terremoto que arruinou o Haiti, era, sim, uma pessoa imprescindível. Nela mostrava-se imperceptível a distância entre intenções e ações”, revela o Frei Betto (“Zilda Arns, a mãe do Brasil”, Folha de S.Paulo, Tendências/Debates, 14/1/2010). Zilda fundou a Pastoral da Criança, o projeto de redução da mortalidade infantil, em setembro de 1983, um trabalho que iniciou em sua casa, numa noite de vigília e oração, revela José Mayrink.
 
Conta Mayrink que Zilda começou conversando com os filhos na cozinha, onde se reunia com eles antes de irem dormir, para tomar uma vitamina e contar as coisas do dia: “D. Paulo me telefonou e a mãe vai preparar hoje à noite um projeto que vai salvar milhões de crianças no Brasil e no mundo”, explicando o que pretendia fazer. Tomou um café preto para espantar o sono, prossegue Mayrink, pediu que Deus a ajudasse – “Vinde, Espírito Santo, enchei os corações de vossos fiéis” – e se pôs a meditar sobre aquele trecho do Evangelho que narra o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. “Se Jesus mandou que seus discípulos dessem de comer, eles mesmos, ao povo que estava com fome, achei que, em vez de ficar dependendo do governo, nossas famílias deviam se organizar para cuidar de seus filhos”.
 
Frei Betto revela que Zilda arregaçou as mangas e, inspirada na pedagogia de Paulo Freire, encontrou, primeiro, recursos humanos capazes de mobilizar milhares de pessoas em prol da drástica redução da mortalidade infantil: mães e pais das crianças de 0 a seis anos atendidas pela Pastoral, transformados em agentes multiplicadores.
 
“Ela, sim, fez o milagre da multiplicação dos pães, ou seja, da vida. Onde chega a Pastoral da Criança, o índice de mortalidade infantil cai, no primeiro ano, no mínimo 20%”, conta Frei Betto.
 
Quando um alguém transforma o mundo...
 
Em outro artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, Especial, “Obra foi revolução na saúde do País”, 14/1/2010, escreve a jornalista Adriana Carranca: “Zilda Arns mudou a história da desnutrição no Brasil. De casa em casa, de mãe em mãe, ela ensinou o País a alimentar suas crianças. ‘Com jeitinho, nós chegamos’, dizia a quem lhe colocasse dificuldade. E com seu olhar sereno, voz baixa e sorriso estampado no rosto, a médica saiu, em março de 1983, batendo na porta dos 14,7 mil habitantes de Florestópolis, então cidade paranaense com maior índice de mortalidade infantil”.
 
“Recrutou 20 mulheres. Com elas, treinou 76 líderes comunitárias, que formaram outras. E outras. Hoje, são 262 mil. Elas acompanham 1,9 milhão de crianças e gestantes em 4.063 municípios, onde a mortalidade infantil caiu de 127 para 11 óbitos por mil nascidos vivos – ou 91,3%, com uma política de baixo custo e grande alcance”, comenta Adriana Carranca.
 
Adriana diz também que, depois de se espalhar pelos 27 Estados brasileiros, a Pastoral da Criança expandiu as fronteiras e chegou a 17 países. Em 2006, Zilda Arns foi indicada ao Nobel da Paz”.
 
“Por essa razão, ela estava no Haiti, onde pagou com a morte sua dedicação em salvar vidas”, assinala Frei Betto.
 
“Zilda teve uma morte bonita, pois morreu trabalhando por uma causa em que sempre acreditou”, comentou seu irmão d. Evaristo. E mais, “Ela tratava as pessoas com carinho, respeito, como se fosse mãe de todos”, comentou sua amiga Tereza Batista, voluntária da Pastoral entre 1993 e 2007 (jornal O Estado, Especial...).
 
“Olhai os lírios do campo”
 
Acabo de ler “Olhai os lírios do campo”, obra clássica (1938) de Érico Veríssimo. Em férias, sem nada novo para ler, resolvi pesquisar em casa a coleção de livros. Nessa obra encontrei algumas similaridades para descrever Zilda Arns, através das palavras da personagem principal, o “médico Eugênio”:
 
- “A gentileza podia melhorar o mundo. Se os homens cultivassem a gentileza, seria possível atenuar um pouco tudo quanto a vida tinha de áspero e brutal.
 
- [...] falando com sinceridade, eu não acreditava em que se conseguisse um mundo perfeito, mas por outro lado tinha uma confiança absoluta em que, ao cabo de algumas dezenas de anos de reeducação, uma sensível melhoria de vida se haveria de operar. Não só isso: seria também possível obter alguns resultados imediatos bem apreciáveis.
 
- E se um dia os homens de gênio e de boa vontade descobrissem um meio de empregar todas as conquistas do engenho humano no sentido de minorar os males da humanidade? Talvez conseguissem achar trabalho para todos, pão para todos, saúde para todos ou pelo menos para a grande maioria...
 
- Os homens viviam demasiadamente preocupados com palavras, pulavam ao redor delas e se esqueciam dos fatos. E os fatos continuavam a bater-lhes na cara.
 
- Pensava longamente em Olívia (personagem da obra de Veríssimo...). Ela estava morta. Era concebível que sua gentileza, sua bondade, seu espírito de tolerância, sua coragem e sua incomensurável fé também tivessem apodrecido com a carne? Não. Havia no mundo uma imensa harmonia. Eugênio tendia a crer que todas aquelas misérias e conflitos desaparecessem dentro da grande harmonia universal. Tudo estava bem.”
 
É inspirado em Frei Betto (jornal Folha de S.Paulo...) que reverencio um pouco mais a Grande Mãe Zilda Arns: “Zilda nos deixa, de herança, o exemplo de que é possível mudar o perfil de uma sociedade com ações comunitárias, voluntárias, da sociedade civil, ainda que o poder público e a iniciativa privada permaneçam indiferentes ou adotem simulacros de responsabilidade social. Se milhares de jovens e adultos brasileiros sobreviveram às condições de pobreza em que nasceram, devem isso em especial à doutora Zilda Arns, que merece, sem exagero, o título perene de mãe da pátria”.
 
E, para finalizar, recorto e colo do jornal O Estado de S.Paulo (Fórum dos Leitores, 15/1/2010) a citação de Sergio Pinheiro Lopes, referente a um poema de W. H. Auden: “De quem haveremos de falar? Pois todos os dias eles morrem dentre nós, aqueles que nos faziam algum bem, que sabiam que nunca era suficiente, mas esperavam melhorar um pouco as coisas com seu viver”.
 
Salve Zilda! Salve os humanos que se tornam anjos! Salve a esperança de todo aquele que crê e tem consciência que pode “melhorar um pouco as coisas com seu viver”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Para comentar mais facilmente, ao clicar em “Comentar como – Selecionar Perfil”, selecione NOME/URL. Após fazer a seleção, digite seu NOME e, em URL (preenchimento opcional), coloque o endereço do seu site.