Aline Fonseca, Assessoria de Comunicação da UNB (Universidade de Brasília)
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(Trata-se de reprodução integral da entrevista de Aline Fonseca, da Assessoria de Comunicação da Universidade de Brasília, com o espanhol Carlos Álvarez Teijeiro. Não consegui descobrir o ano do acontecimento. Provavelmente, em 2009.)
Tratar temas de interesse social, que modificam a realidade em que vivemos, é um bom negócio para as grandes empresas jornalísticas. Ou pelo menos, deveria ser. Para o espanhol Carlos Alvarez Teijeiro, doutor em Comunicação Pública pela Universidade de Navarra, esse é o ponto de conciliação entre a sociedade de consumo e a promoção da cidadania. E é também o grande desafio do jornalismo nesse século: ir atrás do lucro “saudável”.
Teijeiro esteve na Universidade de Brasília (UnB) para ministrar o curso Fundamentos do Jornalismo Público, na Faculdade de Comunicação, e ajudou a divulgar o Jornalismo Público ou “Civic Journalism”, movimento surgido nos Estados com objetivo de colocar em pauta, nos meios de comunicação, temas de interesse da comunidade e do cidadão.
Em entrevista à UnB Agência, o especialista deixa claro que jornalistas não são meros observadores e que as empresas jornalísticas perseguem o lucro, mas também precisam se preocupar com as boas causas para terem mais confiabilidade e credibilidade. “Preocupar-se em promover a vida cidadã não é perder dinheiro, é parte da responsabilidade social de uma empresa que ocupa um lugar privilegiado no espaço público, como são os meios de comunicação”, afirma.
MUDANÇA NA FORMAÇÃO – Para o espanhol, parte da responsabilidade pela condição do jornalismo atual – pouco voltado para os interesses públicos – é das universidades e escolas de jornalismo. Por isso, uma mudança urgente é necessária, assim como colocar estudantes e professores em reflexão sobre a realidade em que vivem. “As escolas de jornalismo têm que voltar às Humanidades, voltar à reflexão sobre o sentido da democracia, da cidadania”, avalia.
O “Civic Journalism” é polêmico entre os próprios jornalistas. Nos Estados Unidos, jornais tradicionais como “The Washington Post” e “The New York Times” acreditam que o papel do jornalismo é apenas informar e não tem compromisso com a transformação da sociedade. Para Teijeiro, a grande encruzilhada é tirar do caminho a má notícia e o denuncismo para abrir a passagem para textos mais críticos. “O Jornalismo Público não pretende fazer com que os cidadãos tomem partido, mas que a vida democrática interesse aos cidadãos. Uma democracia em que os cidadãos participem ativamente é uma democracia com mais qualidade do que aquela em que os cidadãos se limitam a votar a cada quatro anos”, conclui.
UnB AGÊNCIA - Hoje, os grandes jornais também são grandes empresas jornalísticas, que têm entre seus interesses o lucro. Então como conciliar o jornalismo dito público, com claro interesse coletivo e de transformação da sociedade, com os interesses comerciais do jornalismo?
TEIJEIRO - Conciliar esse interesse aparentemente privado com a promoção do interesse público será um dos grandes desafios dos meios de comunicação nesse século 21. Existem exemplos de que os interesses dos jornalismos cívico e empresarial são perfeitamente conciliáveis. Há um movimento cada vez maior de responsabilidade social entre empresários, inclusive os da comunicação. Preocupar-se em promover a vida cidadã não é perder dinheiro, é parte da responsabilidade social de uma empresa que ocupa um lugar privilegiado no espaço público, como são os meios de comunicação. Eles estão no centro do espaço público e não podem buscar a máxima rentabilidade ao preço de deteriorar a vida democrática. Os meios de comunicação têm um lugar de privilégio, têm proteções constitucionais que outras atividades profissionais não têm. Desses direitos surgem certos deveres com relação à cidadania.
UnB AGÊNCIA - Por que nos EUA tem sido mais fácil compatibilizar os interesses empresariais dos meios de comunicação com os interesses comunitários e em outros países isso não tem sido possível?
TEIJEIRO - Em grande medida porque os EUA têm sido sempre um país que tem um vínculo comunitário, diferentemente do que acontece na Europa, que tem uma sociedade mais individualista. Nos Estados Unidos, principalmente, nas pequenas cidades, a vida comunitária e coletiva é cultivada. Os meios de comunicação sempre prestaram atenção a isso, mas agora, prestam atenção de outro modo, de forma mais engajada. Creio que na Europa e América Latina, em especial na América Latina, é mais difícil, porque os meios de comunicação deixaram de ser organismos com capacidade de controlar o poder para serem organizações até mais poderosas que o poder. Na América Latina, os meios de comunicação têm mais influência na política do que os partidos políticos, mais poder econômico que muitas empresas. Portanto, por que deveriam se interessar em promover a cidadania se isso não lhes traz algum resultado político ou econômico? Essa é uma das razões pelas quais o Jornalismo Público ainda não prosperou na América Latina.
UnB AGÊNCIA – E na Espanha, como tem sido a experiência com o Jornalismo Público?
TEIJEIRO - O jornalismo espanhol ainda é muito comercial, a boa notícia ainda é a má notícia, é a notícia polêmica, controversa, a notícia que é mais compatível com a lógica espetacularizante dos meios de comunicação. É mais fácil relatar em termos simplistas, o que é bom e o que é mau, culpados e inocentes. Na Espanha, o Jornalismo Público não tem tido êxito, mas há empresas de comunicação que adotaram estratégias socialmente responsáveis, com respeito a práticas como, por exemplo, buscar maior coerência entre conteúdos editoriais e comerciais. Uma empresa em que sua publicação se dedica a denunciar e criticar a exploração sexual da mulher não pode ter entre seus anúncios os de prostituição. Existem empresas que decidiram fazer isso.
