Barack Hussein Obama, aos 47 anos, foi eleito o 44º presidente dos Estados Unidos, o quarto mais jovem e o primeiro negro da história do país. Ele tomou posse no dia 20 de janeiro de 2009, com uma fala sóbria, mas esperançosa - registrou o jornal Folha de S.Paulo em seu caderno especial sobre o evento. É isto mesmo: esperançosa.
"Estamos reunidos neste dia porque optamos pela esperança em lugar do medo, pela unidade de objetivos em lugar do conflito e da discórdia", proclamou Obama em seu discurso. E mais: "Há quem questione a escala de nossas ambições – quem sugira que nosso sistema não pode tolerar planos grandiosos demais. A memória dessas pessoas é curta. Pois elas se esqueceram do que este país já fez – o que homens e mulheres livres podem realizar quando a imaginação se une ao objetivo comum, à necessidade, à coragem. O que os cínicos deixam de compreender é que os argumentos políticos gastos que nos consumiram por tanto tempo não se aplicam mais. A pergunta que fazemos hoje não é se nosso governo é grande ou pequeno demais, mas se ele funciona – se ele ajuda famílias a encontrar empregos com salários decentes, atendimento médico que elas consigam pagar, uma aposentadoria que seja digna."
Para Walter Ceneviva, em sua crônica "Direito internacional e Obama" (Folha de S.Paulo, 15/11/2008), "A eleição do novo presidente difundiu esperanças por um caminho no qual os Estados Unidos recuperem sua liderança moral, com a força de criadores da democracia moderna e não apenas a de aplicadores das armas ou de poder econômico, aptos a intervir em todas as partes do planeta". Para Ceneviva, Obama parece ter interesse pelos fatos da cultura e da história. Por isto, pode alterar o rumo da política americana.
"Virou moda entre muitos intelectuais e jornalistas anunciar uma espécie de ‘visão trágica’ do mundo, como se tratasse da mais surpreendente novidade", escreve Marcelo Coelho em sua crônica "Os doutores do pessimismo" (Folha, 21/1/2009). Segundo Marcelo, o que lhe parece estranho é que, mais do que denunciar o horror, esses pensadores trágicos e jornalistas sombrios gostam de destruir as esperanças.
Marcelo vai mais além: "O reconhecimento do Mal, a crítica à violência da esquerda, a percepção de que ninguém é ‘bonzinho’ e de que a realidade é uma coisa dura e feia vão-se transformando em algo próximo do fascínio. E, com diferentes níveis de elaboração e de cortesia pessoal, esses autores tendem a fazer do fascínio uma estratégia de choque. Quanto mais chocarem o pensamento corrente mais ganharão em originalidade, leitura e cartas de protesto."
Como esta carta, de um leitor da Folha de S.Paulo (Painel do Leitor, 22/1/2009): "Obama é uma ‘moda’ (passageira) construída com a ajuda inestimável de uma mídia irresponsável, viciada em si mesma e espelho de suas próprias ideias, mas cuja fascinação com o ‘produto’ por ela tão bem urdido em breve cederá espaço à frustração, e aí então veremos se haverá ou não a necessária honestidade de alguns para admitir que o ‘produto’ não era assim tão bom em substituição ao outro, ‘bushiano’, este nem um pouco palatável aos mandarins da imprensa mundial."
Para finalizar, Marcelo Coelho diz parecer existir uma competição nas páginas dos jornais e na internet para ver quem conseguirá ser o mais ‘durão’, o mais ‘realista’, o mais desencantado. "Você está esperançoso com a vitória de Obama?" Marcelo ouve um risinho: que otário.
"Não foi a mídia que elegeu Obama, mas, sem dúvida, a sua biografia e a postura de um afro-americano que, nos discursos de campanha, saudou negros e brancos, gays e héteros, hispânicos, africanos, as mulheres etc.", diz Ivana Bentes, professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro ("Fazendo a mídia", Folha, 9/11/2008).
Ao mesmo tempo, analisa a professora Ivana, a mídia e o próprio Obama apelaram para a imagem do "pós-negro", para um multiculturalismo esvaziado de conflitos. É claro que isso seduz, simbolicamente, num país tão atravessado por clivagens raciais e com uma política tão dura contra os "outros", ela complementa.
