Assisti a “Fale com Ela”, de Pedro Almodóvar, há alguns anos. E esse foi um daqueles filmes que me fizeram despertar a paixão pelo cinema. Não que, naquele momento, eu tivesse captado toda a sabedoria por trás dessa obra. Não, isso eu vim a descobrir anos mais tarde, no meu curso de cinema na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado). Mas o fato é que o filme é tão tocante que, mesmo sem saber nada, eu já soube muito.
Como disse, descobri “Fale com Ela” mais profundamente no meu curso de cinema. E o curioso é que não foi na sala de aula. Mas, sim, em um raro “happy hour” que fizemos para comemorar o fim do primeiro ano letivo. Estávamos em um bar, tarde para uma quarta-feira, e já éramos poucos na mesa. Dentre os restantes, uma psicanalista que eu já admirava por fazer as observações mais reveladoras, e ao mesmo tempo sucintas, na sala de aula. Suas palavras ecoavam como um tapa na cara, daquele que dura três segundos, mas que nos fazem repensar o restante da vida.
Foi nesse cenário que a colega psicanalista fez uma revelação (para ela tão trivial) a respeito de “Fale com Ela”. Durante alguns dias subsequentes, eu ficava repetindo para mim mesma as suas palavras. E isso funcionava tanto para me maravilhar, como para eventualmente presentear alguém que também tivesse assistido ao filme. Mas, passado um tempo, eu simplesmente internalizei aquele conhecimento e me tornei incapaz de repetir suas palavras (da mesma forma que alguém que toma uma bofetada na cara provavelmente não se lembra se ela foi dada com a mão esquerda ou direita, mas sabe perfeitamente o que isso significa).
No último final desta semana da Pátria, passei algumas sugestões de filmes para o meu pai, que passaria o feriado de chuva em casa. Dentre eles, adivinhem!... Eu não tinha a menor dúvida de que esse filme resultaria em um telefonema de agradecimento. Mas o Tom foi além: pediu-me para escrever em quaisquer duas linhas o tão precioso “insight” do filme, o que estava por trás de toda aquela história. Pensei, malditas palavras da minha colega que eu as esqueci! Tão simples e esclarecedoras, caberiam perfeitamente em duas linhas!... Revirei-me internamente e não conseguia chegar nelas.
Foi então que apelei para o bom e velho “Google” e me deparei com o artigo de Sylvia Loeb, psicanalista também (ufa!), que, sabiamente, conseguiu reproduzir as palavras por mim esquecidas.
“Freud, pai da psicanálise, via as mulheres como enigmas de difícil resolução. Não conseguia compreendê-las, comparava-as a um imenso continente africano, exótico, diferente, intangível. Um dia, desanimado, perguntou-se: "O que quer uma mulher?", questão à qual jamais logrou responder satisfatoriamente.
Almodóvar responde a essa questão no próprio título de seu último e extraordinário filme: "Fale com Ela".
E revela também, pela boca de Benigno, o desejo de toda mulher: "A mulher precisa ser tocada, mimada, acariciada... Você precisa falar com ela, ouvir seus segredos... Fale com ela."
No seu estado paradisíaco de indiferenciação sexual, na sua ingenuidade infantil, Benigno dedica-se de corpo e alma à adoração e aos cuidados daquela mulher viva/morta. Mais do que isso, Benigno realiza um dos sonhos mais secretos da mulher: o de ter um homem que se dedique inteiramente a ela.
Há outra mulher, uma toureira profissional. As duas mulheres, em estado de coma profundo, parecem ser o paradigma do talvez absoluto e intransponível abismo entre o homem e a mulher. São dois mundos quase que radicalmente impossíveis um ao outro.
O que Almodóvar nos conta é a grande história de amor impossível entre homens e mulheres, o manual de decifração das mulheres. É a impossibilidade, a mais radical e absoluta, do encontro desejado, perene e permanente.
