Liane Alves sintetizou muito bem esta história da prática do bem, em seu artigo “Todo mundo quer ser bom”, publicado na revista “Vida Simples”, abril 2010. Trata-se de uma discussão extremamente delicada, sobretudo por conta da dificuldade de as pessoas mudarem seus comportamentos, mantendo-se presas a convicções nem sempre sensatas e a posições por vezes irredutíveis, que dificultam os relacionamentos e o amadurecimento pessoal.
Artigos desta natureza é que me atraem. E dada a dificuldade de as pessoas terem acesso a diferentes veículos da difusão do conhecimento, o meu desejo é sempre poder compartilhar com as pessoas os meus “achados”, talvez porta para novos caminhos.
Temos uma dificuldade enorme de enxergar quando pisamos na bola, de admitir nossas mentiras e vilanias, nossas pequenas e grandes malvadezas, comenta Liane. “No geral, sempre achamos que os outros estão errados, enganados, que somos vítima de uma eterna injustiça. Nos achamos cheios de razão e encerramos o assunto. Não conseguimos avaliar uma situação com isenção. Porque dói muito, muito mesmo, não se reconhecer bom, leal e confiável”.
É difícil mesmo se reconhecer assim. A ignorância, vaidade, insegurança... não permitem que a pessoa assuma e supere um comportamento indesejável, tão evidente a todos que com ela convivem.
“Não temos consciência do mal que praticamos, e que, aliás, na maioria das vezes é feito em nome do bem, ou do que achamos que ele é”, relata a jornalista. “Porque o mal não reconhecido torna-se insidioso, pois se transforma em algo que está lá fora, no outro, e não dentro”, diz também.
Para o seu artigo, Liane Alves entrevistou a psicoterapeuta Amnéris Marone, professora na Faculdade de Antropologia da Unicamp e colaboradora da Associação Palas Athena, onde ministra cursos. “Uma pessoa só é capaz de praticar a bondade real depois que conhece a si mesmo e aceita seu lado mais sombrio, sua própria agressividade e destrutividade”, diz a professora.
Colocar-se no lugar do outro...
Amnéris cita o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, que dizia que para praticar a bondade é necessário cuidar de si e ter compaixão. “Primeiro, é preciso estarmos íntegros, integrados a nossos aspectos negativos e positivos, nos aceitarmos como somos, para então nos dedicarmos aos outros. Bondade, solidariedade e compaixão são sinônimos entre si. O que as determina é sentir em si mesmo a dor do outro e querer estar junto dele para minimizar seu sofrimento”.
Liane argumenta que a compreensão sobre a bondade genuína chega quando nos tornamos capazes de amar e não vemos mais o mundo do mesmo jeito. E isso demanda esforço, às vezes durante muito tempo e na direção correta.
O que posso dizer a você, Liane? É que estou desconfiado que estamos trilhando caminhos semelhantes e experimentando o que é essencial na natureza, que pode conduzir à verdadeira paz interior. É que, me parece, seu texto não se baseia apenas em referências intelectuais, mas demonstra sua sensibilidade avançada no plano espiritual.
Essa jornalista surpreende também quando menciona que, de uma maneira prática, essa transição até a bondade genuína pode ser resumida nas palavras atribuídas aos anjos e transmitidas a um pequeno grupo de jovens húngaros durante a Segunda Guerra Mundial. “Vocês ainda tentam tudo da maneira antiga: escuro-claro, bom-mau, frio-quente (...). O mal não existe, existe força não transformada (...). O mal é o bem em formação, o que ainda não está pronto. Não corrija o mal. Aumente o bem. Ele absorverá o mal que existe ao seu redor” (grifo meu...).
“E, quanto mais consciente, verdadeiro e responsável esse bem, melhor”, finaliza Liane Alves.
Agente do bem...
Eu também, às vezes, questiono a bondade que pratico, imaginando, por exemplo, se, de alguma forma, ela pode provir de interesse próprio, no sentido de que eu preciso agir assim para estar de bem comigo. Algo como: tenho de ser bom para ser amplamente recompensado, até mesmo pelo Divino.
Já falei sobre isto com amigos próximos, com quem costumo “viajar” nas ideias. É neste particular que reforço a opinião de Liane Alves em relação ao que acontece com a prática consciente da bondade. A conscientização e a disposição permanente de ser bom com o mundo vão se incorporando gradativamente na essência do indivíduo.
Ao estar implantada em cada um de nós essa capacidade de ajudar a pessoa a restaurar a sua própria imagem, valorizando-a, ainda que se trate de alguém com quem é difícil conviver, processo que se inicia por se colocar no lugar do outro, não há como retroceder no processo de crescimento psicológico e espiritual, de se tornar uma pessoa melhor a cada dia, seja aquele que ajuda ou aquele que é ajudado.
Há então, a meu ver, um propósito elevado comandando a vida do indivíduo comprometido com a bondade. Ele tem uma maior consciência de sua responsabilidade como agente do bem e transformador do ambiente em que vive. Torna-se um compromisso que o protege da constante pressão do mal, ainda por se transformar em bem, dentro de si mesmo.
“Em razão da reciprocidade do ato de ajuda, é difícil reconhecer, entre duas pessoas, quem efetivamente exerce a ajuda e quem é ajudado. Trata-se de um ciclo que nunca deixa de retornar”, revela o amigo Roberto da Graça Lopes. Ele diz também que aquele que é ajudado, se aceita a ajuda, nunca mais será o mesmo.
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Ilustração: fraternidadebranca-luzdanovaera.blogspot.com
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