Segundo o artigo da Folha, as novas mídias, sobretudo a web, tiveram papel central na campanha. Os eleitores de Obama mobilizaram a blogosfera. O candidato teve recorde de doações pela internet para sua campanha, sendo financiado pelos próprios eleitores, fato inédito.
TVs e jornais tiveram que se associar à internet, ao YouTube, fazer debates on-line com a participação dos internautas, comenta a professora Ivana.
Mesmo raramente ainda se encontram mensagens esperançosas. Cronistas é que falam delas. No noticiário em geral, manchetes estão proibidas de destacar esperanças. Que prazer encontrar no noticiário alguém como o escritor Ferréz: "Infelizmente, nem Martin Luther King, que morreu há 40 anos, nem Malcolm X, que morreu há 43 anos, viram um negro ser eleito presidente do EUA. Ainda por cima, um homem que teve uma vida simples e participou, assim como a própria mulher, de tantos projetos sociais. Se a política repressora e unilateral estadunidense irá mudar, só o futuro dirá, mas que é bom de vez em quando a gente ter esperança, ah! isso é!" (Folha, 9/11/2007).
Para Clóvis Rossi (Folha, Editoriais, "Basta a Sasha", 22/1/2009), "Jornalistas acabam endurecendo o coração, especialmente se estão há muito tempo na linha de frente e mais ainda se o fazem em uma região como a América Latina, em que há mais dores a contar do que glórias a cantar". Para Clóvis, Obama não irá refundar os Estados Unidos, ao contrário do que prometeu. Na melhor das hipóteses vai limpar a sujeira. Ponto.
Mas o que definitivamente emociona, escreve Clóvis Rossi, "... foram aquelas duas meninas negras, filhas do casal Obama, e seu jeito na cerimônia, comportadas sem ser reprimidas por um Barack mais pai que presidente, por uma Michele mais mãe que primeira-dama – todos, enfim, sem qualquer sinal exterior de empáfia de primeira-família".
Ah, o polegar para cima da mais novinha, Sasha, – conta Rossi – para o pai, após o discurso, dispensa qualquer editorial contrário (ou até favorável) de qualquer jornal. É tudo que qualquer pai, mesmo pai-presidente, pode querer.
Também inspirou-me Eliane Cantanhêde (Folha, Editoriais, "A festa acabou", 22/1/2009): "No discurso da posse, Obama foi sóbrio, mas falou à alma dos norte-americanos. Usou todo o carisma e a voz grave e poderosa para admitir os tempos difíceis e chacoalhar a garra, a esperança e o decantado patriotismo dos concidadãos, acirrados pela chegada dos negros ao poder e pela esperança dos pobres de que tudo será diferente.
Falou também para o mundo - registra Cantanhêde - que está ansioso, cheio de dúvidas e temores: "O mundo mudou, e precisamos mudar com ele", disse, trocando o tom ameaçador da potência pelo tom contemporizador do líder natural (um fato, não uma vontade ou opção). Estendeu a mão aos muçulmanos, aos amigos e aos "inimigos anteriores". Para a jornalista, a eleição e a posse de Obama foram grandes momentos da história. Que seu governo também seja.
"Tampouco espero maravilhas curativas da gestão de Barack Obama. O mais importante já foi feito – e com brilho histórico: enterrou formalmente o preconceito racista que ainda prevalecia em algumas camadas da sociedade. Neste particular, os Estados Unidos merecem nota dez", reconhece Carlos Heitor Cony em sua crônica "Nota dez" (Folha, Editoriais, 22/1/12009).
Cony acompanhou alguns momentos da posse do novo presidente e ficou admirado com a sobriedade do protocolo. Conta que não houve transferência da faixa presidencial, como nos concursos das misses e nas posses dos mandatários da América Latina e de outras regiões.
Se a liturgia foi sóbria – observa Cony – o entusiasmo da multidão que acompanhou a cerimônia sob um frio de 3 graus abaixo de zero foi realmente comovente: "Creio que nunca um presidente da República de qualquer país arrastou tanto povo para presenciar de corpo presente um acontecimento histórico".
Para complementar, o cronista diz que, embora tenhamos como nunca espaço para a esperança e força contra o medo (os dois referenciais mais citados durante sua campanha eleitoral e em seu discurso de posse), tudo dependerá agora da capacidade de um homem resistir às pressões da máquina do complexo industrial-militar.
