Guilherme Simões,junho 2010
Condições para que moradores de rua se alimentem e estudem. É o que a Associação Prato de Sopa Monsenhor Moreira, da cidade de Santos, oferece a essas pessoas. Um café da manhã e um almoço já seriam suficientes para atrair qualquer ser humano carente. Porém, não está apenas no fato de oferecer alimentação básica o bom exemplo da Associação, que também ensina a ler e a escrever, além de desenvolver várias atividades destinadas a orientar, pessoal e profissionalmente, pessoas que vivem nas ruas.
A maioria dos desabrigados que frequenta a Associação Prato de Sopa, que em junho deste ano completa 80 anos, não tem uma referência familiar na cidade. Segundo Carlos Teixeira Filho, secretário municipal da Assistência Social de Santos, o censo de 2010 aponta que a população em situação de rua aumentou 13,45% em comparação ao mesmo levantamento realizado em 2006. Passou, nesse período, de 342 para 388 pessoas sem lar. A pesquisa indica, ainda, que cerca de 89,5% dos moradores de rua entrevistados são do sexo masculino e 54,9% têm entre 30 e 49 anos . Dentre os motivos que mais originam moradores de rua, segundo o censo, 17% é o desemprego, enquanto 16%, problemas com o pai e outros familiares e outros 16%, alcoolismo ou uso de drogas. Causas como separação amorosa e perda de moradia também são bem citadas como origem do problema.
Mesmo com números considerados altos, não são muitos os moradores que frequentam associações. A "Prato de Sopa" recebe entre 20 e 25 pessoas por dia. O horário de entrada na instituição é 9 horas. Todos que ficam aguardando a abertura do portão têm livre acesso, não havendo um critério de seleção pré-estabelecido.
"Para manter a qualidade do trabalho e a disciplina nas atividades, nós impedimos a entrada de pessoas alcoolizadas", explica a assistente social Raquel Nunes de Souza. "Damos preferência para o pessoal que frequenta o local constantemente e não aparece apenas para o almoço. Quando fecho a porta, não estou selecionando moradores de rua, mas sim estabelecendo limites", explica.
Dentre as atividades desenvolvidas no local incluem-se: oficinas de leitura, artesanato, palestras especiais, regularização de documentos para emprego, elaboração de currículo etc. "Nós atendemos a pessoas fragilizadas pelo abandono, oferecendo condições para resgatar a sua cidadania", comenta Raquel. Segundo a assistente social, no entanto, existem alguns contratempos durante o processo. "Não são todos que cumprem tudo aquilo a que se comprometem. Infelizmente, o alcoolismo é um agravante que prejudica o comportamento dessa população de rua, comprometendo muitas vezes o retorno de um investimento", complementa.
Em uma manhã de maio, por exemplo, os moradores assistiram a uma palestra sobre filosofia e espiritualidade, ministrada por um jornalista. A Associação necessita de pessoas voluntárias interessadas em atuar no local, transmitindo conhecimentos que possam motivar os moradores, sempre muito receptivos e agradecidos, sobretudo por conta do preconceito que a sociedade reserva a eles. "Uma palavra levanta e outra derruba, mas a simples disposição de alguém vir aqui trazer uma mensagem já nos conforta. É bom para tirar a imagem de que morador de rua é tudo ladrão. O que acontece aqui neste momento mereceria ser divulgado", revela uma moradora em situação de rua ali presente.
O exemplo de São Bernardo do Campo
Em São Bernardo já existe um atendimento dirigido. O último censo naquela cidade, realizado em 2007, apontou uma população de rua entre 350 e 400 pessoas, diz José Ferreira, secretário da Sedesc. Para ele, o número hoje é bem maior. "Visivelmente esse número aumentou devido à falta de políticas públicas das cidades vizinhas aqui do ABC e de São Paulo", observa.
