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Antes de tudo, devo dizer que não entendo nada de futebol. Sou santista e até aprecio assistir a alguns jogos, principalmente ao lado do meu filho, Guilherme, 21, este sim, conhecedor profundo da arte do futebol e, ainda mais, torcedor roxo do Santos FC.
É incrível a facilidade que as pessoas têm para esticar uma conversa quando o assunto é futebol, sobretudo quando o foco é o time adversário. E se a conversa acontece em torno da mesa de um bar então... A questão não é a conversa em si, mas as críticas decorrentes, geralmente insensatas.
A crítica futebolística vira sempre um círculo vicioso. Ela não deve ser levada a sério. Cada torcedor se enche de razão. Só existe concordância entre torcedores do mesmo time.
Daí vem um cara metido a livre-pensador, como eu, e viaja no mundo de algumas ideias abstratas, inconcebíveis para a maioria dos torcedores. Onde já se viu torcedor elogiar jogador do time adversário?
“Enxergar com outros olhos”
Eu tenho como hábito filtrar dos veículos da mídia apenas o que é passível de levar as pessoas a refletir positivamente sobre mudança de hábitos. Coisa muito difícil de selecionar, por conta de a mídia explorar os acontecimentos sempre de forma sensacionalista. É claro que há exceções, principalmente em crônicas e cadernos especiais de jornais e comentários de rádio e televisão, em que alguns especialistas analisam as questões de maneira sensata e produtiva.
Quem por acaso neste triste episódio da despedida de Ronaldo do futebol conseguiu entender e se sensibilizar com a decisão do atleta? Infelizmente, o assunto acaba sendo oportuno para, quem sabe, pessoas descarregarem mágoas e frustrações em cima do jogador.
Eu optei por filtrar desse grande acontecimento de 2011 apenas o que considero produtivo para os meus leitores. Um deles é o comentário do ex-jogador Tostão, “O tempo não para”, publicado no caderno Esporte da Folha de S. Paulo de 15 de fevereiro.
“Ronaldo foi um dos maiores jogadores de todos os tempos. Se não fossem as graves contusões, seria ainda melhor. Ronaldo foi tão espetacular, tão diferente, que fez pouquíssimos gols da maneira usual, antecipando-se aos zagueiros nos cruzamentos”, escreve Tostão.
Para o comentarista, para ser um atacante fenomenal, como foi Ronaldo, é preciso, além de excepcionais qualidades técnicas, mapear, em um piscar de olhos, tudo o que está à sua volta, perceber os movimentos dos companheiros e adversários e calcular a velocidade da bola e dos marcadores.
Segundo Tostão, os especialistas médicos chamam isso de inteligência cinestésica. Os psicanalistas falam que é um saber inconsciente, que antecede ao pensamento lógico. “Ele sabe, mas não sabe que sabe. Fernando Pessoa escreveu que as coisas não têm explicação, têm existência. Todos estão certos, principalmente o poeta”.
Para Tostão, podemos analisar as características e qualidades técnicas de Ronaldo, dizer o número de gols que fez na carreira, quantos e quais os títulos conquistados, quantas vezes foi eleito o melhor do mundo, mas é impossível quantificar a grandiosidade de seu talento.
Emoção
“Só uma pedra não se comoveria diante daquele homenzarrão, um dos maiores jogadores da história, em prantos, na frente de dois de seus filhotes. Como foi digno de surpresa ouvir de sua boca que sofre de hipotireoidismo, segredo improvável para ser guardado por tanta gente no clube, além de segredo sem sentido, porque a revelação serviria para amenizar as críticas que recebia”, observa o articulista Juca Kfouri em sua crônica “E o Fenômeno chorou” (Folha, Esporte, 15 de fevereiro).
Segundo Kfouri, o ídolo também revelou que terá sua fundação e que prosseguirá fazendo pelo Corinthians o que o Corinthians quiser, pois ele tem o presidente do clube na conta de irmão. “Humilde, disse que aprendeu mais com as derrotas do que com as vitórias”.
“Não, Ronaldo não merece que seu último jogo tenha sido contra o Tolima. Ronaldo merece a maior festa do seu bando”, conclui o cronista.
Que me perdoem os críticos insensatos. Ronaldo chorou. E eu também chorei, ao compreender a agonia do ídolo naquele momento, sobretudo por conta da sua transparente humildade, algo que sempre admirei no grande jogador.
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Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com
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