Gostei da recente criação da página "Folha Corrida" (Notícias em 5 minutos) da Folha de S.Paulo. Ali ao menos consigo detectar, ainda que raramente, uma esperança em destaque. Como a que originou o meu recente artigo: "Piano na UTI" (15/1/2009).
Thyago Ney Augusto, kruift@ig.com.br, em seu artigo "Manipulação da informação" (Google), observa que o atual sensacionalismo das informações tornou-se tão comum como a competitividade instalada nos diferentes tipos de mercado. Porém, com a excessiva exploração das "notícias espetaculares", a formação de opinião das pessoas e a qualidade do veículo midiático ficam seriamente comprometidas.
Tratar temas de interesse social que modificam a realidade em que vivemos é um bom negócio para as grandes empresas jornalísticas. Ou, pelo menos, deveria ser. Para o espanhol Carlos Álvarez Teijeiro, doutor em Comunicação Pública pela Universidade de Navarra, esse é o ponto de conciliação entre a sociedade de consumo e a promoção da cidadania. E é também o grande desafio do jornalismo neste século: ir atrás do lucro "saudável". Teijeiro esteve na Universidade de Brasília (UNB), www.secom.unb.br/entrevistas/tv1006-02.htm, em outubro de 2006 para ministrar o curso "Fundamentos do Jornalismo Público" na Faculdade de Comunicação.
O especialista deixou claro que jornalistas não são meros observadores e que as empresas jornalísticas perseguem o lucro, mas também precisam se preocupar com as boas causas para terem mais confiabilidade e credibilidade: "Preocupar-se em promover a vida cidadã não é perder dinheiro, é parte da responsabilidade social de uma empresa que ocupa um lugar privilegiado no espaço público", afirmou.
Segundo o espanhol, os EUA têm sido sempre um país que tem um vínculo comunitário, diferentemente do que acontece na Europa, que tem uma sociedade mais individualista. Nos Estados Unidos, principalmente nas pequenas cidades, a vida comunitária é cultivada. Os meios de comunicação sempre prestaram atenção a isso, mas, agora, prestam atenção de outro modo, de forma engajada.
Teijeiro revelou que o "jornalismo público" é uma esperança para alguém que quer fazer um jornalismo que tenha resultados transformadores. Disse não saber se tal proposta será vitoriosa. Ninguém tem certeza, mas são clarões que emergem dentro dos sistemas democráticos e que sinalizam para modelos. O "jornalismo público" não é um gênero, como o jornalismo econômico, policial, esportivo. Ele é mais um movimento do que uma escola, uma disciplina.
O estudante de comunicação de hoje está imerso em uma sociedade de consumo, a mesma que, supostamente, o jornalismo queria transformar nas décadas de 60 e 70, prossegue Teijeiro. "Encontramos, por exemplo, um estudante que já faz parte desse sistema de consumo e busca notoriedade e êxito econômico com o jornalismo. Ele já não busca transformar a sociedade. Hoje um estudante de jornalismo já não chega à universidade pensando de que forma sua atividade jornalística contribuirá para melhorar a vida das pessoas. As escolas de jornalismo têm de voltar às Humanidades, voltar à reflexão sobre o sentido da cidadania. O desenvolvimento das novas técnicas, cada vez mais sofisticadas, não pode fazer o estudante deixar de exercitar a leitura, pensar criticamente, compreender o mundo em que vive. Há uma espécie de sedução pela tecnologia, que não faz pensar. O estudante vira um pouco escravo da tecnologia", analisa.
Para finalizar, o especialista comenta que o jornalismo espanhol ainda é muito comercial. A boa notícia ainda é a má notícia, a notícia polêmica, controversa... mais compatível com a lógica espetacularizante dos meios de comunicação. "Atualmente, os estudantes buscam ser como os apresentadores de televisão, ser gente famosa. Seus interesses cívicos não são muito grandes porque passaram, pelos menos dezoito anos, vivendo como consumidores. A universidade deveria cumprir a função de resgatar esses estudantes, prepará-los para esse novo desafio do jornalismo", finaliza.