Na capital paulista, segundo a "Agência Estado" (01/06/2010), a Secretaria Municipal de Assistência Social contratou a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para uma pesquisa, realizada em novembro e dezembro de 2009. "Entre aqueles que estão em situação de rua, 7.079 (51,8%) dormem em albergues municipais, enquanto 6.587 (48,2%) vivem ao relento nas ruas da cidade. Em 2000, o total de pessoas que vivia em situação de rua era de 8.706. Proporcionalmente, havia menos dessas pessoas vivendo em albergues: 45,7%", cita o artigo.
Atualmente, menciona a "Agência Estado", existem 8.200 vagas em 41 albergues. A prefeitura de São Paulo pretende abrir 1.200 vagas até o final do ano. Para a secretária de Assistência Social, Alda Marco Antonio, a pesquisa mostra a necessidade de se criarem políticas pré e pós-albergue.
"Nós temos hoje um albergue com capacidade para 100 pessoas e um centro de convivência, onde se oferecem almoços, algumas atividades educativas e serviços de ajuda em geral, ambos sob a responsabilidade da Organização Samaritano", explica Ferreira. O município de São Bernardo conta também com uma casa de integração, sob a administração direta da prefeitura, através da Sedesc, e vários outros locais para atendimento. "Aqueles que conseguem se recuperar nós orientamos para o mercado de trabalho", acrescenta.
Ainda segundo José Ferreira, há um trabalho com psicólogos que abordam desabrigados na rua e os encaminham a locais adequados, de acordo com a necessidade de cada um.
A prefeitura de São Bernardo abriu um edital para selecionar ONGs destinadas a melhorar o serviço de atendimento a 70 moradores de rua: 50 homens e 20 mulheres, cabendo a essas organizações recolher legalmente parte da população desabrigada da cidade, inclusive crianças, e lhes oferecer certo conforto. "Precisamos oferecer algo digno para a população de rua. Estou conversando com todas as prefeituras vizinhas do ABC e tentarei contatar a administração de São Paulo para definir uma linha de políticas públicas para toda a região", finaliza Ferreira.
Oportunidade de trabalho
Uma das principais e mais difíceis tarefas das associações que trabalham com pessoas em situação de rua é conseguir emprego para elas. Mesmo dispondo de toda documentação necessária e possuindo relativa experiência na função desejada, a falta de residência fixa é um ponto negativo no processo da seleção.
Porém, há casos em que o morador de rua supera todas as dificuldades e limites pré-estabelecidos.Ele consegue se recuperar psicologicamente e se inserir no mercado de trabalho. A um morador de rua, na cidade de Santos, por exemplo, faltava a NR-10, uma capacitação necessária para o exercício de determinada profissão. No entanto, ele foi matriculado no Serviço Nacional de Aprendizagem (Senai) pela Associação Prato da Sopa e, com o pagamento do curso efetuado pela associação, obteve registro em carteira profissional e um salário superior a mil reais, revela Raquel.
O desabrigado Rubens Moura Júnior, que frequenta a "Prato de Sopa", define em poucas palavras o que é ser um morador de rua. "Nesta empreitada, conheci o submundo do ser humano, o egoísmo, a hipocrisia, o desprezo, mas também conheci pessoas com espírito forte, solidárias e generosas. Agora conto com a ajuda de entidades que merecem o meu reconhecimento. Pretendo equilibrar a minha vida, voltar à sociedade e aprimorar meus valores pessoais. Quero voltar a abraçar meu filho e andar ao seu lado como amigo, como aluno, como professor, como pai", disse emocionado.
Ao conviver mais de perto com essa realidade, é normal nos surpreendermos com moradores de rua cultos, alguns até gostam de escrever e contar as suas histórias, levando não raramente à emoção quem lhes dá atenção. É muito comum pessoas argumentarem: "Não dou esmola para vagabundo", para justificar a sua omissão diante dessa triste realidade. Porém, felizmente, há também iniciativas pessoais construtivas em prol dos moradores de rua. Num final de tarde recente, conforme observou esta reportagem, na avenida Epitácio Pessoa, próximo à avenida Joaquim Montenegro, em Santos, um casal com uma criança aproximou-se de um morador de rua e lhe ofereceu roupas usadas e vários mantimentos.
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