UnB AGÊNCIA - Mudar a formação dos jornalistas nas universidades ajudaria a transformar o jornalismo em uma prática mais engajada socialmente?
TEIJEIRO - Creio que hoje, lamentavelmente, a formação que recebem os jornalistas nas universidades deixou de ser aquela muito romântica e lírica, de que o jornalista irá mudar o mundo, para uma formação que causa desilusão, pois desde o primeiro ano lhes é dito que não poderão fazer o que querem, que têm de renunciar a essas pretensões idílicas de reforma social e política, que a liberdade de imprensa é simplesmente liberdade de empresa, que o repórter deve se resignar quando lhe é dito para não mais investigar determinado assunto. Passamos dessa formação do começo das escolas de jornalismo durante a década de 60 e 70, mais romântica, para uma formação mais pragmática e desesperançosa. O novo tipo de formação que as escolas de jornalismo deveriam proporcionar é uma educação que reconheça o caráter mercantil dos meios de comunicação, mas que, ao mesmo tempo, faça os estudantes perceberem que a promoção da cidadania e da qualidade de vida democrática, em termos pragmáticos, é também um valor mercantil rentável para as empresas de comunicação. Claro que não é a única razão para esse estudante perceber a importância da promoção da cidadania, mas também por princípios.
UnB AGÊNCIA - Qual o perfil do estudante de jornalismo do nosso século?
TEIJEIRO - O estudante de comunicação de hoje está imerso em uma sociedade de consumo, a mesma que, supostamente, o jornalismo queria transformar nas décadas de 60 e 70. Encontramos em muitos casos um estudante que já faz parte desse sistema de consumo e que busca fama, notoriedade e êxito econômico com o jornalismo, já não busca transformar a sociedade. Os estudantes são os primeiros a quem temos de convencer a mudar, a se engajar. Na Espanha, diferentemente do que ocorria há 15, 20 anos, eles buscavam transformar a realidade, as respostas que buscavam tinham a ver com interesse democrático, fomentar o pluralismo. Atualmente, os estudantes buscam ser como os apresentadores de televisão, ser gente famosa. Seus interesses cívicos não são muito grandes porque passaram, pelo menos, 18 anos vivendo como consumidores. A universidade deveria cumprir a função de resgatar esses estudantes, prepará-los para esse novo desafio do jornalismo. Hoje, um estudante de jornalismo já não chega à universidade pensando de que forma sua atividade jornalística contribuirá para melhorar a vida democrática. As escolas de jornalismo têm de voltar às Humanidades, voltar à reflexão sobre o sentido da democracia, da cidadania. O desenvolvimento das novas técnicas, cada vez mais sofisticadas, não pode fazê-los deixar de exercitar a leitura, de pensar criticamente, compreender o mundo em que vivem. Há uma espécie de sedução pela tecnologia, que não faz pensar. Os estudantes viram um pouco escravos da tecnologia.
UnB AGÊNCIA - O Jornalismo Público trata muito de cidadania. Que conceito o senhor atribui à cidadania?
TEIJEIRO - O conceito que tenho da cidadania não é uma condição legal, mas uma atividade desejável que vai se assemelhar à idéia de cidadania que tinha o mundo grego clássico. Um cidadão da polis ateniense era aquele que se preocupava com a vida de sua comunidade. O cidadão é aquele que participa da vida da comunidade, uma idéia mais ética do que legal.
UnB AGÊNCIA - No mundo em que vivemos hoje, em que o dinheiro e o consumismo fazem cada vez mais parte da sociedade, há possibilidades de sobrevivência para o Jornalismo Público?
TEIJEIRO - O Jornalismo Público é uma esperança para alguém que quer fazer um jornalismo que tenha resultados transformadores. O jornalista produz uma informação e essa informação entra no jogo que vai reproduzir um sistema onde a tendência é que prevaleçam o poder e o dinheiro. Mesmo contingenciado por muitos fatores, o jornalista não pode renunciar à sua ética, aos seus princípios. Se ele puder se engajar em iniciativas de jornalismo para a promoção da cidadania, acho que é uma circunstância em que o jornalista não verá o produto do seu trabalho como inimigo. Uma das razões do surgimento do Jornalismo Público é a falta de compromisso da mídia com as causas públicas e isso tem gerado crise e queda de vendagem. Essa é uma das explicações pelas quais os jornais estão em crise no mundo, por conta de um distanciamento do interesse das comunidades.
UnB AGÊNCIA - Então o senhor acha que a tendência é a de que o jornalismo se volte para a comunidade?
TEIJEIRO - Não sabemos se propostas como a do Jornalismo Público serão vitoriosas. Ninguém tem essa certeza, mas são clarões que emergem dentro dos sistemas democráticos e que sinalizam para modelos. O Jornalismo Público não é um gênero, como o jornalismo econômico, o jornalismo policial, jornalismo esportivo. Ele é muito mais um movimento do que uma escola, do que uma disciplina. A razão de existir do Jornalismo Público é a comunidade, da comunidade para a mídia. A própria comunidade cria agendas de informações à medida que se produzem notícias que interessam ao público. Um dos segredos disso é que interessa aos governos e ao mercado. A boa notícia também é um bom negócio. Notícias cidadãs são interessantes.
UnB AGÊNCIA - O jornalista deve ajudar a transformar a realidade, se engajar na mudança social?
TEIJEIRO - O jornalista tem a obrigação moral de assumir que é uma parte constitutiva da sociedade em que vive. Ele não é um mero espectador.
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