Como disse Clóvis Rossi, muitos jornalistas acabam endurecendo o coração. Felizmente ainda há alguns com esperança, como mostrou a cobertura sobre a eleição de Obama. Essa esperança que o jornal desconhece. Sei de leitores que já se sentem incomodados com o excesso de manchetes, páginas, textos e fotos de tragédias como as de Isabella Nardoni e Eloá Pimentel, por exemplo, infelizmente tão inconsequentemente popularizadas pela imprensa por conta da garantia da vendagem do veículo.
Cria-se o "espetáculo" e o povo que sofre dificuldades básicas de sobrevivência com a família e diferentes tipos de carência humana dirige-se ao local para acompanhar a tragédia tão noticiada. E então o povo sofre com o desenrolar do acontecimento e se alivia um pouco de seus problemas, que ficam pequenos diante da infelicidade maior do outro.
O psiquiatra, psicoterapeuta e escritor Augusto Cury, escreve sobre esse tipo de entorpecimento em sua obra "O vendedor de sonhos (O chamado)": "Alguns observadores mordiam os dedos em grande tensão. Outros nem piscavam, para não perder detalhes da cena – o ser humano detesta a dor, mas tem uma fortíssima atração por ela; rejeita os acidentes, as mazelas e misérias, mas eles seduzem sua retina. O desfecho daquele ato traria angústia e insônia aos espectadores, mas eles resistiam, sem abandonar a cena de terror."
Podem me definir como quiserem: ingênuo, sonhador, confiante demais... Fiquem à vontade. Mas saibam que não vivo sem esperança, a esperança da mudança positiva de mentalidades para a construção de um mundo melhor. O espanhol Carlos Álvarez Teijeiro deve concordar comigo a respeito desta sugestão: que, para começar, grandes jornais pensem em incorporar, em forma de manchete, ao menos uma ação humana, social..., algo exemplar, relevante, que sensibilize o leitor e o leve a possíveis reflexões e mudança de atitudes para modificar a realidade em que vive. Manter em suas pautas diárias um tema que envolva a esperança, até para nos proteger um pouco de tanto sensacionalismo e daqueles leitores revoltados que convivem conosco.
A título de complementação, indico a leitura dos artigos deste blog: Caso Isabella Nardoni (28/7/2008), Textos jornalísticos instrutivos como opção de leitura (9/8/2008), Nova missão dos jornais (12/8/2008) e Caso Eloá Pimentel (31/10/2008).
__________
Gosto de reafirmar a importância da reutilização de bons textos. O artigo "Releitura e revitalização de textos jornalísticos" (http://tomsimoes.criarumblog.com, set. 2008) aborda tal ponto de vista.
"Estamos reunidos neste dia porque optamos pela esperança em lugar do medo, pela unidade de objetivos em lugar do conflito e da discórdia", proclamou Obama em seu discurso. E mais: "Há quem questione a escala de nossas ambições – quem sugira que nosso sistema não pode tolerar planos grandiosos demais. A memória dessas pessoas é curta. Pois elas se esqueceram do que este país já fez – o que homens e mulheres livres podem realizar quando a imaginação se une ao objetivo comum, à necessidade, à coragem. O que os cínicos deixam de compreender é que os argumentos políticos gastos que nos consumiram por tanto tempo não se aplicam mais. A pergunta que fazemos hoje não é se nosso governo é grande ou pequeno demais, mas se ele funciona – se ele ajuda famílias a encontrar empregos com salários decentes, atendimento médico que elas consigam pagar, uma aposentadoria que seja digna."
Para Walter Ceneviva, em sua crônica "Direito internacional e Obama" (Folha de S.Paulo, 15/11/2008), "A eleição do novo presidente difundiu esperanças por um caminho no qual os Estados Unidos recuperem sua liderança moral, com a força de criadores da democracia moderna e não apenas a de aplicadores das armas ou de poder econômico, aptos a intervir em todas as partes do planeta". Para Ceneviva, Obama parece ter interesse pelos fatos da cultura e da história. Por isto, pode alterar o rumo da política americana.
"Virou moda entre muitos intelectuais e jornalistas anunciar uma espécie de ‘visão trágica’ do mundo, como se tratasse da mais surpreendente novidade", escreve Marcelo Coelho em sua crônica "Os doutores do pessimismo" (Folha, 21/1/2009). Segundo Marcelo, o que lhe parece estranho é que, mais do que denunciar o horror, esses pensadores trágicos e jornalistas sombrios gostam de destruir as esperanças.
