sábado, 20 de setembro de 2008

A internet nos deixa inteligentes

Por Eduardo Szklarz, “Superpapo” (Conversas Bacanas), revista Super Interessante, www.superinteressante.com.br, edição 256, set. 2008 

A discussão sobre os efeitos da internet no nosso cérebro continua. Se você ficou achando que a web pode estar deixando os adolescentes mais burros, não se preocupe. De acordo com um dos filósofos mais festejados da atualidade, os jovens na verdade nunca foram tão inteligentes – e o mérito é da rede. Para o americano David Weinberger (*), a era digital está quebrando a noção do conhecimento monopolizado por especialistas. Através do diálogo global, os adolescentes estão conseguindo interpretar e discutir esse conhecimento, e realmente entender o que acontece ao seu redor. Weinberger é professor do Centro Berkman para Internet e Sociedade, da Universidade Harvard, onde mestres, alunos, empreendedores, advogados e arquitetos virtuais se dedicam a explorar a internet. “A web, um mundo de pura conexão, livre de qualquer restrição de assunto, está nos mostrando quem somos – e desfazendo alguns de nossos mais profundos mal-entendidos sobre o que significa ser humano no mundo real”, diz. Nesta entrevista, Weinberger descreve o que são esses enganos e explica por que a desordem do mundo digital é altamente positiva para a nossa massa cinzenta. 



Como a internet melhora a inteligência dos jovens?
A grande mudança da era digital é fazer com que os meios, o conhecimento e a autoridade agora sejam de todos. Estamos produzindo conhecimento juntos, não de forma individual, e não precisamos mais carregar os fatos conosco. Em vez de memorizar o PIB da Índia, podem consultá-lo na Wikipédia. A compreensão não é tão simples como o conhecimento; ela é sempre objeto de novas interpretações e discussões. E é justamente nesse ponto que a internet é melhor do que os outros meios. Ela permite que as pessoas discutam e, assim, compreendam melhor o mundo. 

Como a internet está mudando nossa sociedade?
Primeiro, é preciso compará-la com a cultura da qual viemos, dominada pelos meios de comunicação de massa. Nela, existia a relação “um para muitos”, onde apenas uma pessoa falava e todas as demais escutavam. A TV, o rádio e as publicações impressas operam numa economia de escassez, já que poucos falam. Como esses meios falam com um grande número de pessoas, o resultado é que as mensagens precisam ser simplificadas o máximo possível. 

O escritor Mark Bauerlein diz que a internet está emburrecendo os jovens, porque substituiu as relações verticais (entre jovens e adultos) pelas horizontais (entre pares). O que acha?Não é assim! Esse é o argumento da echochamber [“câmara de eco”, termo usado nos EUA para descrever negativamente grupos que pensam parecido e que repetem seus pensamentos entre si]. Atrás dessa noção existe uma profunda falta de entendimento sobre a natureza da conversa. As pessoas sempre conversam com quem concordam, de um jeito ou de outro. Não há nada de errado nisto. É assim que avançamos. 

Por exemplo?

Quando queremos debater algum assunto, procuramos pessoas com quem temos coisas em comum. Se há divergências grandes demais, não levamos o papo adiante. Quantas vezes você conseguiu discutir política com um neonazista? Não dá, porque não há nada em comum. Você pode tentar, mas não vai convencê-lo de que o nazismo é ruim. Não é confrontando diferenças radicais que a compreensão humana avança. Nós avançamos, e mudamos nossas crenças, conversando com pessoas com quem basicamente concordamos. Qual o problema de garotos falando entre si? 

Bauerlein diz que os jovens não estão crescendo, e sim criando um universo longe dos adultos.Talvez ele pense que crescer é tornar-se como ele, não sei. A noção de “crescer” muda a cada geração. 

Ele também fala da necessidade que temos de tempo e espaço, coisas que estão se perdendo com a velocidade da internet. Concorda?Concordo que precisamos de tempo e espaço, mas discordo de que a internet seja apenas velocidade. Há sites que as pessoas visitam rapidamente, mas também há blogs onde as pessoas escrevem uma vez por ano e deixam textos maravilhosos. Sempre podemos escolher entre entabular uma conversa rápida ou dar uma caminhada lenta. É assim também na web. 

O que a web tem mostrado sobre nós?
Se você viesse de outro planeta e entrasse na internet, pensaria que somos uma espécie cheia de contradições e difícil de caracterizar. Provavelmente, você observaria duas coisas em particular: o quanto estamos desesperados por nos conectar uns com os outros, o quanto curtimos a companhia alheia; e o tanto que estamos entusiasmados com a possibilidade de criar coisas. Veria um racismo impressionante, mas também atos de generosidade. Até podemos ficar chocados ao ver tanta coisa, mas não deveríamos. Porque simplesmente é assim que somos. 

Por que você costuma dizer que a internet é apenas um “meio” que possibilita enviar e receber dados entre uma pessoa e outra?
A internet tem um comportamento próprio e, se nos convencermos de que ele é prejudicial, podemos tentar mudá-lo. Isso é improvável, e ela deixaria de ser a internet. Mas, acima de tudo, penso que a web está permitindo a humanização do conhecimento ao refletir quem nós realmente somos. Com a ajuda dela, podemos fazer uma imagem de nós mesmos melhor, do que poderíamos fazer com qualquer outro meio. A Wikipédia expressa melhor nossos interesses do que a Enciclopédia Britannica por motivos óbvios: a Britannica tem um número de tópicos determinado pelo custo da impressão e pelo setor de vendas. A Wikipédia reflete os assuntos que nos importam. 

Qual é o papel de pais e professores na era digital?
Nos EUA, muitos professores deixam os alunos usar só 2 ou 3 fontes da internet para seus trabalhos. Acho que é um erro. A internet é mais importante do que tudo: ela contém maior quantidade de informações e idéias, tanto boas como ruins. 

Então o certo é aproximar os jovens da internet?
Os professores precisam estimular os alunos a sair da sala e voltar com fontes para serem debatidas, para concluir quais são confiáveis. Não devem ensiná-los a trabalhar individualmente, mas treiná-los para fazer o que nós, adultos, fazemos: consultar a informação na internet e avaliá-la com outras pessoas. Atualmente, temos que entender coisas demais para confiar apenas em um indivíduo. Só podemos cumprir essa tarefa juntos – e é para isso que a internet serve. 

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(*) David Weinberger é um dos gurus do mundo virtual. Costumava escrever piadas para o cineasta Woody Allen nos anos 60 e 70. O material saía em tirinhas de jornal. Há quem diga que ele tem mesmo um jeitão de Woody Allen. “Talvez não haja nada divertido sobre mim. Sou tímido no mundo real, mas bem menos quando estou online”, afirma. Tem 57 anos. Passou os últimos 30 sem comer carne. 

(Está aí uma revista inteligente: “SUPER INTERESSANTE”. Recomendo a todos. Tom)

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