Adquiri recentemente a consciência, em termos de administrar a ansiedade ao conversar entusiasmadamente com o outro. Todos nos achamos com idéias e julgamentos incontestáveis ao falar, acreditando demasiadamente em nossas declarações. Dialogando com um familiar ou um grande amigo, não deixamos espaço para a manifestação do outro, a não ser que ela sirva para reforçar a nossa "questionável confiança" sobre um comentário. Mesmo assim, quando o outro tenta emitir a sua opinião, fingimos prestar atenção, aguardando apenas a oportunidade para retomar à nossa retórica.
Aprender a se calar e ouvir atentamente o outro é algo que precisa ser urgentemente exercitado. Impressiona a mim o desequilíbrio entre o desenvolvimento da sociedade e a forma precária como ainda se desenvolvem as relações humanas no cotidiano, sobretudo as relações entre indivíduos esclarecidos. É claro que isto nada tem a ver com o uso da inteligência lógica, mas sim com o da inteligência emocional. Quem ainda não presenciou pessoas humildes dialogando, refletindo no olhar um sincero interesse pela fala do outro e respeitando naturalmente o momento do silêncio, da escuta, evitando bruscas intervenções à conversa? Quem se habilita então a se reconhecer como um costumeiro "proprietário da palavra" e passar a exercitar, a partir de agora, a auto-reflexão em pretensos julgamentos e afirmações duvidosas, bem como exercitar o ato da escuta? No endereço http://casadafilosofiaclinica.com, Rosângela Rossi (19/12/2007) fala sobre o silêncio: "Silenciar é um encontro com o vazio que nada mais é que nossa plenitude. Não alcançamos o silêncio com conceitos. Não temos nada a esperar, mas apenas acolhê-lo... No silêncio do encontro com o outro, vou me permitindo estar com o outro por inteiro, consciente que o outro quer ser ouvido e compreendido". Eis uma concepção sobre o diálogo produtivo. Para ampliar esta leitura, encontrei na sabedoria de Rubem Alves, em sua crônica "Curso de Escutatória", uma interessante reflexão sobre a nossa incapacidade de ouvir o outro:
"Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma".
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro: "Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma".
Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio.
(Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam sentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as idéias estranhas.)
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades:
Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado".
Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve
nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto."
Aprender a se calar e ouvir atentamente o outro é algo que precisa ser urgentemente exercitado. Impressiona a mim o desequilíbrio entre o desenvolvimento da sociedade e a forma precária como ainda se desenvolvem as relações humanas no cotidiano, sobretudo as relações entre indivíduos esclarecidos. É claro que isto nada tem a ver com o uso da inteligência lógica, mas sim com o da inteligência emocional. Quem ainda não presenciou pessoas humildes dialogando, refletindo no olhar um sincero interesse pela fala do outro e respeitando naturalmente o momento do silêncio, da escuta, evitando bruscas intervenções à conversa? Quem se habilita então a se reconhecer como um costumeiro "proprietário da palavra" e passar a exercitar, a partir de agora, a auto-reflexão em pretensos julgamentos e afirmações duvidosas, bem como exercitar o ato da escuta? No endereço http://casadafilosofiaclinica.com, Rosângela Rossi (19/12/2007) fala sobre o silêncio: "Silenciar é um encontro com o vazio que nada mais é que nossa plenitude. Não alcançamos o silêncio com conceitos. Não temos nada a esperar, mas apenas acolhê-lo... No silêncio do encontro com o outro, vou me permitindo estar com o outro por inteiro, consciente que o outro quer ser ouvido e compreendido". Eis uma concepção sobre o diálogo produtivo. Para ampliar esta leitura, encontrei na sabedoria de Rubem Alves, em sua crônica "Curso de Escutatória", uma interessante reflexão sobre a nossa incapacidade de ouvir o outro:
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"Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma".
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro: "Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma".
Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio.
(Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam sentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as idéias estranhas.)
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades:
Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado".
Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve
nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto."
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