Marcelo vai mais além: "O reconhecimento do Mal, a crítica à violência da esquerda, a percepção de que ninguém é ‘bonzinho’ e de que a realidade é uma coisa dura e feia vão-se transformando em algo próximo do fascínio. E, com diferentes níveis de elaboração e de cortesia pessoal, esses autores tendem a fazer do fascínio uma estratégia de choque. Quanto mais chocarem o pensamento corrente mais ganharão em originalidade, leitura e cartas de protesto."
Como esta carta, de um leitor da Folha de S.Paulo (Painel do Leitor, 22/1/2009): "Obama é uma ‘moda’ (passageira) construída com a ajuda inestimável de uma mídia irresponsável, viciada em si mesma e espelho de suas próprias ideias, mas cuja fascinação com o ‘produto’ por ela tão bem urdido em breve cederá espaço à frustração, e aí então veremos se haverá ou não a necessária honestidade de alguns para admitir que o ‘produto’ não era assim tão bom em substituição ao outro, ‘bushiano’, este nem um pouco palatável aos mandarins da imprensa mundial."
Para finalizar, Marcelo Coelho diz parecer existir uma competição nas páginas dos jornais e na internet para ver quem conseguirá ser o mais ‘durão’, o mais ‘realista’, o mais desencantado. "Você está esperançoso com a vitória de Obama?" Marcelo ouve um risinho: que otário.
Eleição e mídia
"Não foi a mídia que elegeu Obama, mas, sem dúvida, a sua biografia e a postura de um afro-americano que, nos discursos de campanha, saudou negros e brancos, gays e héteros, hispânicos, africanos, as mulheres etc.", diz Ivana Bentes, professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro ("Fazendo a mídia", Folha, 9/11/2008).
Ao mesmo tempo, analisa a professora Ivana, a mídia e o próprio Obama apelaram para a imagem do "pós-negro", para um multiculturalismo esvaziado de conflitos. É claro que isso seduz, simbolicamente, num país tão atravessado por clivagens raciais e com uma política tão dura contra os "outros", ela complementa.
Segundo o artigo da Folha, as novas mídias, sobretudo a web, tiveram papel central na campanha. Os eleitores de Obama mobilizaram a blogosfera. O candidato teve recorde de doações pela internet para sua campanha, sendo financiado pelos próprios eleitores, fato inédito.
TVs e jornais tiveram que se associar à internet, ao YouTube, fazer debates on-line com a participação dos internautas, comenta a professora Ivana.
Esperança: extraordinariamente, mas ainda se acha!
Para Clóvis Rossi (Folha, Editoriais, "Basta a Sasha", 22/1/2009), "Jornalistas acabam endurecendo o coração, especialmente se estão há muito tempo na linha de frente e mais ainda se o fazem em uma região como a América Latina, em que há mais dores a contar do que glórias a cantar". Para Clóvis, Obama não irá refundar os Estados Unidos, ao contrário do que prometeu. Na melhor das hipóteses vai limpar a sujeira. Ponto.
Mas o que definitivamente emociona, escreve Clóvis Rossi, "... foram aquelas duas meninas negras, filhas do casal Obama, e seu jeito na cerimônia, comportadas sem ser reprimidas por um Barack mais pai que presidente, por uma Michele mais mãe que primeira-dama – todos, enfim, sem qualquer sinal exterior de empáfia de primeira-família".
Ah, o polegar para cima da mais novinha, Sasha, – conta Rossi – para o pai, após o discurso, dispensa qualquer editorial contrário (ou até favorável) de qualquer jornal. É tudo que qualquer pai, mesmo pai-presidente, pode querer.
Também inspirou-me Eliane Cantanhêde (Folha, Editoriais, "A festa acabou", 22/1/2009): "No discurso da posse, Obama foi sóbrio, mas falou à alma dos norte-americanos. Usou todo o carisma e a voz grave e poderosa para admitir os tempos difíceis e chacoalhar a garra, a esperança e o decantado patriotismo dos concidadãos, acirrados pela chegada dos negros ao poder e pela esperança dos pobres de que tudo será diferente.