E é também um ode à vida quando recoloca frente a frente um homem e uma mulher recomeçando uma vez mais e sempre a recriação do mundo.
Sábio Almodóvar... Pena Freud não estar mais entre nós.
Como disse, descobri “Fale com Ela” mais profundamente no meu curso de cinema. E o curioso é que não foi na sala de aula. Mas, sim, em um raro “happy hour” que fizemos para comemorar o fim do primeiro ano letivo. Estávamos em um bar, tarde para uma quarta-feira, e já éramos poucos na mesa. Dentre os restantes, uma psicanalista que eu já admirava por fazer as observações mais reveladoras, e ao mesmo tempo sucintas, na sala de aula. Suas palavras ecoavam como um tapa na cara, daquele que dura três segundos, mas que nos fazem repensar o restante da vida.
Foi nesse cenário que a colega psicanalista fez uma revelação (para ela tão trivial) a respeito de “Fale com Ela”. Durante alguns dias subsequentes, eu ficava repetindo para mim mesma as suas palavras. E isso funcionava tanto para me maravilhar, como para eventualmente presentear alguém que também tivesse assistido ao filme. Mas, passado um tempo, eu simplesmente internalizei aquele conhecimento e me tornei incapaz de repetir suas palavras (da mesma forma que alguém que toma uma bofetada na cara provavelmente não se lembra se ela foi dada com a mão esquerda ou direita, mas sabe perfeitamente o que isso significa).
No último final desta semana da Pátria, passei algumas sugestões de filmes para o meu pai, que passaria o feriado de chuva em casa. Dentre eles, adivinhem!... Eu não tinha a menor dúvida de que esse filme resultaria em um telefonema de agradecimento. Mas o Tom foi além: pediu-me para escrever em quaisquer duas linhas o tão precioso “insight” do filme, o que estava por trás de toda aquela história. Pensei, malditas palavras da minha colega que eu as esqueci! Tão simples e esclarecedoras, caberiam perfeitamente em duas linhas!... Revirei-me internamente e não conseguia chegar nelas.
Foi então que apelei para o bom e velho “Google” e me deparei com o artigo de Sylvia Loeb, psicanalista também (ufa!), que, sabiamente, conseguiu reproduzir as palavras por mim esquecidas.
“Freud, pai da psicanálise, via as mulheres como enigmas de difícil resolução. Não conseguia compreendê-las, comparava-as a um imenso continente africano, exótico, diferente, intangível. Um dia, desanimado, perguntou-se: "O que quer uma mulher?", questão à qual jamais logrou responder satisfatoriamente.
Almodóvar responde a essa questão no próprio título de seu último e extraordinário filme: "Fale com Ela".
E revela também, pela boca de Benigno, o desejo de toda mulher: "A mulher precisa ser tocada, mimada, acariciada... Você precisa falar com ela, ouvir seus segredos... Fale com ela."
No seu estado paradisíaco de indiferenciação sexual, na sua ingenuidade infantil, Benigno dedica-se de corpo e alma à adoração e aos cuidados daquela mulher viva/morta. Mais do que isso, Benigno realiza um dos sonhos mais secretos da mulher: o de ter um homem que se dedique inteiramente a ela.
Há outra mulher, uma toureira profissional. As duas mulheres, em estado de coma profundo, parecem ser o paradigma do talvez absoluto e intransponível abismo entre o homem e a mulher. São dois mundos quase que radicalmente impossíveis um ao outro.
O que Almodóvar nos conta é a grande história de amor impossível entre homens e mulheres, o manual de decifração das mulheres. É a impossibilidade, a mais radical e absoluta, do encontro desejado, perene e permanente.
E é também um ode à vida quando recoloca frente a frente um homem e uma mulher recomeçando uma vez mais e sempre a recriação do mundo.
Sábio Almodóvar... Pena Freud não estar mais entre nós.
Ana Simões, São Paulo (SP)
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