Falou também para o mundo - registra Cantanhêde - que está ansioso, cheio de dúvidas e temores: "O mundo mudou, e precisamos mudar com ele", disse, trocando o tom ameaçador da potência pelo tom contemporizador do líder natural (um fato, não uma vontade ou opção). Estendeu a mão aos muçulmanos, aos amigos e aos "inimigos anteriores". Para a jornalista, a eleição e a posse de Obama foram grandes momentos da história. Que seu governo também seja.
"Tampouco espero maravilhas curativas da gestão de Barack Obama. O mais importante já foi feito – e com brilho histórico: enterrou formalmente o preconceito racista que ainda prevalecia em algumas camadas da sociedade. Neste particular, os Estados Unidos merecem nota dez", reconhece Carlos Heitor Cony em sua crônica "Nota dez" (Folha, Editoriais, 22/1/12009).
Cony acompanhou alguns momentos da posse do novo presidente e ficou admirado com a sobriedade do protocolo. Conta que não houve transferência da faixa presidencial, como nos concursos das misses e nas posses dos mandatários da América Latina e de outras regiões.
Se a liturgia foi sóbria – observa Cony – o entusiasmo da multidão que acompanhou a cerimônia sob um frio de 3 graus abaixo de zero foi realmente comovente: "Creio que nunca um presidente da República de qualquer país arrastou tanto povo para presenciar de corpo presente um acontecimento histórico".
Para complementar, o cronista diz que, embora tenhamos como nunca espaço para a esperança e força contra o medo (os dois referenciais mais citados durante sua campanha eleitoral e em seu discurso de posse), tudo dependerá agora da capacidade de um homem resistir às pressões da máquina do complexo industrial-militar.
Jornalismo e transformação positiva de mentalidades
Gostei da recente criação da página "Folha Corrida" (Notícias em 5 minutos) da Folha de S.Paulo. Ali ao menos consigo detectar, ainda que raramente, uma esperança em destaque. Como a que originou o meu recente artigo: "Piano na UTI" (15/1/2009).
Thyago Ney Augusto, kruift@ig.com.br, em seu artigo "Manipulação da informação" (Google), observa que o atual sensacionalismo das informações tornou-se tão comum como a competitividade instalada nos diferentes tipos de mercado. Porém, com a excessiva exploração das "notícias espetaculares", a formação de opinião das pessoas e a qualidade do veículo midiático ficam seriamente comprometidas.
Tratar temas de interesse social que modificam a realidade em que vivemos é um bom negócio para as grandes empresas jornalísticas. Ou, pelo menos, deveria ser. Para o espanhol Carlos Álvarez Teijeiro, doutor em Comunicação Pública pela Universidade de Navarra, esse é o ponto de conciliação entre a sociedade de consumo e a promoção da cidadania. E é também o grande desafio do jornalismo neste século: ir atrás do lucro "saudável". Teijeiro esteve na Universidade de Brasília (UNB), www.secom.unb.br/entrevistas/tv1006-02.htm, em outubro de 2006 para ministrar o curso "Fundamentos do Jornalismo Público" na Faculdade de Comunicação.
O especialista deixou claro que jornalistas não são meros observadores e que as empresas jornalísticas perseguem o lucro, mas também precisam se preocupar com as boas causas para terem mais confiabilidade e credibilidade: "Preocupar-se em promover a vida cidadã não é perder dinheiro, é parte da responsabilidade social de uma empresa que ocupa um lugar privilegiado no espaço público", afirmou.
Segundo o espanhol, os EUA têm sido sempre um país que tem um vínculo comunitário, diferentemente do que acontece na Europa, que tem uma sociedade mais individualista. Nos Estados Unidos, principalmente nas pequenas cidades, a vida comunitária é cultivada. Os meios de comunicação sempre prestaram atenção a isso, mas, agora, prestam atenção de outro modo, de forma engajada.
Teijeiro revelou que o "jornalismo público" é uma esperança para alguém que quer fazer um jornalismo que tenha resultados transformadores. Disse não saber se tal proposta será vitoriosa. Ninguém tem certeza, mas são clarões que emergem dentro dos sistemas democráticos e que sinalizam para modelos. O "jornalismo público" não é um gênero, como o jornalismo econômico, policial, esportivo. Ele é mais um movimento do que uma escola, uma disciplina.
O estudante de comunicação de hoje está imerso em uma sociedade de consumo, a mesma que, supostamente, o jornalismo queria transformar nas décadas de 60 e 70, prossegue Teijeiro. "Encontramos, por exemplo, um estudante que já faz parte desse sistema de consumo e busca notoriedade e êxito econômico com o jornalismo. Ele já não busca transformar a sociedade. Hoje um estudante de jornalismo já não chega à universidade pensando de que forma sua atividade jornalística contribuirá para melhorar a vida das pessoas. As escolas de jornalismo têm de voltar às Humanidades, voltar à reflexão sobre o sentido da cidadania. O desenvolvimento das novas técnicas, cada vez mais sofisticadas, não pode fazer o estudante deixar de exercitar a leitura, pensar criticamente, compreender o mundo em que vive. Há uma espécie de sedução pela tecnologia, que não faz pensar. O estudante vira um pouco escravo da tecnologia", analisa.
Para finalizar, o especialista comenta que o jornalismo espanhol ainda é muito comercial. A boa notícia ainda é a má notícia, a notícia polêmica, controversa... mais compatível com a lógica espetacularizante dos meios de comunicação. "Atualmente, os estudantes buscam ser como os apresentadores de televisão, ser gente famosa. Seus interesses cívicos não são muito grandes porque passaram, pelos menos dezoito anos, vivendo como consumidores. A universidade deveria cumprir a função de resgatar esses estudantes, prepará-los para esse novo desafio do jornalismo", finaliza.
Como disse Clóvis Rossi, muitos jornalistas acabam endurecendo o coração. Felizmente ainda há alguns com esperança, como mostrou a cobertura sobre a eleição de Obama. Essa esperança que o jornal desconhece. Sei de leitores que já se sentem incomodados com o excesso de manchetes, páginas, textos e fotos de tragédias como as de Isabella Nardoni e Eloá Pimentel, por exemplo, infelizmente tão inconsequentemente popularizadas pela imprensa por conta da garantia da vendagem do veículo.
Cria-se o "espetáculo" e o povo que sofre dificuldades básicas de sobrevivência com a família e diferentes tipos de carência humana dirige-se ao local para acompanhar a tragédia tão noticiada. E então o povo sofre com o desenrolar do acontecimento e se alivia um pouco de seus problemas, que ficam pequenos diante da infelicidade maior do outro.
O psiquiatra, psicoterapeuta e escritor Augusto Cury, escreve sobre esse tipo de entorpecimento em sua obra "O vendedor de sonhos (O chamado)": "Alguns observadores mordiam os dedos em grande tensão. Outros nem piscavam, para não perder detalhes da cena – o ser humano detesta a dor, mas tem uma fortíssima atração por ela; rejeita os acidentes, as mazelas e misérias, mas eles seduzem sua retina. O desfecho daquele ato traria angústia e insônia aos espectadores, mas eles resistiam, sem abandonar a cena de terror."
Podem me definir como quiserem: ingênuo, sonhador, confiante demais... Fiquem à vontade. Mas saibam que não vivo sem esperança, a esperança da mudança positiva de mentalidades para a construção de um mundo melhor. O espanhol Carlos Álvarez Teijeiro deve concordar comigo a respeito desta sugestão: que, para começar, grandes jornais pensem em incorporar, em forma de manchete, ao menos uma ação humana, social..., algo exemplar, relevante, que sensibilize o leitor e o leve a possíveis reflexões e mudança de atitudes para modificar a realidade em que vive. Manter em suas pautas diárias um tema que envolva a esperança, até para nos proteger um pouco de tanto sensacionalismo e daqueles leitores revoltados que convivem conosco.
A título de complementação, indico a leitura dos artigos deste blog: Caso Isabella Nardoni (28/7/2008), Textos jornalísticos instrutivos como opção de leitura (9/8/2008), Nova missão dos jornais (12/8/2008) e Caso Eloá Pimentel (31/10/2008).
__________
Gosto de reafirmar a importância da reutilização de bons textos. O artigo "Releitura e revitalização de textos jornalísticos" (http://tomsimoes.criarumblog.com, set. 2008) aborda tal ponto de vista.
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